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Terminar um relacionamento: por que é tão difícil?

Dr. Lucas Nápoli (*)

Muitas pessoas permanecem em relacionamentos amorosos insatisfatórios durante anos. Algumas tentam compensar a frustração crônica que experimentam envolvendo-se em relações extraconjugais ou desenvolvendo vícios os mais diversos: por bebida, jogos, pornografia, trabalho, estudo etc. Quem olha de fora e, portanto, não tem condições de avaliar a situação a partir do ponto de vista das pessoas implicadas, costuma indagar soberbamente: “Mas por que não terminam? Se a relação não está legal por que simplesmente não se separam e vão ser felizes?”.

Quem faz esse tipo de questionamento pertence àquela categoria de pessoas que ignoram (ou negam) a complexidade da alma e das relações humanas. Trata-se da mesma espécie de indivíduos que considera que um dependente químico é apenas uma pessoa que não quer parar de usar drogas. Em suma, são aqueles que não conseguem aceitar o fato de que uma decisão frequentemente deriva da soma de muitos fatores amiúde contraditórios e ambivalentes.

Mas deixemos de lado a crítica a esses idólatras do óbvio e façamos uma reflexão sobre os motivos que levam muitas pessoas a terem tanta dificuldade para romperem relacionamentos insatisfatórios. Como se trata aqui de um artigo e não de um livro, citarei e comentarei apenas três, dentre os vários possíveis.

O primeiro motivo que podemos elencar pode ser resumido no termo “inércia psíquica”. Assim como um corpo qualquer no espaço permanece no estado em que se encontra no momento a menos que seja submetido à ação de alguma força, assim também temos a tendência a manter os mesmos comportamentos e modos de pensar a menos que sejamos “forçados” a fazer alguma alteração. É por conta da inércia psíquica que, diante de um incômodo surgido no contexto de um vínculo amoroso de longo prazo, optamos inicialmente pela adaptação a ele ao invés da separação. Mudar dá trabalho, ou seja, implica em maior gasto de energia, ao passo que a adaptação é menos custosa. De fato, já ouvi de vários pacientes que estavam passando por problemas em seus relacionamentos alegações de que preferiam não terminar porque sentiam certa preguiça ao imaginar que precisariam percorrer mais uma vez todas as etapas de um envolvimento amoroso, desde os primeiros flertes até a consolidação do namoro ou casamento.

Um segundo motivo mais difícil de ser enxergado posto que está relacionado a fatores inconscientes diz respeito ao que poderíamos chamar de “ganho primário”. A clínica psicanalítica tem demonstrado há mais de um século que nossas dificuldades e transtornos emocionais estão geralmente vinculados a experiências e fantasias vivenciadas na relação com nossa família na infância. As contingências da vida familiar infantil produzem em nós determinadas crenças e expectativas sobre as relações com as pessoas de fora da família bem como certas atitudes padronizadas que tendemos a adotar em nossos vínculos amorosos, laborais, de amizade etc. Assim, dependendo de quais tenham sido as experiências e fantasias que tenhamos vivenciado nos primeiros anos de vida, poderemos desenvolver crenças, expectativas e atitudes adoecidas, as quais nos levarão, por sua vez, ao estabelecimento de relações que desde o início foram feitas para “dar errado”. Nesse caso, a dificuldade de terminar não está meramente na inércia psíquica, mas no fato de que, inconscientemente, aquela relação insatisfatória é exatamente a que o sujeito busca para dar vazão às crenças, expectativas e atitudes patológicas estabelecidas na infância. Pessoas que foram vítimas de violência física ou psicológica na infância, por exemplo, podem inconscientemente buscar parcerias com as quais poderão reencenar o cenário de abuso infantil, no qual atuarão novamente como vítimas ou tentarão encarnar o papel de algozes.

O terceiro motivo que podemos listar para a dificuldade de terminar relacionamentos é o que chamamos em Psicanálise de “ganho secundário”. Diferentemente do ganho primário, o ganho secundário não está relacionado às frustrações e sofrimentos presentes na relação, mas justamente às vantagens mais ou menos sutis que ela oferece. Assim como alguém pode desejar permanecer doente para poder faltar ao trabalho, há pessoas que permanecem em relacionamentos tóxicos ou frustrantes em função de certos benefícios que paradoxalmente a relação proporciona. Já atendi vários homens, por exemplo, que, apesar das brigas quase diárias que tinham com suas parceiras, não rompiam o relacionamento alegando que o sexo com elas era incrivelmente bom ou que o fato de serem muito bonitas os fazia se sentirem poderosos. Eventualmente, como no caso desses pacientes, o ganho secundário pode ser bastante claro para o sujeito. Contudo, na maioria das vezes, a pessoa não percebe as vantagens que obtém no relacionamento e, por isso, não consegue entender por que ainda se mantém nele.

Essas são apenas três das diversas razões que tornam difícil para alguém tomar a decisão de se separar. É preciso lembrar que um vínculo amoroso de longo prazo nunca envolve apenas elementos eróticos, mas também aspectos de natureza social, cultural e muitos fatores ligados à história de vida de cada um dos parceiros. Diferentemente do que propõe o espírito de nosso tempo, terminar um relacionamento não é tão simples quanto trocar de celular.


(*) Dr. Lucas Nápoli – Psicólogo/Psicanalista; Doutor em Psicologia Clínica (PUC-RJ); Mestre em Saúde Coletiva (UFRJ); Psicólogo clínico em consultório particular; Psicólogo da UFJF-GV; Professor do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras GV e autor dos livros “A Doença como Manifestação da Vida” (Appris, 2013), “O que um Psicanalista Faz?” (Ebook, 2020) e “Psicanálise em Humanês: 16 Conceitos Psicanalíticos Cruciais Explicados de Maneira Fácil, Clara e Didática” (Ebook, 2020).

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores por não representarem necessariamente a opinião do jornal

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