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O segredo da porta do banheiro

por Marcos Santiago (*)

A porta do banheiro da casa de um amigo meu é de vidro. Por vezes, segundo narrativa, recebe uma visita familiar, que, usualmente, recorre a esse banheiro. Ocorre que sua porta, para o bom funcionamento, requer que seja movida utilizando a maçaneta ou impondo-lhe força a partir da borda mais ou menos central. Movê-la pelas extremidades ou ferozmente apenas arranca-a do lugar, a tira dos trilhos. E para realocá-la, dá um trabalho enorme, sob risco de dano (pessoal ou material). Sendo feita de vidro temperado, requer temperança, imagino, em meus trocadilhos. Por mais que a cena se repita, por mais que a porta reclame conduta diversa e a visita se transtorne, é reincidente o conflito entre o ser e o objeto, uma típica relação danosa. Não por falta de instrução, mas por hábito ou descaso intransigente. Esse desleixo que, por vezes, temos por nós, e sobretudo, pelo meio em que estamos inseridos. Sun Tzu, sobre a Arte da Guerra, disse: conheça o inimigo e a si mesmo. E a guerra mais melindrosa ou a batalha mais desafiadora são as que travamos no cotidiano, em nós mesmos. Conhece-te a ti mesmo, frase com mais de dois mil anos (como parte dos enigmas da Era Socrática) é repetida incansavelmente até pela porta do banheiro, para a nossa surdez apressada, motivo pela qual diria um bom mineiro: deu-se com os burros n’água, de novo! Assim parece ser a vida, ou parte significativa dela, e que requer de nós, sapiens sapiens, a tal reflexão. Essa capacidade de analisar, de projetar, antecipar e programar, numa perspectiva teleológica das coisas.  Uma diferença exponencial em relação aos demais animais, até onde sei, posto que agem, ao que tudo indica, por instinto. Nós, além do instinto, desenvolvemos, ao longo do tempo, outras habilidades, e uma delas, é a de autoanálise, a capacidade ética e racional de autoavaliação e, dela, extrair e produzir aprendizado. Perder ou abrir mão da capacidade de aprendizado é desumanizar-se. Não o aprendizado decorativo, mas sobretudo prático, que surge para solucionar e auxiliar nossa existência e coexistência, nosso progresso. Muito distante de defender qualquer caça predatória de si mesmo, de promover a culpa ou de excomungar a leveza de consciência de cada indivíduo, o que conduziria a processos de ansiedade e abatimento. Nada disso. O que estou a dizer é que o processo de avaliar-se, fazendo as interações entre a moral, os princípios e valores pessoais, familiares e sociais, entre o velho e o novo, precisam ser constantes, um costume a ser inserido na relação de prioridades da conduta. Refletir sobre nossos atos, nossas intenções, para, dessa reflexão, mudar rumos, corrigir excessos e nutrir acertos. Aprimorar-se, ou, simplesmente, evoluir-se enquanto ser, sujeito e parte de um meio, enquanto sociedade. Ser truculento com a porta pode quebrá-la. Ser beligerante com a vida pode adoecer. E não se pode confundir aprendizado com passividade e aceitação plena das coisas. Jamais! Aprendizado requer ação e reação constante, interação não beligerante, mas dotada de inteligência. “No trânsito, dê preferência à vida”, é o que eu li na traseira do carro de um candidato ao legislativo, que, avançou o sinal vermelho e chocou-se com outro (na esquina de onde moro). Vida, senhores, condutores de si mesmos, é movimento, aprendizado. Candidate-se ao aprendizado, sempre. Acessamos lições a todo instante, até mesmo da porta de um banheiro qualquer. O mesmo sábio que alertou sobre as estratégias de guerra também afirmou que seu objetivo é a paz. Aprendamos com nossos erros, ou melhor ainda, com erros alheios, em busca da paz. Com sua licença, vou ajudar a consertar uma porta.

(*) Marcos Santiago – santiagoseven@bol.com.br

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