[the_ad id="288653"]

Governo Bolsonaro estuda uso amplo de tecnologia nuclear em alimentos

por CAROLINA VILA-NOVA (FOLHAPRESS)

O governo Jair Bolsonaro tem mantido conversas com entidades científicas e setores da indústria, com o objetivo de viabilizar a adoção, em escala comercial, da tecnologia de irradiação de alimentos, para o mercado interno e para exportação.

As conversas são lideradas pelo Gabinete de Segurança Institucional, e ocorrem desde a publicação da Resolução nº 16, de 24 de outubro de 2019, que criou um grupo técnico, para discutir “a promoção do tratamento de alimentos e materiais com tecnologia nuclear”.

Em resumo, a técnica prevê que um alimento ou insumo seja colocado em uma máquina blindada, conhecida como irradiador, e submetido a uma dosagem específica de radiação ionizante. Os principais objetivos são eliminar parasitas e retardar o amadurecimento ou brotamento do alimento, prolongando assim sua vida útil.

Entre os planos em discussão, pelo grupo técnico, está a instalação de plantas industriais, com irradiadores em pontos estratégicos do país, para uso em alimentos – ou com propósitos múltiplos, para diminuir os custos.

Uma segunda fase das conversas, a ter início neste ano, prevê a assinatura de acordos bilaterais, em que a irradiação é pré-condição para a exportação dos alimentos.

A irradiação de alimentos é regulamentada no Brasil pela Resolução nº 21, da Anvisa, de 2001, e pela Instrução Normativa nº 9, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), de 2011. Ambas permitem o uso de três tipos de irradiação: isótopos radioativos (cobalto-60 emissor de raios gama); elétrons acelerados e raios-X. A utilização do radioisótopo césio-137 é praticamente vetada no Brasil, mas permitida em outros países.

“No Brasil, a maioria dos pesquisadores apoia a instalação de aceleradores de elétrons, porque é muito simples: cortou a força elétrica, não tem radiação nenhuma nem problemas de resíduo radioativo”, afirma Thiago Mastrangelo, do Laboratório de Irradiação de Alimentos e Radioentomologia do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, em Piracicaba (SP).

A Nuctech, da China, a Rosaton, da Rússia, e a Fraunhofer, da Alemanha, manifestaram interesse em trazer seus irradiadores, com tecnologia de feixe de elétrons, para o mercado brasileiro.

A estatal Rosaton encomendou um estudo para avaliar, tanto a instalação de uma planta quanto o fornecimento do serviço de irradiação.

Um dos principais fabricantes de aceleradores de elétrons no mundo, a Nuctech disse ter mantido “conversas políticas”, sem dar detalhes.

Já o foco do instituto de pesquisa Fraunhofer, é a aplicação de feixe de elétrons sobre sementes, com o objetivo de eliminar patógenos, como alternativa ao “tratamento químico”, com uso, inclusive, na agricultura orgânica.

“Estamos trabalhando junto com produtores de sementes, universidades e investidores. O Brasil é de interesse particular para nós, nesse planejamento, devido à grande importância da indústria da agricultura e o alto nível de disposição para a inovação”, afirmou Ines Schedwill, chefe de marketing do Fraunhofer, em Dresden (ALE).

O Brasil possui tecnologia de irradiação, desde a década de 1970, mas sua aplicação comercial, em alimentos, para o mercado interno, é limitada a pimentas, condimentos e temperos, além de rações para animais.

A Sterigenics, com sede nos EUA, detém hoje o monopólio da irradiação no Brasil, com uma planta instalada em Jarinu (SP), com irradiadores de cobalto e de elétrons.

O Cena possui dois irradiadores, com fontes de cobalto-60 e um raio-X da Americana RadSource, para uso científico e/ou de baixa escala comercial.

Já o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) tem um acelerador de elétrons, para uso em pesquisa, e um irradiador Multipropósito de cobalto-60, para uso semi-industrial.

O principal empecilho à disseminação, do uso da irradiação no Brasil, é o custo – a instalação de uma planta moderna custa cerca de R$ 20 milhões, incluindo equipamento e infraestrutura, mas não a logística. Daí o interesse em abrir o mercado, para as estrangeiras, e envolver o setor produtivo de grande porte nas conversas.

“É uma técnica boa que, se bem aplicada, vai trazer vantagens para o Brasil, no sentido de eliminar barreiras comerciais, e de aumentar a exportação”, afirma o pesquisador Murillo Freire, da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

“O Brasil precisava de um irradiador em cada estado, porque é um país de dimensões enormes. Mas não tem quem invista de fato, porque as pessoas têm medo ou desconhecem. E é um negócio que dá dinheiro. O retorno é de um ano, para um investimento de R$ 12 milhões a R$ 15 milhões”, afirma Anna Lucia Villavicencio, pesquisadora do Centro de Tecnologia das Radiações do Ipen.

Nesse sentido, um irradiador de elétrons é visto como mais indicado pelos pesquisadores. O maior mercado importador de frutas brasileiras, por exemplo, é a Europa, que vê com ressalvas o uso de radioisótopos, mas aceita melhor a radiação por feixe de elétrons ou raios-X, segundo Mastrangelo.

Outro problema é a percepção do público, que identifica o uso de energia nuclear com acidentes, como o que envolveu a manipulação de Césio-137 em Goiânia (1987), ou ainda Chernobil (1986) e Fukushima (2010).

“Falta conscientização do público em geral. Criou-se uma ideia de que produto irradiado é produto radioativo. Mas a irradiação não torna o produto radioativo. Em outros países, muitos preferem o produto irradiado, porque sabem que é mais seguro”, diz Freire. “O esforço é de quebrar esse paradigma, levar a técnica ao conhecimento de todos. Ela tem vantagens e desvantagens, e ela não serve para tudo. Então tem que saber direitinho onde você vai aplicar e com que finalidade, para você ter vantagem com isso.”

“É mais seguro que o orgânico, que utiliza adubo natural, que é cheio de bactérias e micro-organismos patogênicos”

afirma Villavicencio.

A OMS (Organização Mundial da Saúde), a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) consideram que a tecnologia de irradiação, de qualquer alimento, até a dose de 10 kGy (quilo-Gray), não representa risco toxicológico, e é nutricionalmente adequada, além de ser uma opção de combate ao desperdício e à escassez de alimentos.

No, entanto, o tema continua controverso.

A Alemanha, por exemplo, não permite a irradiação de alimentos, porque o consumidor considera que falta comprovação científica, de que não causa mal. Mas autoriza que alimentos que tenham sido irradiados, em outros países da União Europeia, sejam comercializados em território alemão.

E o que garante que o alimento irradiado não se torne radioativo?

“Com radiação eletromagnética, ou seja raio-X ou raio gama, a energia [aplicada sobre o alimento] tem de ser abaixo de 5 MeV [milhões de eletrovolts]. Acima disso, o fóton já tem energia suficiente para bater no núcleo do átomo e tornar o material irradiado radioativo. O cobalto-60, por exemplo, só emite duas ondas gama: uma com 1.17 e outra com 1.33 MeV, quer dizer, muito abaixo de 5 MeV”, diz Mastrangelo.

“Para elétrons acelerados, o limite é 10 MeV. Acima disso, esse elétron já tem energia suficiente para desestabilizar o núcleo da amostra, e ela ficaria radioativa. Os aceleradores já vêm regulados para não ultrapassar essa potência”, afirma.

Mastrangelo diz, ainda, que o alimento não tem nenhum contato com a fonte radioativa em si, protegida por mais de uma camada de selagem.

A Comissão Codex Alimentarius (da FAO/OMS) estabelece os parâmetros de irradiação, a que cada grupo alimentar ou alimento pode ser submetido, de acordo com a finalidade. Assim, a dose máxima para retardar o brotamento de tubérculos é de 0,2 kGy; para desinfestar frutas frescas, 1 kGy; e para controle de parasitas em carnes e frutos do mar, 2 kGy.

Já a norma da Anvisa estabelece que qualquer alimento poderá ser tratado, por radiação, desde que a dose mínima absorvida, seja “suficiente para alcançar a finalidade pretendida”, e a dose máxima absorvida, seja inferior àquela que “comprometeria as propriedades funcionais e/ou os atributos sensoriais [por exemplo, cor, gosto, cheiro] do alimento”.

Questionada sobre o porquê de doses específicas não terem sido fixadas, a exemplo de outros países, a Anvisa afirmou que, “na ausência de parâmetros estabelecidos, em regulamento nacional, podem ser adotados os padrões internacionais aceitos”.

A portaria obriga, ainda, que a frase “alimento tratado por processo de irradiação”, conste nos rótulos e nos locais de exposição à venda, de produtos a granel irradiados, por meio de cartazes ou placas.

Segundo a Anvisa, o não cumprimento das normas caracteriza infração sanitária. Já a utilização do símbolo internacional da Radura é opcional.

Entenda mais sobre a irradiação de alimentos

Para que serve?

Aumentar o tempo de prateleira dos alimentos;
Eliminar parasitas, fungos e bactérias (mas não vírus) que contribuem para deterioração e doenças (por exemplo, Salmonela spp, Listeria spp, Escherichia coli, Campylobacter spp, Trichinella spiralis spp);
Retardar o amadurecimento e senescência de frutas e legumes;
Inibição do brotamento de tubérculos e bulbos;
Redução de compostos tóxicos, incluindo alergênicos, N-nitrosaminas voláteis (cancerígenas), aminas biogênicas, gossipol (embriotóxico) e outros;
Pode ser uma exigência em acordos bilaterais de exportação, com o fim de evitar a disseminação de pragas estrangeiras a outros países.

Todo alimento pode ser irradiado?
Não. Alimentos ricos em gordura (por exemplo, castanha do pará e manteiga) não devem ser irradiados por comprometimento do paladar e possível formação de substâncias nocivas.
Quais são os riscos e efeitos adversos?
Radicais podem produzir componentes indesejados, destruir nutrientes e alterar funcionalidade de vitaminas, carboidratos, proteínas e lipídeos
Doses acima do recomendado ou em determinados alimentos podem gerar alterações de cheiro e de sabor, ranço e limo.
Não há método único para detecção de alimentos irradiados Regulamentação brasileira não fixa, com números, as doses máximas e mínimas permitidas.

Quem utiliza?
Mais de 55 países, sendo 26 deles em escala comercial.
Desses 26: Brasil (desinfestação de especiarias e vegetais desidratados), EUA, China, África do Sul, Ucrânia, Vietnã, Bélgica, Alemanha, França, Japão e outros.
Em 2013, foram 500.000 toneladas de alimentos irradiados, sendo:
40%, na China; 20%, nos EUA; 13%, no Vietnã; 8%, no México. 19%, no restante do mundo.

Regulamentação no mundo
A Codex Alimentarius Commission, com base em Roma, estabelece os padrões para irradiação de alimentos.

Regulamentação no Brasil
A Resolução nº 21 , de 26/01/01, da Anvisa, estipula que:
A dose mínima absorvida seja suficiente, para atingir a finalidade, e a dose máxima, seja inferior à que comprometeria as propriedades funcionais ou atributos sensoriais do alimento.

O Rótulo deve conter a inscrição “alimento tratado por processo de irradiação”. As instalações de irradiação devem ser autorizadas e inspecionadas pelo CNEN.

O símbolo da Radura é utilizado, internacionalmente, para identificar os alimentos irradiados.

Outros usos de irradiação
Tratamento de lixo industrial e hospitalar;
Tratamento de sangue e derivados;
Esterilização de equipamentos e instrumentos médicos, farmacêuticos e hospitalares;
Esterilização de tecidos biológicos;
Desinfestação e preservação de obras de arte e livros;
Beneficiamento de pedras preciosas

Fontes: Ipen, Cena, OMS, Anvisa, AIEA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM

Lula sanciona lei que regulamenta apostas esportivas

🔊 Clique e ouça a notícia Medida tributa empresas e apostadores e define regras de exploração BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou parcialmente o Projeto de