30 anos da chacina de Malacacheta: fim de uma história de terror no Vale do Mucuri

ESPECIAL – Trinta anos depois da maior matança do interior do Vale do Mucuri, Adélcio Nunes Leite, 69 anos, apontado como mandante da chacina de Malacacheta, foi morto a tiros em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, na tarde de sexta-feira (17). A autoria e a motivação do crime ainda são desconhecidas. 

Tudo indica que a morte de Adélcio põe fim a uma era de crimes que aterrorizaram o Vale do Mucuri e que tiveram personagens de Governador Valadares envolvidos.

De acordo com a Policia, na tarde de sexta-feira, Adélcio foi até uma barbearia para cortar o cabelo. Ao sair do estabelecimento, foi surpreendido por alguns homens que estavam em um veículo HB20 de cor preta. Da porta do passageiro, um homem saiu com uma arma. Adélcio tentou sacar a arma que tinha na cintura, mas o assassino atirou duas vezes. Em seguida, entrou no carro e arrancou em alta velocidade. Até o momento, não há pistas do autor do assassinato.

Adélcio Nunes Leite. Foto: Arquivo Jornal Estado de Minas

Adélcio foi condenado como o mandante da chacina de Malacacheta. O crime aconteceu em fevereiro de 1990, na Fazenda Canadá, no Vale do Mucuri. A motivação seria uma briga por terras e rixas com pistoleiros. Adélcio havia sido condenado a 229 anos de prisão. Mas em 2013 foi solto da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, após 18 anos em reclusão. Ele foi beneficiado pelo decreto da Presidência da República que concede, todos os anos, indulto a presidiários.

Soberania da Família Leite

No final da década de 70 e princípio dos anos 80, a região do Vale do Mucuri enfrentou uma série de assassinatos de proprietários rurais e pessoas residentes nas cidades de Água Boa, Malacacheta, Santa Maria do Suaçuí e Capelinha, crimes atribuídos aos irmãos Leite, quarteto formado por Adélcio, Zé Leite,  Alirio e Toninho Leite. A família comprava as terras na região e não saldava as dívidas. Ao todo, aos irmãos Leite são atribuídos mais de 40 assassinatos naquela região.

Na lista de assassinatos está incluso o nome do ex-deputado estadual Wander Campos, morto em uma emboscada, em Água Boa, em 1974. O político tinha fama de pistoleiro e teve um desentendimento com a família Leite.

Emboscada no Aeroporto de Capelinha

Outro fazendeiro incluído na lista dos irmãos Leite marcados para morrer era Galileu Vidal de Oliveira . No entanto, eles tinham uma dificuldade para matá-lo, por residir em Valadares. A família Leite tinha um acordo com o então coronel Jair Alves Pinheiro de não matar ninguém em sua região militar. Jair era o comandante do Batalhão PM de Valadares.

Como Galileu desconhecia esse trato, aceitou ir ao encontro dos irmãos Leite em Capelinha, onde selariam um “almoço da paz” para acabar com a rixa existente entre eles. Em dezembro de 1979, Galileu embarcou em uma aeronave no aeroporto de Valadares. Quando desembarcou para o “almoço de paz”, o fazendeiro se dirigiu em direção a Toninho Leite para cumprimentá-lo, sendo-lhe estendida uma mão enquanto a outra sacava uma arma, iniciando o fuzilamento. Galileu foi alvejado por 36 tiros.

Muitos dos crimes atribuídos à família Leite foram arquivados por falta de provas ou de alguma testemunha que ousasse depor contra eles. 

Rivalidade entre as famílias Leite e Cordeiro

A rivalidade entre as famílias Leite e Cordeiro teve início alguns meses antes do episódio da chacina de Malacacheta, em fevereiro de 1990. Toda a história foi relatada no documentário: “A Saga dos Irmãos Leite: História da Policia Operacional Investigativa”.

O Vale do Mucuri era uma região predominantemente de pecuária, com agricultura de pouca relevância no contexto econômico. Até cerca de 1985 era uma região sem asfalto e de difícil acesso. No período das chuvas ficava totalmente isolada. Para se chegar mais facilmente à região, segue-se a BR-262 até o trevo de Itabira, passando por Santa Maria de Itabira, Guanhães e São João Evangelista.

Terra de cachoeiras, rios, córregos e muitas montanhas. E é nesse cenário que surgem os crimes de pistolagem, registros de fatos a partir dos anos 50, viajando pela saga de crimes violentos que assolaram aquela região, culminando com o desfecho da fatídica Chacina de Malacacheta.

O aviador e escritor José Altino Machado lembra quando começou a rivalidade entre as famílias Cordeiro e Leite. “Essa história começa lá atrás, em 1979, com a morte do político Wander Campos, e depois a do Galileu. Tudo por causa de uma moça, que foi a pivô da rivalidade, a Estael Cordeiro, que saía com o Wander. Daí começou uma matança, e continuou até a chacina em Malacacheta. A morte agora do Adélcio encerra esse ciclo que começou bem antes da chacina”, contou.

Chacina de Malacacheta

Em 89, um homem de cada família discutiu em uma estrada de Malacacheta. Toninho Leite e José Sexto Neto tiveram um desentendimento em uma estrada rural. Devido à briga, a família de Adélcio Nunes Leite contratou o pistoleiro Albino Alves Pereira para executar um integrante dos Cordeiros, mas o homicida foi morto pela família rival antes de apertar o gatilho.

Ao saber disso, Hamilton Leite, amigo do pistoleiro, jurou vingança. Seis homens contratados pelos irmãos leite, trajando, cinco deles, coletes pretos e se identificando como policiais civis, disseram que estavam apurando a morte do pistoleiro e abordaram José Augusto de Andrade, na Fazenda Canadá.

Carnificina

Tudo foi planejado. O grupo levou a vítima até a casa de um parente, onde se encontravam a empregada da família e outros sete dos Cordeiro. Assim, iniciou-se a execução das vítimas, de forma cruel, em diversos compartimentos do imóvel até no quintal.

Adélcio Leite, que estava dirigindo seu Jipe, estacionou próximo da fazenda, na curva da estrada, observando se alguém tentaria fugir. José Augusto de Andrade, Eunice Augusta Cordeiro de Andrade, José Augusto Cordeiro, Nacip Augusto Cordeiro, José Sexto Neto e Núbia Florípes foram assassinados. Três pessoas da família conseguiram escapar da matança e relataram à Justiça. Depois dos tiros, os acusados fugiram, mas foram detidos.

O detetive Ofenir Pinheiro, o sargento da Polícia Militar Edésio e Carlinhos Pastor, os três de Governador Valadares, são citados como suspeitos contratados pelos irmãos Leite de participar da chacina. Os julgamentos aconteceram no decorrer da década de 90 e anos 2000. Na época, todos negaram envolvimento nos assassinatos.

Outros membros da família Cordeiro foram assassinados posteriormente. Humberto Cordeiro e Helvécio Cordeiro, foram sequestrados e brutalmente assassinados. Os principais suspeitos eram novamente os Leite.

Depois das mortes de diversos membros da família Cordeiro, e dos diversos incidentes que indicavam novos atentados, eles se afastaram do Vale do Mucuri, buscando refúgio em Rondônia e Pará. Mas com promessa de vingança.

Fim do irmãos Leite

Apesar de perseguidos por todos os cantos, os remanescentes da família Cordeiro encontraram forças para tentar acertar as contas com a família Leite. Em abril de 1990, Antônio Nunes Leite, o “Toninho Leite”, foi assassinado numa emboscada, com mais de 40 tiros. O crime ocorreu quando Toninho dirigia sua caminhonete pela estrada de terra que liga Capelinha a Malacacheta, próximo à Vila dos Anjos.

Em novembro de 1991 ocorreu mais um capítulo de sangue na vida dos Leite. Desta vez foi o assassinato de Helenísio Nunes Leite, de 18 anos, filho de Adélcio. O rapaz foi morto pelo vaqueiro Elias Abrantes Quadros de Sales, vulgo “Zé Guaxe”, que trabalhava havia 12 anos na Fazenda Boa Esperança, em Malacacheta, de propriedade dos irmãos Leite.  Anos depois Zé Guaxe foi preso.

Reportagens do Diário do Rio Doce, revistas e jornais como “Estado de Minas” e “Hoje em Dia” registraram na época as ações policiais para coibir a pistolagem no Vale do Mucuri, com as primeiras prisões dos irmãos Leite e pistoleiros após a chacina.

Em 1999, Alírio Leite foi preso no município de Vassouras/RJ. Era o último preso de uma família que desde os anos 50 matava no Vale do Mucuri. Alírio Leite foi condenado a cumprir pena de 126 anos de prisão, em regime fechado.

Adélcio já havia sido condenado a uma pena acumulada de mais de 100 anos de prisão, depois do episódio em Malacacheta. Ali terminava a saga de fugas e prisões dos irmãos Leite.

30 anos depois

Em 2008, o ex-detetive da Polícia Civil Paulo Maloca, que tem ramificação na família Cordeiro de Andrade, escreveu o livro “Só os Fortes Sobrevivem”, com registros da história da chacina. “A história é contada no livro e tá lá para quem quiser conhecer. Um filme está previsto para ser lançado, que também vai contar a história da chacina. Acredito que, depois desse ocorrido lá em Belo Horizonte, não sobrou nenhum membro da família Leite, com esses anos todos de guerra”, disse.

O próprio Paulinho Maloca foi envolvido nos desdobramentos da chacina de Malacacheta. Um dos pistoleiros acusados de participação na carnificina, o detetive Ofenir Pinheiro, trabalhava na Delegacia Regional de Governador Valadares e em determinado momento teve uma discussão com Maloca. Eles acabaram se enfrentando na porta da Delegacia no bairro de Lourdes, em Valadares. Ofenir foi atingido por um tiro de escopeta. Ele foi socorrido até o Hospital Municipal e conseguiu sobreviver. A partir desse momento, outros crimes ocorreram e estão registrados no levantamento histórico da Polícia Civil e no livro Só os Fortes Sobrevivem”.

*Fonte para a reportagem:A Saga dos Irmãos Leite: História da Polícia Operacional Investigativa”.

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