Como esta é a minha primeira coluna, creio que é pelo menos de bom tom apresentar-me para vocês que estão gastando seu tempo lendo estas linhas (e obrigado por isso).
Meu nome é Arthur Arock e tenho dedicado a maior parte das últimas duas décadas ao trabalhar com a cultura. Tenho me feito presente nas mais diversas funções teatrais e, principalmente, nos últimos tempos, no papel de escritor. Mais recentemente me foi ofertado este espaço para poder escrever sobre cultura. Admito que não apenas fiquei profundamente grato com a oferta, como pulei nessa oportunidade com avidez.
Nós temos passados por momentos sombrios (sendo a pandemia mundial e a quarentena na qual ainda nos encontramos o maior sinal deles) e são nesses momentos onde a cultura, a arte se faz mais necessária. Parafraseando uma frase muito usada de Friedrich Nietzsche (que admito que não é meu filósofo preferido, mas vá lá…), a arte existe para nos permitir não ser destruídos pela realidade.
Então com a permissão de vocês, eu resolvi tentar fazer minha parte: usarei este espaço que me foi oferecido para, periodicamente, indicar/comentar obras de arte. Inclusive vou tentar me focar nas que eu crio que estejam de relativo fácil acesso ao público em geral. Seja cinema, literatura, até mesmo séries… O que eu tiver a sorte de encontrar e que acredite valer a pena dividir com vocês. Sugestões para, esperançosamente, iluminar os dias sombrios desta pandemia.
Para começar eu queria aproveitar o ensejo do último Golden Globes, que ocorreu nesse dia 28 de fevereiro, para recomendar o que [na minha humilde opinião] foi um dos melhores filmes do ano passado e que foi agraciado com dois Globos de Ouro: “Soul” (que no Brasil está sendo chamado pelo nome “Soul: Uma Aventura com Alma”).
Eu sei que afirmar que foi “um dos melhores filmes de 2020” parece não ser muito, levando em conta a “estiagem” que a pandemia impôs sobre o setor cultural (principalmente setores que dependem da reunião de pessoas, como teatro e audiovisual). Mas levando em consideração a tempestade de notícias ruins que tem se abatido sobre nós (e a falta de ação do governo nacional, que parece fazer de tudo para que a situação não melhore), Soul foi um vagalume de esperança muito bem-vindo.
Eu sei que muitas pessoas têm a errônea visão de que animação é um gênero em si. E [ainda mais errôneo] um gênero exclusivamente voltado para crianças. Mas ao longo das últimas décadas vários artistas e estúdios têm provado, cada vez mais, contundentemente, que animação é na verdade uma mídia onde todo e qualquer gênero pode brilhar. E poucos estúdios têm feito isso com tanta maestria quanto a Pixar Animation Studios.
“Soul” é o 23º filme da Pixar, um estúdio por famoso por sua excelência. E em um catálogo que conta com clássicos como “Toy Story”, “Vida de Inseto”, “Coco”, “Wall-E”, “Up”, “Os Incríveis”, “Ratatouille, “Monstros S.A.”, “Divertidamente” (dentre outros), é difícil um filme se destacar positivamente. Mas “Soul” consegue esta proeza por vários motivos.
Um dos destaques que tem chamado mais atenção no filme é seu protagonista, Joe Gardner (dublado por Jamie Foxx). Não apenas ele é o primeiro protagonista negro de um filme da Pixar, como foge do arquétipo que normalmente se espera de um “herói”. Joe é um homem de meia idade, professor de música em uma escola, e que vive esperando sua chance de ser um grande astro do jazz. Mas, infelizmente, essa chance aparece no mesmo dia onde ele sofre um acidente fatal. Ele acorda no que o filme descreve apenas como “Great Beyond”, mas ele se recusa a aceitar esse destino e [lutando para fugir dessa sina] ele acaba no “Great Before“, que é o lugar onde as almas ainda por nascer são preparadas para o mundo. Lá Joe conhece 22, uma alma cínica que permaneceu no “Great Beyond” por milênios e se recusa a nascer, pois não vê sentido em viver na Terra.
A partir daí o enredo se desenrola.
Como os melhores filmes da Pixar, Soul toca em assuntos filosóficos e profundos, mas de uma maneira leve e acessível para qualquer um. E faz isso sem jamais deixar de ser profundamente emocionante, reflexivo e tocante (jogue a primeira pedra aquele que não se emocionou a ponto de derramar uma lágrima em um filme da Pixar, especialmente a sequência inicial de Up). A animação 3D traz algumas paisagens dignas de serem apreciadas, mas (para além do roteiro) o grande ponto forte de Soul é sua trilha sonora.
Mantendo-se sempre próximo ao tema de jazz proposto pelo protagonista, a música desse filme é um espetáculo à parte e que por si só conta sua própria história. Ela não apenas te acompanha pela jornada do filme, dando os tons da cena, mas ela também te conduz e encanta por toda aquela experiência. Se me permitem o trocadilho, a trilha sonora é a alma do filme. Não é à toa que um dos dois Globos de Ouro que Soul ganhou foi o de “Best Score Motion Picture” (sendo o outro de “Best Picture – Animated”).
Eu poderia falar aqui por horas sobre Soul, mas nada faria (ou fará) mais jus ao filme que a experiência de assisti-lo (sendo que ele está disponível no serviço de streaming Disney +). Eu desejo a vocês uma boa experiência. No mais, espero que nos reencontremos aqui nas próximas semanas para mais comentários sobre cinema, literatura, séries. Obrigado e até a próxima.
(*) Arthur Arock é nascido em Governador Valadares e atualmente reside em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário
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