por Arthur Arock*
Como eu disse no primeiro texto deste mês, agosto sempre me põe pensando sobre o tempo.
O fato de nós acharmos que este mês, só porque não tem feriado, demora muito mais que os outros prova tanto sobre relatividade que devia ser o mês preferido de Einstein. E não é o único exemplo: toda hora você vê um meme tipo “julho foi lá e meteu duas semanas em quarenta minutos” (ou algo que valha).
O tempo é interessante porque é a mais inexorável das forças, a que os seres humanos têm menos controle sobre. E isso se reflete claramente em nossas obras de ficção: o que não falta é história sobre viagem no tempo.
Esse assunto fictício tem tido proeminência desde 1895, com o lançamento do livro “The Time Machine”, de H. G. Wells (um dos grandes mestres da ficção científica). No livro, um cientista não nomeado cria a titular máquina do tempo e viaja até o distante futuro da Terra, onde a civilização como a conhecemos já acabou há muito. Não vou descrever aqui as muitas aventuras dele, mas recomendo a leitura desse marco da ficção científica. Contudo, ao mandar seu viajante apenas para o futuro, Wells evita um dos maiores problemas que as histórias de viagem do tempo viriam a ter nos anos seguintes à obra dele: o que acontece quando alguém viaja ao passado?
O problema é que, como é algo puramente teórico, ninguém sabe como viagem no tempo funcionaria. Então, não raramente vira uma bagunça nas obras (apesar de umas fazerem trabalhos magníficos). Um exemplo negativo é o “Avengers: Endgame” (2019) – ok, eu não gosto da maioria dos filmes da Marvel, mas permita-me falar do ponto de vista apenas de viagem do tempo: eles passam o filme todo trabalhando e reforçado a ideia de que viagem no tempo cria uma outra linha temporal a partir do ponto onde o viajante do tempo intervém; porém, no final, a presença do velho Steven Rogers na mesma linha do tempo de onde ele partiu quebra toda essa ideia (trabalhando com uma vertente mais “De Volta Para O Futuro”). O problema aqui é que eles misturam, sem nenhuma explicação, justificativa ou algo que valha, duas das três principais vertentes da viagem do tempo.
E quais seriam essas três vertentes principais de teoria fictícia de viagem no tempo (perguntou absolutamente ninguém das vezes que eu tentei explicar isso em uma mesa de bar)? Permita-me explicá-las – e sim, eu estou propondo uma discussão sobre uma ciência ficcional; eu sou esse tipo de pessoa.
Existem inúmeras variações de viagem no tempo, mas as obras que conseguem manter alguma coerência costumam trabalhar com uma das três vertentes principais.
A primeira e mais popular é que se você mudar algo no passado você muda o presente. Essa vertente trabalha com uma única linha temporal sujeita a alterações por viagens temporais (e os vários “efeitos borboletas” possíveis). Ela está em obras como “De Volta Para O Futuro” (possivelmente o nome mais popular nesse texto todo), “Exterminador do Futuro 2” (estranhamente eles mudam a teoria com que trabalham de um filme pro outro), “Efeito Borboleta” e um episódio de Simpsons (sexto episódio da sexta temporada) em que eles explicam melhor que ninguém o “efeito borboleta” possível nesse tipo de viagem no tempo.
A segunda teoria trabalha com a ideia de que, ao viajar no passado, você cria uma linha temporal paralela. Ou seja, o que quer que você faça nessa nova linha, não mudará nada naquela da qual você é originário. Esse caso é mais parecido com uma viagem a uma realidade paralela do que uma viagem no tempo. Assim, você tem séries como “Dragon Ball Z” ou o recente sucesso de “Loki”.
A terceira e mais complicada (e minha preferida) é que há apenas uma linha temporal e qualquer viagem que você faça nela já está contida em si mesmo. Difícil, não é? Essa é a linha em que se você viaja no passado, não muda nada porque você sempre viajou para o passado (essa é o tipo de linha temporal onde você é seu próprio avô). Para entender melhor é mais fácil ver as obras com essa teoria: a série “Dark”, o livro “Harry Potter and the Prisoner of Azkaban”, os filmes “Interestelar”, “Exterminador do Futuro 1” (como disse ali em cima, eles mudam a teoria que usam de um filme pro outro) e “Bill and Ted’s Excellent Adventure” (que estranhamente é bem coerente no quesito viagem do tempo).
É nessa última corrente que temos o chamado “bootstrap paradox”. Deixe-me dar um exemplo que é proposto em Doctor Who: “Então aí está esse homem, ele tem uma máquina do tempo. Outra coisa que ele tem é uma paixão pelas obras de Ludwig van Beethoven. E um dia ele pensa: “Qual é o sentido de ter uma máquina do tempo se você não consegue encontrar seus heróis?” Então ele vai para a Alemanha do século 18, mas não consegue encontrar Beethoven em lugar nenhum. Ninguém ouviu falar dele. Nem mesmo sua família tem ideia de quem o viajante do tempo está falando. Beethoven literalmente não existe. O viajante do tempo entra em pânico. Ele não consegue suportar a ideia de um mundo sem a música de Beethoven. Felizmente, ele trouxe todas as partituras de Beethoven para Ludwig assinar. Então ele copia todos os concertos e sinfonias e os publica. Ele se torna Beethoven. E a história continua, inalterada. Mas minha pergunta é esta: quem juntou essas notas e frases? Quem realmente compôs a 5ª de Beethoven?”
Legal, não é?!
Aproveitando o ensejo: não, não vou falar de Doctor Who, mesmo sendo uma de minhas séries preferidas e ter viagem do tempo como seu pano de fundo principal. A questão é que Doctor Who tem quase seis décadas de histórias e nesse tempo não apenas usou todos os tipos de viagem no tempo (cada escritor fazendo do jeito que achava mais interessante), como criou sua própria (para amarrar algumas pontas soltas, até com eficácia) que eu só vi lá até hoje. Então, tentar falar de viagem no tempo de Doctor Who (como qualquer outra coisa nessa série), eu precisaria de um artigo (ou um livro) só pra isso.
E, ironicamente, acho que não temos tempo para isso.
Afinal, agosto já se encontra no final e setembro já está para entrar fazendo a boa nova andar nos campos, como dizia aquela música (e uma parte de mim ainda ousa ter esperança de que alguma boa nova vá andar nos campos).
De um modo ou de outro, espero que esse artigo tenha lhe proporcionado um bom tempo enquanto você o lia, ou pelo menos que não o tenha achado uma completa perda de tempo.
Afinal, isso é tão relativo…
*Nascido em Governador Valadares e atualmente residente em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica se traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário.
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