CPI pede que ex-secretário de Saúde seja denunciado

Relatório final, aprovado nessa quinta (8), aponta indícios de irregularidades na vacinação de servidores da pasta

Após quatro meses de trabalho na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fura-Filas da Vacinação aprovou seu relatório final na tarde dessa quinta-feira (8). O documento conclui que há indícios de irregularidades no processo de vacinação de servidores da Secretaria de Estado de Saúde (SES) contra a Covid-19.

O relatório recomenda ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a apresentação de denúncia pela prática dos crimes de peculato, em tese, e de improbidade administrativa contra o ex-secretário de Saúde Carlos Eduardo Amaral e o ex-secretário-adjunto Luiz Marcelo Cabral Tavares; e ainda contra João Márcio Silva de Pinho, ex-chefe de gabinete da pasta, e Janaína Passos de Paula, subsecretária de Vigilância em Saúde da SES.

Na manhã desta quinta (8), o relator da CPI, deputado Cássio Soares (PSD), distribuiu cópias do seu relatório para que os parlamentares tomassem conhecimento do conteúdo antes de ele ser votado.

Em outra reunião realizada no final da tarde, o relator leu um resumo do relatório antes que ele fosse finalmente votado e aprovado por unanimidade pelos deputados integrantes da CPI. Antes disso, porém, foram apresentados um substitutivo ao relatório final, de autoria dos deputados Guilherme da Cunha (Novo) e Zé Guilherme (PP), e duas emendas, dos deputados Roberto Andrade (Avante) e Zé Guilherme.

O primeiro deixou de ser recebido pelo presidente da CPI, João Vítor Xavier (PSDB), por questões regimentais, já que o procedimento correto seria o voto em separado do relatório alternativo, conforme apontou. Já as duas emendas, que propunham a supressão ou alteração de vários trechos do relatório final, receberam parecer do relator pela rejeição, foram votadas em separado e rejeitadas pela maioria dos deputados membros da CPI.

Zé Guilherme justificou, ao fazer referência à aplicação de recursos em saúde, motivo de suas sugestões de mudanças no relatório final, que já há instâncias institucionais competentes para analisar e fiscalizar as contas do Executivo. Já Roberto Andrade acrescentou que a atual administração estadual sabe gastar bem o dinheiro do contribuinte mineiro.

Roberto Andrade também reforçou a necessidade da exclusão de Janaína Passos de Paula do rol de citados no relatório final, que teria agido cumprindo ordens superiores e amparada por assessoria jurídica da própria SES.

Recomendações – A apresentação de denúncia pelos dois crimes citados no relatório está entre as seis recomendações de providências que a CPI fará a diversos órgãos a partir do que foi constatado pela comissão.


O crime de peculato refere-se à apropriação, por parte de um funcionário público, de um bem a que ele tenha acesso por causa do cargo que ocupa. A apresentação de denúncia nesse sentido será feita em requerimento da CPI ao coordenador do Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Justiça Criminal da Capital. Segundo a CPI, a prática, em tese, do crime de peculato se deu por no mínimo três vezes.


Já o requerimento que recomenda ação de improbidade administrativa também contra Carlos Eduardo Amaral e os outros três citados será encaminhado ao coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Minas Gerais (CAOPP), com base em dispositivos da Lei Federal 8.429, de 1992 (especificamente artigos 10 e incisos I 1 IV do artigo 11).


Esse crime refere-se a conduta inadequada, praticada por agentes públicos ou outros envolvidos, que cause danos à administração pública. No caso em questão investigado pela CPI, relaciona-se à prática de ato visando fim proibido em lei ou regulamento e deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.


Com mais de 140 páginas, o relatório da CPI demarca, entre outros pontos, irregularidades ocorridas tanto na normatização estadual como na gestão do processo de vacinação pela pasta e na execução do processo na vacinação, que culminou com servidores da área administrativa da SES sendo vacinados antes que todos os trabalhadores da linha de frente no enfrentamento à Covid-19 tivessem sido imunizados.


No capítulo Infrações Tipificadas, o documento cita que, em 7 de fevereiro, o então secretário Carlos Eduardo Amaral editou os Memorandos-Circulares nºs 6 e 7, que organizaram a vacinação dos servidores da SES, autorizando a secretaria a fazer diretamente a vacinação dos servidores indicados pelas respectivas chefias a que estavam subordinados.


Segundo a CPI, isso foi feito mesmo sem levar em conta a vinculação com o órgão, se eram servidores efetivos ou trabalhadores públicos contratados a título precário, a formação acadêmica, o risco sanitário a que estivessem submetidos e se esses servidores se enquadravam no conceito de trabalhadores de saúde, previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO) para fins de vacinação prioritária.


A comissão concluiu que, para a criação dessa estrutura “paralela” de vacinação prioritária, voltada para contemplar público não previsto no conceito de trabalhador de saúde do PNO, o secretário de Estado de Saúde contou com o auxílio material e intelectual de seu secretário-adjunto, do chefe de gabinete e da subsecretária de Vigilância em Saúde.


Ressalta o relatório que, em 19 de fevereiro, o próprio secretário, o adjunto e o chefe de gabinete receberam a primeira dose, mesmo sem se enquadrarem nos critérios de prioridade do PNO. A vacinação ocorreu na Central da Rede de Frio da SES, em Belo Horizonte, no dia em que ainda havia médicos e enfermeiros por vacinar.


O Estado recebeu, a partir de 19 de janeiro deste ano, lotes de imunizantes contra a Covid-19 que deveriam ser distribuídos para os municípios mineiros – encarregados da vacinação – e aplicados nas pessoas que compõem os públicos prioritários definidos no PNO. Por força da estrutura hierárquica e pelas funções desempenhadas, a posse desses imunizantes cabia ao secretário de Estado de Saúde.


A CPI concluiu que a elaboração do plano de vacinação em Minas não seguiu a legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) e as regras do Plano Nacional de Vacinação e do PNO, pelas quais era fundamental que estados e municípios elaborassem uma microprogramação estabelecendo em detalhes os grupos prioritários, consideradas as peculiaridades locais.


A CPI aponta que o plano elaborado pelo Estado é um instrumento informativo de gestão, e não um documento que resulta de negociação e pactuação nas comissões intergestores, conforme determina toda a normativa federal sobre o tema.


Segundo a investigação da ALMG, ocorreu arbitrariedade na definição unilateral de público-alvo para a vacinação dos servidores da SES e não houve a divulgação ampla e prévia das razões que os componentes do gabinete da SES consideraram para autorizar a vacinação desse público.


Houve, ainda, ilegalidade quanto à não publicidade do Memorando-Circular nº 7, em que a SES cita grupos prioritários, o que a CPI considerou como indício consistente de irregularidades na organização e vacinação dos servidores da SES.
Em relação à vacinação contra a Covid-19 dos servidores da Gerência-Geral de Saúde Operacional da ALMG, o documento conclui que não foram constatadas irregularidades nesse processo de vacinação. Ressalta que a vacinação foi realizada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, tendo a comissão recebido documentos do setor responsável na PBH, com cópia das tratativas realizadas com o município.


Por fim, o documento recomenda o envio, ao Ministério Público, das informações recebidas pela CPI quanto à sindicância aberta no município de Betim (Regiâo Metropolitana de Belo Horizonte) para apurar o processo de vacinação do deputado Professor Irineu (PSL), para que o MPMG tome as providências que entender cabíveis.


Mínimo é descumprido


Quanto aos investimentos do Estado em saúde, também abordados pela CPI, o relatório conclui que o governo mineiro deixou de cumprir o mínimo constitucional no exercício de 2020, uma vez que o índice de 10,75% da receita que foi aplicado em Ações e Serviços Públicos de Saúde (Asps) está abaixo do patamar de 12% estabelecido pela legislação vigente.


O documenta ressalta que a maior parte (68,26%) da despesa realizada pelo Estado em 2020 e até 28 de maio deste ano para garantir leitos disponíveis para tratamento da Covid-19 foi custeada com recursos provenientes da União, ao passo que o esforço fiscal realizado com recursos do Tesouro Estadual foi proporcionalmente bem menor (23,41% sobre o total).
Apesar de mencionar dados sobre a expansão de leitos na rede permanente do Estado, o documento ressalta que a capacidade instalada não foi suficiente para atender à demanda por internação na segunda onda da pandemia. Dessa forma, a CPI considera que a manutenção do hospital de campanha na Capital poderia ter contribuído para evitar a falta de leitos nesse período. A estrutura foi desativada sem chegar a ser utilizada.


O relatório também considera preocupante que, da soma de todas as despesas empenhadas e não pagas entre os exercícios de 2009 e 2020, o Estado deva a seus credores, em 2021, mais de R$ 8 bilhões. Quase 85% dessa dívida é para com os municípios mineiros.


Recomendações – Além das recomendações ao MPMG de denúncias relativas à vacinação, outras recomendações da CPI estão relacionadas e esses investimentos em saúde. Entre elas, está o envio do relatório ao parlamentar que for designado para emitir parecer sobre as contas do governador.


O objetivo é subsidiar estudo sobre o descumprimento, pelo Estado de Minas Gerais, do mínimo constitucional da saúde para o exercício de 2020, conforme está detalhado no relatório.


Cópias do relatório da CPI serão encaminhadas ainda ao governador e aos secretários de Estado de Fazenda, de Saúde e de Planejamento e Gestão, recomendando que os processos de apuração do mínimo constitucional referente a exercícios futuros sejam mais transparentes e mais bem fundamentados, em atenção aos princípios da publicidade, do acesso à informação e da motivação dos atos administrativos.


Nesse sentido, a CPI recomenda ao governo divulgar a correta contabilização dos valores que compõem o indicador, em especial quanto à parcela dos restos a pagar não processados, que só podem ser considerados para esse cálculo até o limite da disponibilidade de caixa existente ao final do exercício, como determina a Lei Complementar Federal 141, de 2021.


O relatório será encaminhado ainda à Comissão de Saúde da ALMG.


Comissão atuou em duas frentes

Na reunião da manhã, o relator Cássio Soares distribuiu cópias do seu relatório – Foto: Clarissa Barçante


A CPI dos Fura-Filas da Vacinação iniciou seus trabalhos na Assembleia Legislativa no dia 17 de março e tinha 120 dias para concluir suas atividades, o que poderia ser feito até a próxima quinta (15).


Duas frentes orientaram o trabalho do grupo, que apurou a operacionalização da Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19, em especial o desvio de recursos referentes à vacinação irregular de grupos não prioritários definidos pelo Ministério da Saúde, bem como o investimento em ampliação de leitos para enfrentamento da pandemia no Estado, concomitantemente à aplicação do mínimo constitucional em serviços públicos de saúde.


A primeira etapa se deu do início das atividades da CPI até o dia 20 de maio. Foram realizadas 16 reuniões na ALMG, uma visita técnica à Central Estadual de Rede de Frio de Minas Gerais e uma diligência ao gabinete do secretário de Estado de Saúde.


A segunda fase dos trabalhos teve início em 21 de maio e se estendeu até o dia 29 de junho. Nesse período, foram realizadas duas reuniões em Belo Horizonte. No total, 27 depoimentos foram colhidos e 159 requerimentos foram aprovados.

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