por Arthur Arock*
Hoje há silêncio no estúdio.
Eu costumo entregar meus textos logo no começo da semana. Por isso, quando soube do falecimento de Orlando Drummond, eu já tinha mandado minha contribuição da semana passada.
Vou admitir que, mesmo com tanta morte e perda (seja pessoal ou mesmo de outras figuras públicas que eu admirava muito, como Nelson Sargento), a morte de Drummond me abalou. Eu admirava o amor e a dedicação que ele tinha com o seu ofício.
Mas eu me adianto. Mesmo crendo que a maioria das pessoas está familiarizada com o incrível trabalho de Orlando Drummond, creio que (infelizmente) existam aqueles que não reconhecem o nome – mas que certamente reconheceriam sua imagem e, mais ainda, sua voz.
Orlando Drummond Cardoso foi um ator, dublador, comediante e radialista natural do Rio de Janeiro capital. Por mais que sua imagem fosse mais reconhecida como o personagem Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo, foi sua voz que marcou gerações. Ele começou sua carreira no ano de 1942 como contrarregra em uma rádio, mas logo perceberam o talento nato que ele tinha. Assim, começou com o trabalho de dublagem na década de 1950 e o exerceu (mesmo que em menor recorrência) até pelo menos 2019. Ele foi responsável por dublar as versões brasileiras de personagens como Lex Luthor (em Superamigos), Baxter Stockman (em Tartarugas Ninjas), Odo (em Star Trek Deep Space 9), Scotty (de Guerra Nas Estrelas), Sr. Smee (de Peter Pan), Gandalf, Pepe Legal, Arquimedes (do filme animado A Espada Era a Lei), Hong Kong Fu, Dente-de-Sabre (em X-Men), Puro Osso (das Terríveis Aventuras de Billy & Mandy), Gargamel (de Smurfs), Frajola, Patolino, Bionicão, Pacato/Gato-Guerreiro (de He-Man), Alf o ETeimoso, Vingador (de Caverna do Dragão), Popeye e tantos outros. Mas eu acho que nenhum personagem seu era mais icônico que Scooby Doo. E quando eu digo que era um personagem seu, eu realmente quero dizer isso, porque independentemente de quem fizesse a voz de Scooby no original, nenhum deles chegaria aos pés de ser tão representativo para o personagem como Orlando Drummond. Ele entrou para o livro Guinness dos Recordes por dublar Scooby Doo por mais de 35 anos.
O homem era uma lenda!
A história de sua vida foi contada na biografia “Orlando Drummond – Versão Brasileira”, que foi lançada ainda em 2019 (quando Drummond estava com seus 99) e foi escrita pelo jornalista Vitor Gagliardo, depois de fazer uma extensa pesquisa com o próprio ator.
Vou admitir que, como alguém que dedica sua vida à arte, eu tinha uma grande admiração por Orlando Drummond, pelo seu amor ao ofício, por sua carreira de décadas, pelo grande prazer e alegria que ele sempre demonstrava quando falava de sua arte… Sei bem que, como artista, terei sorte se um dia evocar memórias tão queridas às pessoas como a voz e a arte de Drummond evocam em diferentes gerações; e eu o admirava profundamente por ter conseguido fazer isso, assim como pelas memórias queridas que inspirou em mim ao longo dos anos… Não sei se me explico direito, mas também não sei mais o que dizer. Me perdoem, me faltam as palavras.
Tenho que ser honesto aqui: essas próximas linhas foram escritas alguns dias depois das anteriores.
Volto neste texto ainda com penar para adicionar uma triste coincidência.
Apenas três dias depois da morte de Orlando Drummond faleceu Mário Monjardim, que era também um dublador (e diretor de dublagem) dos mais notórios. Ele foi responsável por vozes como Animal (em Muppets e Muppets Baby), Frangolino, Bizarro (em Superamigos), Dr. Silvana (em Shazam!), Sanguessuga (em X-Men), Alfred Pennyworth (em Batman 1966), Radagast (em Hobbit), Ventíloquo/ Scarface (em Batman), dentre muitos outros. Talvez sua dublagem mais notável (salvo talvez outra da qual tratarei mais abaixo) seja a voz do lendário Pernalonga. Sempre que você pensa na voz clássica do coelho dizendo “O que que há, velhinho?”, é a voz de Monjardim que soa em sua cabeça.
Só nessa listinha curta você pode perceber que Monjardim e Drummond fizeram muitas dublagens juntas, mas eles eram responsáveis pelas vozes de duas das mais icônicas duplas de todo o mundo animado: se Monjardim dublava Pernalonga, Drummond dublava Patolino; e (talvez uma parceira ainda mais notável) se Drummond dublava Scooby Doo, Monjardim dublava Salsicha. Acho que não sou só eu que, automaticamente, quando vejo esses nomes juntos, ouço a voz de Monjardim dizendo “Scooby Doo, cadê você, meu filho?!” e a voz de Drummond dizendo daquele jeito emblemático “Saaalsicha!”.
Essas são vozes… Essas são duplas que farão grande falta: Pernalonga & Patolino, Salsicha & Scooby, Monjardim & Drummond.
Eu sei que esse texto é muito mais curto que os que costumo fazer. Mas o escrevo assim que soube da partida deles, e não pude deixar de fazer minha homenagem, nem que fosse algo tão humilde como essas curtas linhas. Na verdade, escrevi isso tudo só para poder dizer algo que posso resumir em um parágrafo:
Orlando Drummond morreu 27 de julho de 2021 aos 101 anos e Mário Monjardim morreu dia 30 de julho aos 86 anos, mas sua arte, seu ofício e suas vozes vão ficar marcados não só na história, como na memória e nos corações de gerações de brasileiros.
Hoje há silêncio no estúdio.
* Nascido em Governador Valadares e atualmente residente em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica se traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário.
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