MPF recorre ao TRF1 para impedir retorno dos estudantes à Epcar, em Barbacena (MG)

Agravo foi interposto no sábado (11), durante plantão judiciário, para que houvesse possibilidade de afastar qualquer situação de risco aos alunos em face da Covid-19

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão do Juízo Federal de São João del-Rei (MG), que negou liminar para impedir a Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar) de retomar aulas e quaisquer outras atividades presenciais enquanto não sobrevier melhoria significativa no quadro da epidemia de Covid-19.

O Comando da Aeronáutica determinou o retorno dos estudantes a partir do domingo (12). Para impedir essa volta às aulas, que não está ocorrendo em nenhum outro sistema de ensino, público ou privado, o MPF ajuizou ação civil pública em 1º de julho, por meio da qual procurou demonstrar a gravidade da situação atual da pandemia do novo coronavírus e o risco a que estão expostos os 507 estudantes da Escola Preparatória, grande parte deles menores de 18 anos de idade.

Na ação, o MPF relembrou as várias irregularidades constatadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Barbacena (MG) e pelo Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente durante inspeção realizada nas dependências da Epcar, em 12 de maio, atendendo a requisição feita pelo próprio Ministério Público.

Foram relatadas, entre outras situações de violação aos protocolos sanitários recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, a permanência e livre circulação de alunos, sem qualquer barreira sanitária quando da interação entre eles e os visitantes, familiares, autoridades e militares; ausência de protocolo sanitário para a desinfecção dos ambientes pelos prestadores dos serviços de limpeza; alunos sem máscaras de proteção, em grupo numeroso, deslocando-se para realização de atividades físicas; baixa ventilação nos alojamentos masculino e feminino e nas salas de aula; e até ausência de dispenser de sabão líquido, papel toalha e álcool 70% nos alojamentos feminino e masculino e nas salas de aula.

Na ocasião, também foram identificados alunos com sintomas de síndrome gripal, tendo o Conselho Tutelar informado que os profissionais da vigilância sanitária se comprometeram a enviar à escola testes para aplicação nesses alunos. Na semana seguinte, a Prefeitura de Barbacena confirmou oito casos (sete alunos e uma professora) oficialmente diagnosticados com o novo coronavírus na Epcar.

Em 21 de maio, o MPF expediu recomendação ao diretor de ensino da Aeronáutica e ao comandante da escola, para que suspendessem imediatamente todas as aulas e demais atividades acadêmicas presenciais e não as retomassem até que a pandemia estivesse controlada, em sintonia com os sistemas de ensino federal, estadual e municipal.

No dia seguinte (22), parte dos alunos começou a ser liberada, tendo a Epcar informado oficialmente o acolhimento da recomendação no dia 26. Nessa ocasião, a Aeronáutica também disse que todos os 507 alunos foram submetidos a testes para o coronavírus: os que apresentaram resultados negativos (305) ou já se encontravam imunizados (114) foram imediatamente liberados; os demais (88) – assintomáticos (81) ou com sintomas leves da doença (7) – permaneceram temporariamente em isolamento na instituição de ensino, sob acompanhamento médico e psicológico.

Ou seja, mesmo com as medidas de contenção e prevenção anunciadas, “até o fim de maio, do total de 507 estudantes aquartelados na Epcar, pelo menos 202 contraíram o coronavírus, o que equivale a quase 40% do corpo discente”, lembrou o MPF.

Retorno anunciado – No entanto, embora a recomendação expressamente tenha disposto que o retorno dos alunos somente deveria ocorrer quando o cenário da pandemia tivesse melhorado, passados poucos dias, a Aeronáutica solicitou reunião com o MPF, realizada por videoconferência em 4 de junho, durante a qual afirmou que havia antecipado três semanas de férias dos alunos e que o retorno às aulas e demais atividades presenciais estava marcado para o próximo dia 14.

O Ministério Público Federal manifestou-se contrariamente a esse retorno, argumentando que a Epcar lida com adolescentes, “uma peculiaridade extremamente relevante, e que dados oficiais atualizados dos órgãos estatais de saúde nas três esferas (federal, estadual e municipal) revelam quadro preocupante de elevação dos casos de contaminação e morte pela Covid-19 em todo o país, inclusive em Barbacena/MG. (…) Os gráficos mostram curvas ascendentes, sem nenhuma indicação de estabilização. Em tal cenário, o retorno puro e simples dos alunos para atividades presenciais na Epcar no próximo dia 14, considerando ainda o histórico recente vivenciado pela escola (com alto índice de infectados), seria no mínimo temerário”.

Ao final da reunião, ficou acordado que até o dia 8 seguinte, a Epcar iria enviar documento escrito contendo proposta objetiva de calendário e programação para retorno às atividades acadêmicas presenciais, levando em consideração as ponderações feitas pelo MPF.

Ao enviar o ofício na data combinada, novamente a Epcar, ignorando todos os alertas feitos pelo Ministério Público Federal, anunciou o retorno para os dias 21 e 28 de junho. E, novamente, o MPF fez contato com a direção da escola, num esforço para se alcançar solução consensual que impedisse a volta dos alunos em momento de aceleração da doença em todo o Estado.

Alguns dias depois, a Epcar retificou o ofício anterior, complementando-o com a informação de que a “Escola recebeu nova determinação no sentido de promover o retorno dos alunos no dia 5 de julho”. O MPF fez então novo contato telefônico, mas foi informado que essa data seria irreversível.

Diante da situação, não restou ao Ministério Público Federal outra alternativa que não a de ingressar com ação judicial, para obter provimento de urgência que resguardasse a saúde e a segurança dos alunos.

Secretarias manifestaram-se contra retorno – O plano de retorno apresentado pela Epcar foi submetido pelo MPF ao Ministério da Saúde e às Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e Secretaria Municipal de Saúde de Barbacena, para que avaliassem tecnicamente as medidas e opinassem se elas seriam suficientes para resguardar a saúde dos estudantes. As duas secretarias, estadual e municipal, expediram pareceres técnicos contrários à volta dos adolescentes. O Ministério da Saúde não respondeu.

Para o MPF, a conduta do Comando da Aeronáutica em exigir o reagrupamento físico dos mais de 500 alunos da Epcar, muitos deles ainda menores, em um momento crítico da epidemia de Covid-19 no país e sob censura das autoridades públicas das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde infringe “normas explícitas da Constituição da República, de 1988, e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), que impõem ao Estado não apenas o dever de assegurar com absoluta prioridade aos adolescentes e jovens os direitos à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito, mas também de adotar medidas de caráter protetivo/preventivo, em ordem a colocá-los a salvo de toda forma de negligência, crueldade e opressão”.

Chamou atenção também o fato de que os estudantes foram convocados a retornar à escola, que se caracteriza por grandes alojamentos e áreas de uso comum (refeitório, banheiros etc.), com a finalidade apenas de assistirem a aulas por videoconferência e praticarem exercícios físicos individualmente, conforme prevê o plano apresentado pela Aeronáutica.

De acordo com o MPF, “o tratamento vexatório e constrangedor dispensado pela ré aos 507 alunos matriculados no curso preparatório de cadetes do ar – primeiramente submetendo-os, na contramão de todas as tendências, a um confinamento obrigatório entre os meses de março e maio que redundou na infecção de 40% do grupo, e agora convocando-os para novo aquartelamento a partir de 12 de julho, em um cenário epidemiológico pior que o anterior – consubstancia comportamento antijurídico causador de relevantes danos morais”. Por isso, a ação também pediu a condenação da Epcar a reparar os danos morais causados a cada um dos seus 507 alunos.

Decisão judicial – Ao receber a ação, o Juízo Federal de São João del-Rei determinou a intimação da União para se manifestar sobre o pedido de liminar. Em resposta, o comando da Aeronáutica solicitou a realização de audiência de conciliação no dia 8 seguinte, o que foi atendido pelo Juízo, mas a tentativa foi infrutífera. Não houve acordo.

Na última sexta-feira (10), o Juízo Federal proferiu decisão indeferindo o pedido de liminar feito pelo MPF. Na manhã do sábado (11), às 6h45 da manhã, o MPF interpôs agravo, em caráter de urgência, e requereu que fosse apreciado durante o plantão do fim de semana, pois o retorno presencial dos alunos à Epcar, definido para ocorrer a partir do domingo (12), uma vez consumado, tornaria inócua qualquer decisão em sentido contrário.

O pedido de liminar apresentado no agravo foi negado pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) no próprio dia 11.

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