Se você está acompanhando as colunas, o tema de hoje não deve vir como uma surpresa, já que eu o anunciei algumas semanas atrás.
Como já tinha dito, maio nós traz várias temáticas “nerds” e eu não vou perder a oportunidade de falar sobre elas. Principalmente levando em conta que 25/05 é a maior delas: o Dia da Toalha.
Sim, sim, eu sei que o nome pode confundir um pouco, mas permita-me explicar.
O Dia da Toalha é uma comemoração da vida e obra do escritor Douglas Adams. A data foi celebrada pela primeira vez no ano de 2001 (ou seja, este ano se comemora duas décadas de sua criação), sendo que o primeiro Dia da Toalha foi organizado duas semanas depois do falecimento do autor, como uma homenagem póstuma dos fãs para ele. Desde então, as comemorações não só têm sido repetidas como ganhado força. Em 2016, inclusive, foi celebrado até no espaço pelo cosmonauta britânico Tim Peake, na Estação Espacial Internacional. É claro que as comemorações tomam todo jeito e forma, incluindo grupos que se juntam para ler os livros de Adams e emissoras de TV que fazem programações especiais. Mas o modo mais simples e comum de comemorar (quando não se estava em pandemia) era sair com uma toalha e mantê-la com você visivelmente o dia todo (e normalmente é muito divertido ver os olhares confusos das outras pessoas no ônibus, na rua etc.).
“Mas quem é Douglas Adams para ter seu próprio feriado não oficial?”, pode-se perguntar. E se você é um dos que fizeram essa pergunta, eu sei que tem perdido a chance de ler um dos mais engraçados e brilhantes autores de que se tem notícia.
Douglas Noel Adams foi um autor, roteirista, jornalista, humorista, satirista e dramaturgo inglês. Adams era um defensor do ambientalismo, um entusiasta da inovação tecnológica e um autoproclamado “ateu radical”.
Ele escreveu para shows como Monty Phyton e Doctor Who (sendo que muitos dos episódios dele são considerados entre os melhores de todas as mais de cinco décadas de Doctor Who). Lançou obras como “Agência de Investigações Holísticas Dirk Gently” (que talvez você conheça de uma das duas séries que foram adaptadas a partir dele) ou “Última Chance Para Ver”, um livro que ele escreveu para ressaltar a importância de salvar espécies ameaçadas de extinção. Uma de suas ideias, que acho particularmente interessante (mas nunca consegui uma versão traduzida, admito), é “The Meaning of Liff” (que eu não vou traduzir se não perde o trocadilho). Segundo a própria descrição do livro, é “um dicionário para palavras que não existem ainda”. Alguns exemplos são Shoeburyness (“A vaga sensação de desconforto que você tem quando se senta em uma cadeira que ainda está quente do traseiro de outra pessoa”), Plymouth (“Para contar uma história divertida a alguém sem lembrar que foram eles que a contaram para você em primeiro lugar”) e a própria Liff (“Um livro cujo conteúdo é totalmente desmentido pela capa. Por exemplo, qualquer livro cuja sobrecapa tenha as palavras: ‘Este livro mudará sua vida’”).
Contudo, Douglas Adams é mais conhecido (e celebrado) pela sua magnus opus: a série “O Guia dos Mochileiros da Galáxia”, a famosa trilogia de cinco livros (apesar de que eu só recomendaria os três primeiros), sendo eles “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, “O Restaurante no Fim do Universo”, “A Vida, o Universo e Tudo Mais”, “Até mais, e Obrigado pelos Peixes!” e “Praticamente Inofensiva”.
Possivelmente você já deve ter ouvido falar deles mesmo que não tenha lido, principalmente porque teve um filme (que sinceramente deixa muito a desejar) alguns anos atrás. Na minha opinião, o filme (mesmo não sendo um filme tão ruim) consta entre as piores adaptações vindas do livro, que já teve seu espaço no rádio (até mesmo ao vivo), na TV, audiobooks, quadrinhos, videogames e até teatro (não, eu nunca vi, então não posso dar minha opinião, apesar de achar que seria uma adaptação bem complicada).
O “Guia”, apesar de ser um marco da ficção cientifica, é mais lembrado pelo seu humor ácido, satírico, sobretudo, inteligente e nonsense que caracterizava a escrita de Douglas Adams (ele não era um dos principais colaboradores de Monty Phyton à toa).
A própria citação que dá nome a esse dia (o Dia da Toalha) é um ótimo exemplo desse humor (aqui em uma tradução livre feita por mim):
• “Uma toalha, o [Guia do Mochileiro das Galáxias] diz, é a coisa mais extremamente útil que um mochileiro interestelar pode ter. Em parte, porque tem grande valor prático. Você pode envolvê-la em torno de você para se aquecer enquanto atravessa as luas frias de Jaglan Beta; você pode se deitar nela nas praias de areia de mármore brilhantes de Santraginus V, inalando os vapores inebriantes do mar; você pode usá-la de cobertor sob as estrelas que brilham um vermelho vivo no mundo do deserto de Kakrafoon; usá-la para navegar em uma minijangada descendo o lento e pesado River Moth; molhá-la para usar em combate corpo a corpo; enrolá-la em volta da cabeça para afastar vapores nocivos ou evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (um animal tão estupidamente estúpido que presume-se que, se você não pode vê-lo, ele também não pode te ver); você pode agitar sua toalha em emergências como um sinal de socorro e, claro, secar-se com ela se ainda parecer limpa o suficiente.
Mais importante ainda, uma toalha tem um valor psicológico imenso. Por alguma razão, se um strag (strag: um não-mochileiro) descobrir que um mochileiro está com sua toalha, ele irá automaticamente presumir que também o mochileiro em questão está na posse de uma escova de dentes, lenço umedecido, sabonete, lata de biscoitos, cantil, bússola, mapa, bola de barbante, borrifador de mosquito, capa de chuva, traje espacial etc., etc. Além disso, o strag irá, de bom grado, emprestar ao mochileiro qualquer um desses ou uma dúzia de outros itens que o mochileiro possa acidentalmente ter “perdido”. O que o strag vai pensar é que qualquer pessoa que conseguir pegar o comprimento e a largura da galáxia, enfrentá-lo, derrubá-lo, lutar contra adversidades terríveis, vencer e ainda saber onde está sua toalha, é claramente uma pessoa a ser considerada.”
É tão difícil explicar o quão bom (e o quão influente) é essa obra, que nem vou tentar. Para encerar essa coluna, vou deixar o autor falar por si só e deixar aqui umas das famosas frases que se encontram na série de livros (traduções livres feitas por mim de citações de Douglas Adams):
• No início, o Universo foi criado. Isso deixou muitas pessoas muito zangadas e foi amplamente considerado uma má ideia.
• Existe uma teoria que afirma que, se alguém descobrir exatamente para que serve o Universo e por que está aqui, ele desaparecerá instantaneamente e será substituído por algo ainda mais bizarro e inexplicável. Há outra teoria que afirma que isso já aconteceu.
• Por exemplo, no planeta Terra, o homem sempre presumiu que era mais inteligente do que os golfinhos porque havia feito muitas coisas – a roda, Nova York, guerras e assim por diante – enquanto tudo o que os golfinhos haviam feito era ficar na água curtindo a vida. Mas, inversamente, os golfinhos sempre acreditaram que eram muito mais inteligentes do que o homem – precisamente pelas mesmas razões.
• Os golfinhos sabiam da demolição iminente da Terra e fizeram muitas tentativas para alertar a humanidade sobre o perigo… A última mensagem dos golfinhos foi mal interpretada como uma tentativa surpreendentemente sofisticada de dar uma cambalhota dupla para trás através de um arco enquanto assobiava “The Star-Spangled Banner”. Mas, na verdade, a mensagem era esta: “Até logo e obrigado por todos os peixes.”
• Muitos eram cada vez mais da opinião de que todos cometeram um grande erro ao descer das árvores em primeiro lugar. E alguns disseram que até mesmo as árvores tinham sido uma má ideia e que ninguém deveria ter deixado os oceanos.
• “Engraçado”, ele entoou fúnebre, “como quando você pensa que a vida não pode ficar pior, de repente fica.”
• Não é suficiente ver que um jardim é lindo sem ter que acreditar que há fadas no fundo dele também?
• Um erro comum que as pessoas cometem ao tentar projetar algo completamente à prova de idiotas é subestimar a engenhosidade de idiotas completos.
• Ele estava olhando para os instrumentos com o ar de quem está tentando converter Fahrenheit para Centígrado em sua cabeça enquanto sua casa está pegando fogo.
• Existe uma arte, diz, ou melhor, um truque para voar. A manha está em aprender a se jogar no chão e errar.
• Ele esperava e rezava para que não houvesse vida após a morte. Então, ele percebeu que havia uma contradição envolvida nisso e meramente passou a esperar que não houvesse vida após a morte.
• Os esquimós tinham mais de duzentas palavras diferentes para neve, sem as quais a conversa provavelmente teria ficado muito monótona. Assim, eles distinguiriam entre neve fina e neve espessa, neve leve e neve pesada, neve lamacenta, neve quebradiça, neve que veio em rajadas, neve que veio em montes, neve que veio na sola das botas do seu vizinho em todo o seu até então tão belamente limpo chão de iglu, as neves do inverno, as neves da primavera, as neves que te lembram da sua infância, que eram muito melhores do que qualquer uma dessas neves modernas, neve fina, neve emplumada, neve em colinas, neve em vale, neve que cai de manhã, neve que cai à noite, neve que cai de repente quando você estava saindo para pescar e neve que, apesar de todos os seus esforços para treiná-los, os huskies mijaram nela.
• “Pareceu-me”, disse Wonko, o São, “que qualquer civilização que tivesse perdido a cabeça a ponto de precisar incluir um conjunto de instruções detalhadas para uso em um pacote de palitos de dente não era mais uma civilização na qual eu pudesse viver e permanecer são.”
• Tudo o que você realmente precisa saber no momento é que o universo é muito mais complicado do que você pode pensar, mesmo que comece pensando que é muito complicado em primeiro lugar.
• Proteja-me de saber o que eu não preciso saber. Proteja-me de saber que há coisas para saber que eu não sei. Proteja-me de saber que decidi não saber sobre as coisas que decidi não saber. Ámen.
• É um fato bem conhecido que as pessoas que mais desejam governar são, ipso facto, as menos adequadas para isso. Para resumir o resumo: qualquer pessoa que seja capaz de se tornar presidente não deve, em hipótese alguma, ser permitido no cargo.
• NÃO ENTRE EM PÂNICO!
(*) Nascido em Governador Valadares e atualmente residente em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica se traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário.
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