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A ordem multipolar e a volta da “lei do mais forte”

FOTO: Freepik

Caros leitores, a queda do Muro de Berlim, em 1989, alimentou um otimismo global. Acreditava-se que o fim da Guerra Fria inauguraria uma era de cooperação internacional, onde democracias e mercados livres se espalhariam, guiados por regras comuns. Era o “fim da história”, como proclamaram alguns. Mais de três décadas depois, esse sonho desmorona. O que vivemos hoje não é a ordem pacífica que se previa, mas uma volta perturbadora à clássica “lei do mais forte”: a chamada “ordem multipolar”.

A ideia de que vários países — e não apenas os EUA — teriam poder global tem mostrado seu lado sombrio. Em vez de uma governança colaborativa entre múltiplos polos, vemos uma disputa agressiva entre grandes potências, cada uma buscando sua esfera de influência e minando as regras do jogo quando lhes convém.

A Rússia invade a Ucrânia e viola o direito internacional. A China avança no Mar do Sul da China e usa sua poderosa economia como arma geopolítica. Os EUA, por sua vez, recorrem a sanções unilaterais e a políticas protecionistas. O resultado é um cenário em que a força bruta, a coerção econômica e a desinformação substituem a diplomacia e o multilateralismo.

Instituições como a ONU parecem paralisadas, com seu poder de mediação e ação esvaziado pelos vetos de suas próprias potências fundadoras. A sensação é a de que voltamos a um tempo em que a soberania não é mais um princípio sagrado, mas um território a ser contestado pela potência mais próxima e mais ousada.

Para um país como o Brasil, este é um momento de profunda reflexão. Num mundo em que as regras são frágeis e os grandes fazem o que querem, nossa tradição diplomática, baseada no soft power e no direito internacional, é posta à prova. Como navegar nessas águas turbulentas? Como defender nossos interesses sem nos tornarmos peões em um tabuleiro de xadrez geopolítico controlado por outros?

A grande questão que se coloca é se estamos condenados a repetir os erros do passado ou se seremos capazes de forjar, a partir deste caos, um novo contrato global que seja verdadeiramente justo e multipolar. O sonho pacífico do pós-Guerra Fria acabou. Agora, o desafio é evitar que o pesadelo prevaleça.

Esta nova realidade exige mais do que uma simples condenação da violência: exige uma estratégia de sobrevivência inteligente para nações que não são superpotências. A política de “neutralidade” ou de “não alinhamento” automático, como a que foi tentada no século passado, torna-se uma armadilha perigosa quando os lados não respeitam neutralidades. O caminho para o Brasil, portanto, não é se isolar ou escolher lados de forma simplista, mas sim investir em um pragmatismo sofisticado.

A era do mundo unipolar, infelizmente, foi uma exceção na história. A volta de um mundo disputado é a regra. O grande desafio é garantir que essa multipolaridade não seja um retorno à selva, mas a construção de um concerto de nações em que o poder seja balanceado pelo direito e pela cooperação estratégica. O Brasil não pode mudar o jogo sozinho, mas pode — e deve — aprender a jogá-lo com muito mais astúcia.


(*) Thales Aguiar |  Jornalista e escritor | Especialista em Ciência Política

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