Caros leitores, nossa coluna de hoje traz um assunto mais que atual, uma reflexão necessária ao nosso cotidiano. Em um passado remoto já dizia o filósofo Jean-Paul Sartre: “Estamos condenados a ser livres.” A frase é uma provocação que vai além da simples ideia de liberdade como ausência de restrições. Para Sartre, a liberdade é uma condição inescapável que carrega consigo a responsabilidade irrefutável de nossas escolhas. Nossos atos têm consequências sejam elas para nós mesmos ou para o mundo que nos cerca. Essa mesma liberdade, não é um presente que podemos aceitar ou recusar, mas uma realidade que nos obriga a fazer escolhas e, inevitavelmente, a arcar com seus resultados. Em um mundo onde a liberdade é tão amplamente valorizada, parece paradoxal que muitos prefiram conscientemente ou não, ignorar a responsabilidade que ela impõe. É mais fácil viver de acordo com conveniências imediatas, do que refletir sobre as implicações de longo prazo que essas decisões podem trazer. Afinal, enfrentar as consequências reais e duradouras das nossas ações exige um compromisso com o futuro, algo que, em muitos casos, deixamos de lado em prol da satisfação imediata.
Essa busca desenfreada pelo “aqui e agora” não é um fenômeno novo, mas ganha contornos preocupantes em nossa sociedade atual. Vivemos em uma era marcada pela velocidade e pela instantaneidade, onde tudo está ao alcance de um toque e onde as dificuldades são, muitas vezes, minimizadas em busca de uma aparente leveza. Essa “realidade construída por conveniências” é um terreno fértil para a cultura da superficialidade. Vivemos bombardeados por informações que nos incentivam a decisões rápidas, descartáveis, que não demandam compromisso nem responsabilidade. Traço aqui um paralelo do conceito de modernidade líquida desenvolvida pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman destacando que vivemos em uma época em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos. Um exemplo claro disso são as redes sociais, onde muitas vezes adotamos posições e compartilhamos ideias sem aprofundamento, sem pensar nas repercussões sociais e até mesmo pessoais de cada uma dessas ações. É a liberdade de expressão, sim, mas desprovida de responsabilidade. E, paradoxalmente, essa falsa sensação de liberdade que acaba por nos aprisionar em ciclos de superficialidade e isolamento, onde fugimos das consequências de um diálogo real, transformando as interações em mera formalidade ou, pior, em confronto vazio.
Sartre nos lembra que o preço da liberdade é o enfrentamento dessa realidade. Não podemos ignorar nossas escolhas, nem desprezar as consequências de nossos atos. Ao fechar os olhos para a responsabilidade, optamos por uma fuga de nós mesmos, criando uma vida marcada pela insatisfação e pelo arrependimento. Ignorar o impacto de nossas ações é, no fundo, ignorar a liberdade que tanto dizemos prezar. A falta de responsabilidade diante das escolhas que fazemos não nos torna livres, mas sim prisioneiros de uma liberdade mal compreendida, uma liberdade que negamos em sua essência, convertendo-a em um ciclo de decisões frágeis e passageiras. O desafio proposto por Sartre é aceitar a liberdade em sua totalidade, reconhecendo que, com ela, vem a necessidade de fazer escolhas conscientes e éticas. Esse é um convite para vivermos de forma autêntica, uma vida onde as decisões não são feitas para o momento, mas sim para um propósito maior. O filósofo desafia cada um de nós a olhar para o futuro, a perceber que a liberdade verdadeira não é viver sem amarras, mas escolher com responsabilidade, com a coragem de aceitar e arcar com as consequências de nossas decisões.
E então, por mais desconfortável que possa parecer, talvez seja hora de questionarmos o valor real que damos à nossa liberdade. Estamos dispostos a aceitar essa condenação de Sartre, com tudo o que ela exige de nós? Ou preferimos continuar em uma rotina de conveniências imediatas, ignorando o fato de que cada escolha constrói um futuro? Sartre nos lembra que não há como escapar: somos livres, mas a liberdade exige coragem, compromisso e responsabilidade. Três valores que, ironicamente, podem nos libertar de uma vida de escolhas vazias e de arrependimentos futuros. Essa responsabilidade, ainda que pesada, é a que nos leva a crescer, a transformar nossa realidade e a construir, com cada escolha, um futuro que vale a pena ser vivido. Afinal, ignorar a liberdade de escolha é, na prática, ignorar a própria essência do ser humano. Sartre nos alertava para isso, e talvez agora, mais do que nunca, sua mensagem precise ecoar: ser livre é um fardo, mas é também a mais autêntica condição da existência humana.
(*) Jornalista e escritor
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