por Arthur Arock (*)
Antes de mais nada, quero me desculpar com os leitores que vêm acompanhando essa coluna pela ausência dela no último domingo. Nós tivemos alguns problemas técnicos. Quero também agradecer as várias pessoas que vieram cobrar a presença dela em mensagens pessoais (mais do que eu imaginava estar acompanhando esses textos).
Em suma, desculpe e obrigado.
Abaixo segue na íntegra o texto que deveria ter saído na última semana:
Laerte.
O nome me veio como um raio de inspiração enquanto estava pensando sobre o que escrever.
Admito que eu faço parecer mais interessante do que realmente foi. Eu só estava olhando meus livros em busca de um assunto para a coluna e topei com minha coleção de Piratas do Tiete assinada por ela. Nesse momento, decidi escrever sobre Laerte por nenhum outro motivo que minha profunda admiração por essa grande artista. Então, qual não foi minha grata surpresa ao descobrir que esse mês ela comemorou seus 70 anos de vida e lançou um site com sua obra completa (só adicionando mais motivos para falar desse grande nome da arte nacional).
Eu sou um grande fã da Laerte desde que consigo me lembrar. Para ser justo, tenho que admitir que o certo seria dizer que na minha infância eu era fã da obra dela, pois nem fazia ideia de quem era Laerte. Para mim, não era nada mais que um nome que vinha no rodapé das tirinhas de jornal que eu gostava tanto. Claro que sabia que era a pessoa que as fazia, mas (como era minha visão quando criança) pouco me importava de verdade quem era a pessoa por trás do nome; eu só precisava saber que era um alguém que escrevia sobre piratas, super-heróis, passarinhos, gatos etc. Aqueles quadrinhos sempre me faziam rir, mesmo que eu soubesse que não tinha entendido completamente algumas piadas.
E sempre que conseguia pôr as mãos em um jornal (principalmente nas edições de domingo), eu corria para procurar as tirinhas. Adorava muitos dos personagens que acha ali (como Garfield, a turma do Peanuts, Calvin & Haroldo, Hagar…) e, desde cedo, passei a reconhecer alguns nomes de pessoas reais como um símbolo de qualidade, como Angeli, Glauco, Adão Iturrusgarai e, principalmente, Laerte.
Personagens como Lola, Piratas do Tiete, Overman, Deus, os Gatos, Fagundes, Hugo, além de outros tantos, foram fazendo parte do meu imaginário e (ao contrário de muitos outros que fui perdendo o contato) foram seguindo comigo enquanto crescia. Vou admitir que, com mais de 30 anos, descobri que a Laerte foi parte integrante de outra grande influência da minha infância: ela era roteirista da TV Colosso, um dos meus programas preferidos enquanto crescia (tive o vinil deles e tudo mais). Só a título de curiosidade, para quem acompanhou (porque admito que é de antes do meu tempo) ela também escreveu para o famoso programa TV Pirata.
Com o advento da internet, comecei a poder seguir mais de perto o trabalho dela. Lembro quando me deparei com o Manual do Minotauro. Se não me falha a memória, descobri esse blog no final de 2008 (lembro porque eram as minhas primeiras férias da faculdade) e dei a sorte de pegá-lo ainda no começo. Eu me recordo claramente de no começo achar que havia ali alguma piada que não entendia, mas, enquanto acompanhei as postagens, logo percebi que aquilo era outra coisa. Manual do Minotauro (na minha humilde opinião) não era, como eu esperava, mais uma tira de humor, porém, aquele tipo de arte onde seu criador (nesse caso criadora) passa algo de mais profundo que há em si.
Foi nessa época que passei a me interessar em saber quem era a pessoa por trás das tirinhas. E foi assim que deixei de ser um fã apenas da obra para ser um admirador da pessoa Laerte Coutinho.
É engraçado quando penso no assunto, mas essa história que contei já tem mais de dez anos. Mais de uma década e eu ainda sigo o blog do Manual do Minotauro. É possivelmente o único blog que ainda sigo, mas o faço com a mesma (ou talvez mais) admiração que tinha quando trombei com ele em 2008 e percebi que havia sem querer descoberto uma obra de arte que me tocava profundamente. E eu admito que não sei explicar o porquê (acho que a arte no fundo tem esse poder de nos tocar sem nem nós sabermos explicar o como), afinal, ainda hoje tem tirinhas que eu sei que não entendo completamente, mas (sem medo de cair no clichê) arte nem sempre é algo que se entende.
Se me permitem contar outra história, eu vou falar da vez que tive a honra de encontrar pessoalmente a Laerte. É uma história boba e sem importância vista de fora, mas para mim foi marcante.
Em 2013, o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) elegeu a Laerte como homenageada da edição (oitava edição se não me engano). Eu estava trabalhando nesse FIQ. Durante a palestra da Laerte, a região da exposição ficou mais vazia (mesmo porque todo mundo foi assistir o bate-papo com ela) e resolvi aproveitar a oportunidade da calmaria para circular um pouco, ver o que estava sendo exposto e/ou vendido.
Calhou que acabei passando pela banca da própria Laerte (que não estava lá porque, novamente, estava no bate-papo). Ali eu vi para vender uma pequena estatueta do Capitão do Piratas do Tiete e, animado, perguntei para o vendedor presente quanto ela custava. Ele falou um valor que não me lembro quanto era, mas lembro distintamente que era muito além dos meus parcos poderes aquisitivos. Eu saltei um gemido que deixava claro minha posição sobre aquele preço, foi quando ouvi uma voz atrás de mim.
– Tá caro mesmo. – A frase havia sido dita com toda naturalidade e casualidade do mundo.
Quando virei para trás, lá estava ela, Laerte Coutinho em pessoa.
Laerte. Essa balbuciada afirmação do óbvio foi tudo que minha presença de espírito no momento conseguiu responder.
– Sim, sou eu. – Ela sorriu para mim amigavelmente. – Então você é fã dos Piratas?
Seu tom era tão natural e amistoso como de alguém que está jogando conversa fora por cima da mesa de um buteco, que acabou por me deixar à vontade. Nós conversamos um pouco, nada demais, só sobre nossas preferências sobre os personagens dela (as minhas e as da própria autora). O papo todo deve ter durado coisa de cinco minutos, apesar de admitir que não sou uma pessoa confiável com medidas de tempo, mas, para mim, foi grandioso.
Aquela era Laerte Coutinho, uma pessoa cuja obra tinha sido de grande importância para mim desde que minha memória alcançava. Ela estava ali no FIQ que a homenageava (o que a fazia a pessoa mais importante do evento), logo depois do bate-papo, uma atividade que podia ser exaustiva; ela tinha todo o direito de querer descansar, ficar na dela, não tinha obrigação nenhuma de fazer sala para um ninguém como eu. Mas ali estava ela trocando ideia comigo, me perguntando sobre mim e dizendo que entendia bem como era ser um artista em começo de carreira e sem grana. Ela me indicou uma coleção do Piratas do Tiete que estava dentro do que eu podia pagar e se disponibilizou a autografar todas as três edições para mim, além de autografar um pôster (que ela pôs junto das páginas depois de dizer a frase “quer saber, deixa eu te dar um pôster também”).
Nesse meio tempo, depois de conversarmos rapidamente e ela se sentar parar autografar as publicações (acompanhadas cada uma de um desenho feito na hora), as pessoas já começaram a lotar a banca. Afinal, Laerte estava ali e muita gente tinha vindo para ver ela. Depois de ela assinar a primeira edição e fazer o desenho, um dos administradores da banca veio e disse com um tom de pressa que só um produtor pode ter:
– Laerte, já tá bom. Tem muita gente aqui para você dar atenção. Inclusive o jornal quer te fazer algumas perguntas.
– Calma – ela disse incomodada, mas com um tom apaziguador. – Eu tô conversando com o menino aqui.
Ela terminou, no próprio ritmo, de fazer todas as assinaturas e desenhos, enquanto nesse tempo todo papeava comigo. Depois nos despedimos amigavelmente e eu fui embora deslumbrado (enquanto ela ia cuidar dos seus muitos outros afazeres).
Como disse lá em cima, eu sei que é algo pequeno e sem importância no grande esquema das coisas. Mas para mim foi um marco, uma das maiores artistas do país. Uma pessoa que figura entre meus ídolos desde sempre resolveu parar sua atarefada agenda (nem que fosse por cinco minutos) para me dar um momento de atenção, para me dizer uma palavra de incentivo. Algo que ela não tinha obrigação nenhuma de fazer e eu entenderia perfeitamente se não tivesse feito. Pode não significar mais nada pra ninguém (e creio que não signifique), nem mesmo para a própria Laerte, mas para mim foi (e é) algo que guardo com carinho.
As pessoas dizem: “não conheça seus ídolos”, e creio que na maioria dos casos é um excelente conselho. Mas eu digo que, mesmo que você não tenha a chance de trocar cinco minutos de prosa com ela, procure conhecer mais a vida e obra dessa grande artista que é Laerte Coutinho. E não é um material nem um pouco difícil de encontrar: ela tem vários e vários livros de tirinhas publicados, posta muito de seu trabalho em seu Instagram e, pessoalmente, recomendo profundamente acompanhar o blog Manual do Minotauro e assistir ao documentário “Laerte-se” (lançado em 2017 e codirigido por Eliane Brum e Lygia Barbosa). Sem falar, é claro, no site que ela lançou neste mês contendo toda a sua obra.
E para terminar (só no impossível caso de um dia essas linhas chegarem aos olhos dessa grande artista), Laerte, feliz aniversário! Parabéns pelos seus 70 anos! E obrigado por tudo!
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