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A convite do MPMG, conselheiro do CNJ visita comunidades e produtores rurais da região da Bacia do Rio Doce, atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco

“Vim aqui para ouvir vocês e ver de perto a realidade do sofrimento e dificuldades que estão vivendo ao longo desses 6 anos”. Essas foram as palavras do conselheiro do CNJ, Luiz Fernando Bandeira de Mello, ao chegar à Ilha Brava, localizada às margens do Rio Doce, na cidade de Governador Valadares. Em Ilha Brava, residem cerca de 20 famílias afetadas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região central do Estado. A visita aconteceu nessa quarta-feira, 30 de março.

Acompanhado pelos promotores de Justiça da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Paulo César Vicente de Lima e Hosana Regina Andrade de Freitas, pelo procurador da República do Ministério Público Federal, Carlos Bruno Ferreira da Silva e pela defensora pública de Minas Gerais, Carolina Morishita Mota Ferreira, o conselheiro, que coordena os trabalhos de repactuação do acordo de Mariana, foi recebido pela ilheira Joelma Fernandes Teixeira. Mãe de 5 filhos, uma já falecida, Joelma é moradora de Ilha Brava há 32 anos. Para ela, a visita de um membro do CNJ simboliza o reconhecimento da luta dos atingidos. “São seis anos de impunidade e muito sofrimento. Espero que essa visita possa mostrar às autoridades o nosso drama. Que eles possam ver com os próprios olhos a nossa situação e que tomem uma posição em relação à essa impunidade. Eles (mineradora) não tinham o direito de tirar o nosso habitat. Olha que lugar lindo!”, argumenta Joelma.

Bandeira de Mello, juntamente com os membros do MPMG, MPF e Defensoria Pública, percorreram os espaços da ilha e viram o acúmulo de rejeitos incrustados no solo, impedindo o crescimento da vegetação, o plantio e colheita de frutos e grãos. Os moradores, que viviam dos recursos da água do Rio Doce e dependiam da fertilidade do solo para se alimentarem e produzirem o seu sustento, relatam que a contaminação da água e da terra está matando a vegetação e adoecendo pessoas.

“A cada nova enchente, o crime se repete. O rio está assoreado e quando vem a enchente, os rejeitos se deslocam da Hidrelétrica de Candonga, o nível da água sobe, invade as casas e contamina o solo com muita lama. Minha casa desmoronou, perdi tudo e está cheia de marcas da lama, conta Joelma. Ela ainda faz uma comparação de como eram as enchentes, que são comuns na região do Rio Doce, antes do rompimento da barragem de Fundão e após a tragédia. “Antigamente, quando acontecia, nós agradecíamos a Deus, porque vinha banco de areia e matéria orgânica, que eram importantes e muito úteis para adubar a terra da nossa propriedade. Agora, só chegam rejeitos que contaminam o nosso solo. A nossa terra está morrendo”, diz.

Lanla Maria Soares de Almeida, pescadora e moradora de Ilha Brava, afirma que, além de todo dano material e patrimonial sofrido, há um prejuízo emocional igualmente grave. “Meu pai, também pescador, diz que o rio é a vida dele. Foi por causa do rio que ele sustentou a família. Eu também criei meus filhos na beira do rio. Agora, acabou! As gerações futuras não terão mais esse privilégio. É uma tristeza que está nos adoecendo”, conta. Além disso, Lanla questiona o corte feito pela Samarco do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), que é devido aos pescadores e agricultores de subsistência, atingidos pelo rompimento da barragem. “Tem pescador que não sabe fazer outra coisa. A maioria não tem instrução, porque se você for para a pesca, não consegue frequentar a escola por estar lá na beira do rio. E aí tiram todos os recursos e direitos do pescador. A impunidade traz uma sensação de que a vida humana não tem valor, diz.   

Além de conhecer os moradores de Ilha Brava, Bandeira de Mello também visitou produtores rurais que vivem em propriedade atingida pelos rejeitos, localizada em Conselheiro Pena, a 90 km de Governador Valadares.

Maria Célia Albino de Andrade é proprietária de uma fazenda que já foi considerada modelo na região e recebia visitantes que queriam conhecer o local. Pequena produtora de leite, de milho, de frutas e legumes, a subsistência da família vinha toda da agricultura. Ela tinha uma propriedade estruturada e produtiva. Contudo, hoje a realidade é outra. “Tive um sonho que se tornou real, mas agora é um pesadelo. Cada enchente que vem, os resíduos de lama vão grudando no solo. Já perdi muitos animais atolados ou por abortos provocados pela contaminação da água. Acho que nunca mais conseguirei recuperar a minha terra. Meu solo era areno-argiloso, era um bom solo. Hoje, o Rio Doce só me traz lama. A enchente de 2022 veio com mais lama que a de 2020. Está piorando cada vez mais”, explica Maria Célia.

Reunião com os atingidos

 Depois de conhecer a realidade de ilheiros e produtores rurais que sofrem as consequências do rompimento da barragem de Fundão, o conselheiro do CNJ Bandeira de Mello presidiu uma audiência pública na sede do Ministério Público de Governador Valadares, com a participação dos integrantes do MPMG, MPF e DPMG, para ouvir as reivindicações e questionamentos dos atingidos sobre o processo de repactuação do acordo, com o objetivo de ter mais embasamento para conduzir as negociações.  

Estiveram presentes na reunião representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), atingidos de diversas regiões do Estado, advogados e deputados estaduais.

As principais reivindicações dos atingidos estão relacionadas à rejeição da cláusula de quitação geral dos danos, inserida pela Fundação Renova nos contratos de indenização firmados por meio da plataforma “Novel”; o corte do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) de pescadores e agricultores de subsistência e, a mais fundamental, que seja assegurada a participação ativa dos atingidos no processo de repactuação.

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Durante o encontro, os atingidos puderam expor as suas dores, dificuldades, problemas e incertezas. O conselheiro Bandeira de Mello fez inúmeras anotações e, ao final, se comprometeu a colocar os atingidos em primeiro lugar. E disse que, dentro do limite que exerce, se compromete a tentar viabilizar o melhor acordo possível à comunidade atingida. “É claro que uma parte se resolve financeiramente, mas existe outra, a emocional, de vínculo com o rio, com a terra, que é muito difícil de reparar. Há questões que somente uma indenização não basta. Há terras que não voltarão a produzir tão cedo. Gostaria de afirmar que estamos conscientes disso. Não temos a solução mágica. O CNJ não tem o poder de decisão. Minha função é de mediador e tentar fazer com que as partes estabeleçam um acordo que tente melhorar ao máximo a vida dos atingidos, para que possam elaborar um novo capítulo em suas vidas”, afirmou.

O promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima afirmou que existe um diálogo intenso entre o Ministério Público Mineiro com o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Espírito Santo e Defensorias Públicas Estaduais e da União, para que haja a busca por uma renegociação que possa garantir os direitos fundamentais e sociais dos atingidos. “Temos realizado desde o ano passado reuniões com os atingidos dos diversos territórios de Minas Gerais. Uma das demandas que surgiu foi a necessidade de uma visita por parte do conselheiro do CNJ Luiz Fernando Bandeira de Mello para conhecer as regiões do Estado e ir presencialmente dialogar com a comunidade. Essa visita foi fundamental para que a realidade fosse apresentada, a fim de que busquemos soluções justas. Esperamos conseguir um bom resultado no menor espaço de tempo possível, concluiu. MPMG

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