Provavelmente um dos grandes dilemas e desafios que assolam a humanidade é combater a autossuficiência que insiste em fazer morada em nós. Um sentimento silencioso e, ao mesmo tempo, traiçoeiro, mas que persegue a existência humana, fazendo com que nos percebamos donos de tudo e de todos.
A cultura do poder, em todas as suas manifestações e formas, que envolve a alma humana, estabelece condições para a disseminação e proliferação do sentimento de autossuficiência. Acreditamos ser poderosos demais, acreditamos que conseguimos controlar tudo, que podemos tudo, que somos “espertos” demais.
Mas nem sempre é assim, a vida na sua dinâmica, que a cada dia se torna mais global, se encarrega de mostrar ao ser humano que ele é extremamente frágil, pequeno, e que nem sempre consegue controlar todas as situações que cercam a sua vida.
Vivemos uma pandemia provocado pelo Covide-19, o famoso coronavírus, [por isso], estamos tensos, espantados, temerosos. O mundo lentamente está parando. A ordem é ficar em casa, evitar lugares com aglomerações de pessoas. Nossa fragilidade se estampa nos comunicados oficiais e nos noticiários.
Não é a primeira vez, e acredito que não será a última, pois a história nos mostra que, de tempos em tempos, aparecem doenças que assustam a humanidade. Todavia, o que se percebe é que o tempo entre uma pandemia e outra parece a cada dia se encurtar mais.
A humanidade vivenciou o tempo dos leprosos, da peste bubônica, da gripe espanhola, da gripe suína, do vírus ebola, entre tantas outras, que foram se juntando ao câncer, à diabetes, Alzheimer, enfim, a uma série de doenças que, aos poucos, estão se tornando cada vez mais presente entre nós.
E todas elas sinalizam numa direção: por mais que estejamos evoluídos, desenvolvidos tecnológica e cientificamente, ainda somos incapazes de dominar tudo. Quando achamos que estamos controlando o mundo que nos cerca, aparece algo que mostra o contrário.
Isto possibilita uma nova oportunidade que a vida nos dá, para repensar nossa existência, para pensar como estamos lidando com o mundo, como estamos vivendo, quais são nossos hábitos e costumes, como estamos tratando as pessoas, como estamos nos reconhecendo.
Pode parecer clichê, mas é estranho demais como somos capazes de criar situações que nos colocam em perigo. Nossas ações, sempre pautadas num progresso, que beira o egoísmo, que leva ao olho por olho, dente por dente, acaba por criar cenários de desespero coletivo.
As doenças assustam não porque são simplesmente doenças, mas porque invadem barracos e castelos, casebres e mansões. Elas assustam porque não escolhem grupos, pessoas ou situações. Na verdade somos todos vulneráveis a elas, sendo suscetíveis aos seus efeitos.
Só espero que a globalização das doenças nos permita globalizar a sabedoria humana também.
(*) Professor e escritor.
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