Você já ouviu falar em “pulmão de pipoca”? Provavelmente não. Mas talvez conheça alguém que anda por aí soprando vapor aromatizado com cheiro de chiclete, melancia ou baunilha — e fazendo isso com a mesma naturalidade de quem toma um copo d’água. A “pipoca”, nesse caso, é aquele apelido carinhoso (e quase inocente) para o cigarro eletrônico. Só que o problema está bem longe de ser inofensivo.
O velho cigarro e o novo truque
O cigarro tradicional — o de papel branco e cheiro persistente — é um velho inimigo da saúde. Sabemos o que ele causa: câncer, infarto, AVC, enfisema, impotência, envelhecimento precoce. Sabemos também como tratar parte dos danos, embora nada reverta completamente as feridas que ele deixa no corpo. Enfim, com o cigarro “convencional”, a ciência já conhece o campo de batalha. Mas, com o cigarro eletrônico, o terreno é nebuloso. Muito nebuloso.
Pulmões intoxicados com “aroma de morango”
O que estamos vendo nos consultórios e prontos-socorros é assustador: jovens com quadros graves de pneumonite (inflamação dos pulmões), falta de ar intensa, necessidade de oxigênio, internações em UTI. Muitos desses casos são ligados ao uso recente ou intenso de cigarros eletrônicos. Uma condição que foi apelidada de EVALI — lesão pulmonar associada ao uso de produtos de vaping.
O problema é que, dentro daquele vapor cheiroso, não tem só “nicotina light”. Tem uma salada química que inclui solventes, metais pesados, óleo de vitamina E (que pode sufocar os alvéolos pulmonares), entre outras substâncias com nomes que mais parecem ingredientes de produto de limpeza.
O risco do desconhecido
É aqui que mora o maior perigo: a ilusão de segurança. Como não tem fumaça preta, como o cheiro é “gostoso”, como não arde na garganta, parece que não faz mal. Mas o que temos é uma geração inalando compostos que sequer foram estudados a longo prazo. E a Medicina ainda está aprendendo a reconhecer e lidar com essas novas lesões. Traduzindo: não sabemos ao certo o que esperar, nem como tratar. Se com o cigarro comum jogamos roleta-russa, com o eletrônico talvez estejamos jogando no escuro — e com uma arma diferente.
E o coração nisso tudo?
Como cardiologista, não posso deixar de lembrar: nicotina é nicotina. Ela sobe a pressão, aumenta a frequência cardíaca, acelera o processo de aterosclerose — seja no cigarro de palha ou no vaporizador com glitter. Além disso, os casos de infarto em jovens ligados ao uso de vapes já estão sendo descritos na literatura médica.
Conclusão
O “pulmão de pipoca” é só um apelido leve para uma realidade que está se tornando cada vez mais pesada. Pode parecer moderno, pode parecer menos nocivo, mas, por trás da fumaça perfumada, existe um risco real — e ainda mal compreendido. Se você está pensando em largar o cigarro tradicional e cair no eletrônico: não caia. Se nunca fumou, ótimo — continue assim. E, se já está preso ao vapor, procure ajuda para parar.
Porque pulmão não é playground.
(*) Dr. Lucas Bichara | Cardiologista pela USP | CRM 180164 – RQE 56184
As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal.







