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Tragédia destrói o modo de vida de moradores em Brumadinho

Além de conviver com a dor pela perda de amigos e parentes, agricultores e comerciantes sentem o impacto nos negócios.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), fez muito mais vítimas que as 272 pessoas engolidas pela lama, entre elas dois nascituros. Há sobreviventes que lamentam a morte de parentes, amigos ou colegas e há aqueles que perderam também o modo de vida, o ganha-pão, ou até mesmo a alegria de viver.

Quase um ano depois da tragédia, ocorrida em 25 de janeiro de 2019, Sara de Souza Silva ainda tenta juntar os pedaços da vida que tinha na comunidade do Córrego do Feijão. Àquela época, ela estava às voltas com a compra e venda de material escolar, na papelaria que mantinha há sete anos no povoado. Seu negócio definhou. Ela também.

Enquanto cita os nomes de amigas muito próximas que perdeu na tragédia, ela chora e embala cadernos, mochilas e outros materiais que ficaram por vender. O prejuízo financeiro, calculado em R$ 20 mil, foi pago com a ajuda do marido. O dano emocional não pode ser calculado. “Eu sonhava em dar a meus filhos uma vida tranquila como a que eu tive aqui. Hoje eu só quero ir embora”, desabafa.

Cerca de 30 moradores da comunidade morreram na tragédia de Brumadinho. Dezenas foram embora depois disso, conforme relata Sara. Outros tantos querem ir. No povoado abandonado, a papelaria perdeu a função. “Já entreguei todos os documentos para a Vale (mineradora responsável pela barragem), mas ainda não recebi nenhuma indenização”, relata a ex-comerciante.

Pânico

No momento em que a barragem se rompeu, Sara ouviu um estrondo e sentiu a terra tremer. A luz acabou, e o pânico se instalou no Córrego do Feijão. “Eu peguei meus filhos e corri para uma rua mais alta. Entramos em uma caminhonete com pessoas que vinham fugindo da lama e só paramos em Casa Branca. Estávamos desesperados porque meu marido estava na mina”, conta.

Por sorte, o marido, terceirizado Vale, estava em um ponto mais alto da mina no momento do acidente. Mas Sara só conseguiu falar com ele à noite, depois de uma tarde inteira de angústia. A partir daí, vieram os voos de helicóptero, carregando corpos de amigos e vizinhos. “Estou em tratamento psicológico. Meus filhos também”, relata.

Sara ainda não sabe o que vai fazer com o estoque da papelaria, o que soa normal para quem não sabe sequer o que fazer da própria vida. “Embalar essas coisas é triste porque eu trabalhava com muito amor. O que eu queria, hoje, é poder ter meu próprio sustento, sem depender da ajuda emergencial, que é uma humilhação”.

Agricultor cultiva a esperança após a tragédia

Gilmar Cândido de Jesus planta sementes de hortaliças e, aos poucos, vê brotar uma nova vida depois da tragédia que engoliu sua estufa de mudas no Córrego do Feijão. Naquele 25 de janeiro, ele trabalhou de manhã e foi para uma consulta que seria às 11 horas. Foi avisado do rompimento da barragem por um funcionário e custou a acreditar no que não viu.

lama não deixou nem vestígios do galpão e da estufa onde ele produzia cerca de 6 mil bandejas por mês, cada uma com 200 mudas. “Tudo estava lá pela manhã. Em cinco minutos, tinha uma camada de seis a sete metros de lama sobre o terreno”, conta. O local, conhecido como Horta do Tonico, era explorado por 14 meeiros. Todos perderam o negócio.

Gilmar se considera uma pessoa de sorte. Como tinha planos de se mudar para um terreno próprio, ele já tinha comprado uma área da região conhecida como Soares. Colocou água e luz e esperava o momento propício para a mudança. A tragédia ditou o tempo. “Tive que fazer um empréstimo e fiquei três a quatro meses sem renda, até me estabelecer aqui, há 15 quilômetros da antiga estufa”, conta.

O empréstimo, segundo Gilmar, foi quitado com a indenização que recebeu da Vale. Mas há questões ainda sem solução. Agricultores que plantavam na Horta do Tonico, e em outras áreas próximas, também perderam as plantações e deixaram de comprar as mudas. “Ninguém planta mais. Muitos não têm mais entusiasmo. Eu ainda estou em busca de novos clientes”, conta.

Na nova estufa de Gilmar, ainda há espaços vazios. Mas mudinhas de alface, couve, almeirão, beterraba e temperos já dão cor e esperança ao local. “É triste lutar por um sonho e ver tudo ir embora. Mas os bens materiais a gente busca recuperar”, ensina.

Município 

Enquanto cada um cuida de suas perdas, o município de Brumadinho convive com duas incertezas. A primeira diz respeito à ajuda emergencial paga pela Vale aos moradores, cujo valor deve cair pela metade a partir deste ano, exceto para aqueles das áreas mais diretamente afetadas, conforme determinação judicial.

Por outro lado, a compensação pelos royalties da mineração, paga pela mineradora à prefeitura, finda no final de 2020. São R$ 3 milhões por mês ou 30% da renda direta do município, segundo o secretário de comunicação, Décio Júnior.

Os dois cenários se potencializam e podem representar um impacto na economia de Brumadinho. Por isso, negociações estão em curso com a mineradora, buscando evitar o fim dos pagamentos.

Reparação 

A reparação das perdas geradas pela tragédia é um dos tópicos do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem em Brumadinho, criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), para apurar causas e responsabilidades.

“Busca-se contribuir, no mínimo, para um processo digno e justo de soerguimento, em face de tantas dores e perdas”, diz o texto. Uma das recomendações é, justamente, a observância do conceito de atingido para abranger os que sofreram dano ao seu projeto de vida, modo de vida ou patrimônio.

A Assembleia lançou um hotsite com todos os conteúdos relativos ao trabalho da CPI e das demais comissões da ALMG na discussão e apuração dos fatos relacionados à tragédia de Brumadinho.

Nesta quinta-feira (23), uma cerimônia em homenagem à memória das vítimas também será realizada no Espaço Democrático José Aparecido de Oliveira, na ALMG, às 17 horas. Na ocasião, será instalada uma placa na Praça Carlos Chagas, com os nomes de todas as vítimas.

O agricultor Gilmar tenta reerguer sua vida a partir de sua nova estufa. Na antiga, onde produzia cerca de 6 mil bandejas por mês, tudo foi engolido pela lama – Foto: Luiz Santana

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