Suspensão de edital do Programa Lixão Zero é cobrada

Convidados de reunião classificaram como retrocesso programa que prevê a incineração em detrimento da coleta seletiva

necessidade de suspensão e alteração de edital, lançado em Minas Gerais, do Programa Lixão Zero, do governo federal, foi defendida por convidados em audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (14/6/21). 

Eles apontaram problemas sérios no edital, que pode representar um retrocesso na política de resíduos sólidos, ao prever a incineração e não incentivar as práticas de reciclagem e coleta seletiva.

Lançado em abril de 2019 pelo Ministério do Meio Ambiente, o Programa Lixão Zero tem o objetivo de eliminar os lixões existentes e apoiar os municípios para soluções mais adequadas de destinação final dos resíduos sólidos.

Em Minas Gerais, uma das últimas ações vinculadas ao programa foi o lançamento, em maio deste ano, do Edital de Chamada Pública para seleção de projetos de usinas de triagem mecanizadas de resíduos sólidos urbanos. O programa propõe a concessão da gestão de resíduos para a iniciativa privada, com a implantação de usinas que podem gerar energia a partir da queima de resíduos sólidos.

professor da UFMG e membro do Observatório da Reciclagem Solidária, Francisco de Paula Antunes Lima, apresentou as conclusões de uma nota técnica produzida por várias entidades e que apontou as incoerências do edital em relação às diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Entre os problemas pontuados estão: a não inclusão dos catadores de material reciclável e suas cooperativas na proposta de coleta seletiva apresentada; o incentivo à incineração de resíduos com riscos para a saúde humana e o meio ambiente; alto grau de contaminação do composto a ser obtido a partir do tratamento dos resíduos sólidos, entre outros.

Francisco Lima defendeu a alteração do edital e apresentou sugestões de modificações para que os recursos sejam aproveitados de maneira exitosa. “Os lixões são hoje inaceitáveis e devem ser fechados, mas não da maneira que o edital está propondo”, afirmou.

Para o professor, a proposta deveria seguir as várias experiências exitosas no Brasil e no exterior que mostram que o lixo zero é possível, adotando, segundo ele, a coleta seletiva em três frações, a reciclagem e a compostagem. Outras medidas que deveriam estar previstas no edital são a contratação das cooperativas de catadores pelos municípios, a difusão e promoção de experiências de compostagem urbana e o desenvolvimento dos sistemas municipais de coleta seletiva. 

Exclusão de municípios – O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES – Seção MG), Rogério Pena Siqueira, também apresentou os resultados de outra nota técnica com críticas ao edital. Para ele, além dos problemas já apontados, outra grande falha do edital é a exclusão de boa parte da população e dos municípios mineiros.

Segundo ele, ao estabelecer a participação apenas dos municípios que integram consórcios municipais, o edital acaba por excluir mais de 60% da população mineira, sendo dirigido a apenas 14% das cidades mineiras

Já o presidente da Associação Mineira de Municípios, Julvan Rezende Araújo Lacerda, criticou a forma como o edital foi apresentado, sem a discussão com os municípios e com prazos difíceis de ser cumpridos. Ele defendeu a mudança da proposta, para que se encontre uma solução viável, exequível e com responsabilidade social. 

Incineração de resíduos sólidos é proibida em Minas

O representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Gilberto Warley Chagas, também condenou a proposta. Ele apontou que a incineração de lixo em Minas é proibida por lei e agora o programa tenta retornar com essa “tecnologia obsoleta” e nociva ao meio ambiente

“Recebemos com muito espanto essa notícia, que é um grande absurdo, pois desconsidera toda a cadeia de reciclagem existente no Brasil”, apontou. Segundo ele, o Brasil é um grande exemplo de reciclagem no mundo e o programa ignora isso. 

Gilberto Chagas ainda lembrou que a coleta seletiva é hoje uma fonte de trabalho e renda para milhares de famílias. “Nós fazemos um trabalho ambiental, giramos a economia do Estado. Esse programa é uma política do retrocesso”, concluiu.

promotor de Justiça Paulo Cesar Vicente de Lima afirmou que o edital traz a exclusão completa dos catadores de lixo. Ele lembrou a importância do trabalho de coleta seletiva para o sustento de milhares de famílias, em especial no momento econômico difícil devido à pandemia, e defendeu o desenvolvimento de políticas de inclusão dos catadores. Para o promotor, o edital representa uma política social perversa e também defendeu a sua suspensão.

Privatização – O diretor da Associação dos Servidores Municipais de Saneamento (Assemae), Arley Cristiano Silva, falou sobre a experiência de Itaúna (Centro-Oeste), que possui uma gestão de resíduos sólidos reconhecida em todo o País. Segundo ele, a coleta seletiva é feita há mais de 10 anos no município e são 74 famílias cadastradas que tiram seu sustento desse trabalho.

Arley Silva afirmou que o governo federal, ao lançar o edital, não procurou conhecer a realidade dos municípios e verificar como a prestação do serviço é feita. Para ele, o que está por detrás é uma tentativa do governo federal de privatizar o serviço, pois força os municípios a se associar para mais à frente passar a gestão da atividade para a iniciativa privada. 

Deputados criticam ausência do governo estadual no debate

O autor do requerimento, deputado André Quintão (PT), apontou que o edital não seguiu as diretrizes existentes que devem definir as políticas dos resíduos sólidos, além de ter vários equívocos como a não incorporação dos catadores e o não incentivo à reciclagem. “É óbvio que queremos os recursos para fortalecer as políticas de recursos sólidos, mas o edital tem que ser idealizado dentro das diretrizes que hoje já existem”, apontou.

André Quintão leu ainda correspondência do governo estadual, que afirmou não ter participado da elaboração do edital e que os recursos dele são oriundos de acordo do governo federal com a Vale referente ao pagamento de multa ambiental pelo rompimento da barragem em Brumadinho (RMBH). Para ele, o fato de o recurso não ser estadual, não isenta o Estado de participar do debate.

Nesse ponto, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) também criticou a ausência do governo estadual, que, para ela, deveria defender o cumprimento da legislação estadual sobre o manejo dos resíduos sólidos. A parlamentar ainda afirmou que o programa do governo federal representa um verdadeiro retrocesso, inclusive no trabalho educativo feito há anos com a população brasileira de incentivo à separação do lixo orgânico dos resíduos sólidos. 

Requerimentos – No final da audiência, os parlamentares aprovaram uma série de requerimentos com pedidos de providências e solicitação ao Ministério de Meio Ambiente de suspensão do edital.

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