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Exposição com fotos de imigrantes africanos em SP escancara racismo brasileiro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Terminado o genocídio em Ruanda, as tensões políticas se espalharam pelo continente africano, no prenúncio de mais uma crise humanitária, a Segunda Guerra do Congo. Em agosto de 1998, o maior conflito da história moderna daquele continente foi deflagrado, com a invasão ruandense ao nordeste do país vizinho para apoiar uma rebelião da etnia tutsi.


Desde então, aquele território foi tomado por uma sucessão de conflitos entre etnias e 25 grupos paramilitares, que envolveu oito países e levou à morte de quase quatro milhões de pessoas. Até hoje, a guerra não se resolveu por completo, e suas consequências ainda provocam um fluxo de refugiados, inclusive para o Brasil.


Robert Djunga desembarcou em São Paulo em 2014. Doze anos antes, ele havia perdido o pai e a mãe, assassinada a golpes de facão. Sob ameaça crescente de milícias, deixou a mulher e sete filhos na República Democrática do Congo, reerguendo sua vida na capital paulista, onde trabalha vendendo artigos esportivos.


Ele é um dos 43 personagens retratados na exposição “África em São Paulo”, agora no Museu da Imigração. A mostra foi concebida pelo jornalista Naief Haddad, repórter especial da Folha de S.Paulo, em parceria com o fotógrafo Bob Wolfenson, ao cabo de um projeto de cinco anos. Ao todo, as fotos percorrem 21 países do continente.


A ideia surgiu a partir de uma reportagem assinada pela dupla em 2018, parte do projeto “E Agora, Brasil”, publicado neste mesmo jornal, sobre o desemprego no centro da cidade, onde havia uma concentração de imigrantes africanos.


“Em comum a todas essas pessoas está o racismo, que muitos conheceram pela primeira vez quando chegaram ao Brasil”, diz Haddad, que entrevistou os imigrantes para escrever os textos da mostra. “O tipo dessa imigração é bem peculiar, ela é um resultado de circunstâncias contemporâneas, de guerras em andamento.”


Se a valorização da ancestralidade provocou debates em livros, filmes e mostras sobre a diáspora africana até o Brasil Colônia, “África em São Paulo” ilumina o momento presente, ressaltando a diversidade de histórias que a atualidade oferece.


O angolano João Pedro Canda, por exemplo, resolveu se mudar para o Brasil, porque queria realizar o sonho de ser escritor. Em São Paulo há nove anos, já lançou sete livros e dirige o Instituto Literáfrica. Para as lentes de Wolfenson, ele posou com fleuma de intelectual, portando um lenço com motivos tropicais, numa foto em preto e branco.


“Fizemos um trabalho enaltecedor dessas pessoas, com fotos de estúdio ou indo até elas, sem um apelo narrativo”, afirma Wolfenson.

“Esteticamente, o mais importante são as roupas, que em alguns casos trazem toda a simbologia de culturas africanas.”


Desse modo, a mostra explora a natureza dupla da fotografia, ou seja, mescla os registros documental e artístico. Não por acaso, Wolfenson conta ter se aproximado ainda mais do fotojornalismo, trabalhando em parceria com um repórter.


Acostumado a fotografar artistas e políticos, ele afirma que registrar anônimos é mais simples, porque não é preciso buscar tanta originalidade, como ocorre com pessoas muito fotografadas. Mas há exceções.


Foi um desafio registrar e entrevistar Isabelle Djenoyom, que nasceu em 1978 no interior do Chade e veio morar no Brasil em 2016. Ela vivia numa colônia agrícola com os pais e os nove irmãos. Num díptico, ela aparece com tez serena. De um lado, veste um traje branco e cruza os braços. Do outro, fecha as mãos, com o traje agora todo colorido.


Antes de completar a maioridade, Djenoyom ingressou na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição e viajou por diversos países –Camarões, onde se tornou freira, e Nicarágua. No Brasil, ela se divide entre a faculdade de enfermagem e a rotina na capela Santa Paulina, no Ipiranga.


Em alguns casos, Wolfenson empregou técnicas usadas para registrar artistas em revistas ilustradas. O exemplo mais nítido é de Vensam Lala, de Guiné-Bissau, que chegou ao Brasil em 2010 e agora trabalha como modelo.


“Eu me descobri negro no Brasil”, ele disse para o texto da mostra. “Vim de uma sociedade em que não existe racismo estrutural, como aqui. Como a maioria da população é negra, essa não era uma questão para mim.”

GUSTAVO ZEITEL

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