A morte do americano George Floyd é o ponto de partida para Darlene Dalto começar a escrever “Mulheres Negras Importam”, e a questão racial é o tema recorrente do livro, que dá real sentido a ele e o põe entre as obras de referência sobre o assunto no país.
O livro reúne entrevistas com 12 mulheres negras, das mais diversas áreas do conhecimento, que ampliam sua abordagem e fornecem um enfoque para que possamos refletir sobre o caminho a seguir.
Além de propor um documento valioso, Darlene Dalto expõe a experiência de mulheres que tiveram suas vidas marcadas pela violência racial, da infância à fase adulta. Os relatos, na forma de base de perguntas e respostas, caminham na direção de depoimentos amargurados, doloridos, cortantes, mas ao mesmo tempo têm lições e superações que projetam uma janela de esperança no futuro.
Como entrevistadora de todas essas mulheres negras, Darlene Dalto, que é branca, não se põe apenas como interlocutora de vozes de mulheres ofendidas pelo racismo, mas como uma de suas principais ouvintes, levando para as páginas do livro o sentido de protesto, denúncia, grito e apelo por um mundo melhor, isto é, antirracista.
Desta forma, conhecemos a história da cientista Sônia Guimarães -que vem a ser a primeira mulher negra a se doutorar em física no Brasil e a ministrar aulas no embranquecido Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA-, além da jornalista Dulcineia Novaes, que aborda sua experiência no mundo da comunicação social. Ou seja, ambas são partes da “exceção que confirma a regra”, de acordo com uma das entrevistadas.
Ainda estão no livro, com falas muito impactantes, a cardiologista Cibelle Dias Magalhães; as empresárias Daniele da Mata e Dinamar Makiyama; a produtora Geyisa Costa; a ex-jogadora da seleção brasileira de vôlei Lica Oliveira; a pró-reitora da Universidade Federal de Jataí, Luciana Aparecida Elias; a empreendedora digital Néllys Corrêa; a estudante de física Pamela Vicente de Campos; a psicóloga Tamires Nolasco; e Yaná da Silva Rocha, advogada e professora de matemática.
“Mulheres Negras Importam”, que tem colaboração da fotógrafa Larissa Isis, é uma obra necessária para os tempos que vivemos. Darlene Dalto, que já foi prêmio Jabuti com “Processo de Criação”, em parceria com Bob Wolfenson, se referenda num campo da literatura ainda pouco valorizado pelas grandes editoras, de publicação de coletâneas de entrevistas sobre questões étnicas.
Sobre esse ponto ela afirma achar “impossível ler ‘Mulheres Negras Importam’ e não comparar o Brasil branco e o Brasil negro, a vida que levam mulheres brancas e pretas”. “São realidades vergonhosamente desiguais. A pele negra chega antes, desqualifica e as torna suspeitas. O país esquece que foi construído desde sua ‘descoberta’ a partir do trabalho dos negros. Penso que passou da hora de a sociedade como um todo respeitar e ter empatia por pretos e pardos, que são 55% da população brasileira. Passou da hora de os políticos pensarem objetiva e efetivamente em políticas públicas para a população negra, já que aparentemente ela jamais receberá a reparação histórica que merece.”
Segundo a autora, foram dois anos de aprendizado, mas ela evitou “evidenciar a dor”. Os depoimentos, com “histórias de força, fragilidade e resiliência”, vão além, pois trazem fortes lições de vida, num país racista como o Brasil. E estamos longe de esgotar esse assunto. TOM FARIAS/FOLHAPRESS