[the_ad id="288653"]

Sistema indenizatório do caso Samarco fecha no dia 29

Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais

BELO HORIZONTE – O controverso sistema criado em 2020 para pagar indenizações individuais aos atingidos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), fecha em 10 dias. O Ministério Público Federal (MPF), no entanto, contesta o sistema indenizatório simplificado (Novel).

Entidades representativas dos atingidos também chegaram a criticar, em diferentes ocasiões, dificuldades envolvendo o sistema. Por outro lado, a maior parte das indenizações individuais pagas até o momento se deu pelo Novel. 

O juiz Vinicius Cobucci, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que assumiu o caso recentemente, adotou uma posição divergente dos magistrados anteriores. Ele determinou, por exemplo, o fechamento do sistema indenizatório. Assim, para Cobucci, o Novel “padece de nulidades absolutas” e “apresenta sinais claros de esgotamento”. Além disso o magistrado estabeleceu que novos registros no sistema poderão ser entraraté as 18h do dia 29 de setembro. Após essa data, porém, somente poderá ocorrer análise dos casos já incluídos. 

MPF

O MPF avalia que a decisão foi abrupta e recorreu. A instituição considera que a situação gera incertezas acerca do processo indenizatório. Achamos que o sistema é ruim, mas, nesse momento de absoluta injustiça, depois de oito anos, ele é o único caminho que leva algum dinheiro para os atingidos”, disse à Agência Brasil o procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva. 

“Realmente pagou para alguns atingidos. Mas pagou para muita gente que não é atingido. E deixou muitos atingidos de fora. É um processo que começa pelo Baixo Guandu, que está longe de ser um dos municípios mais afetados nesta terrível tragédia. E é um modelo sem muitos critérios claros. 

Em sua visão, o fechamento do sistema prejudica moradores de cidades mais afetadas. Ele cita Mariana, Barra Longa e Governador Valadares. “Justamente quando o Novel começava a rodar nesses municípios, veio essa decisão. O MPF recorreu para que as pessoas dessas localidades não sejam tratadas sem a justiça necessária. O Novel tem que continuar aberto para permitir um funcionamento semelhante ao que ocorreu em Baixo Guandu, que evidentemente foi o município mais favorecido”, acrescentou. 

Barragem

A barragem da Samarco se rompeu em novembro de 2015. A estrutura, localizada em Mariana (MG), liberou uma avalanche de rejeitos que alcançou o Rio Doce e escoou até a foz, causando impactos socioambientais e socioeconômicos em dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Dezenove 19 pessoas morreram. 

No início de 2016, o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e as acionistas Vale e BHP Billiton fecharam um acordo. Através dele, nasceu a Fundação Renova, entidade responsável pela gestão de mais de 40 programas, entre os quais o de indenização individual. Assim as três mineradoras devem custear todas as medidas previstas. 

Reflorestamento de áreas atingidas em Mariana – 
Imagem cedida pela Fundação Renova

Morosidade do processo

Quando o Novel surgiu, em 2020, sobravam críticas sobre a morosidade do processo indenizatório implementado até então. Na época, relatórios da Ramboll, uma das consultorias externas independentes que assessoram o MPF, apontavam limitações passados quase cinco anos da tragédia: apenas um terço das famílias cadastradas em toda a bacia do Rio Doce haviam recebido alguma indenização. 

O Novel começou a operar em outubro de 2020, inicialmente para Baixo Guandu (ES) e Naque (MG), conforme decisões do juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, que estava à frente do caso na época. Ele apontou a necessidade de simplificar o processo indenizatório para torná-lo possível e fixou uma tabela com valores pré-definidos para diferentes categorias impactadas. Também determinou que a Fundação Renova criasse uma plataforma online por meio do qual os advogados de cada atingido poderiam apresentar o pedido de adesão de seu cliente. Eles deveriam anexar documentos comprobatórios para serem analisados. 

A Fundação Renova considerou a medida como uma saída para destravar o pagamento das indenizações, permitindo flexibilizar a documentação comprobatória de algumas categorias de atingidos, sobretudo de trabalhadores informais como artesãos, carroceiros, lavadeiras, pescadores, areeiros e outros. Também abriu caminho para o pagamento a donos de pousadas e embarcações. Os valores poderiam variar de R$71 mil até R$ 567,5 mil. 

Gradativamente, mais cidades entraram em novas sentenças assinadas por Mário de Paula. Desta forma, o volume de recursos destinados às indenizações individuais cresceu rapidamente.

Em pouco mais de um ano, o Novel já respondia por mais de 70% de todas as indenizações pagas aos atingidos. Posteriormente, o sistema ampliou o processo para toda a bacia do Rio Doce. Segundo dados de julho, a Fundação Renova já repassou mais de R$ 10 bilhões a cerca de 95,7 mil pessoas. Os números indicam um valor médio de R$ 104 mil por atingido. 

Controvérsias 

Enquanto os pagamentos ocorriam, o Novel foi alvo de críticas e contestações. As controvérsias voltaram na decisão judicial que determinou seu fechamento. O juiz Cobucci reconheceu que a decisão gera inconvenientes, mas afirmou estar convencido de que o sistema não encontra amparo legal. Além disso, ele observou que há um ajuizamento crescente de ações individuais pelos atingidos os quais tiveram seu pleito negado. 

O ponto central do argumento de Cobucci aponta que as comissões de atingidos criadas para pleitear a adesão ao Novel não possuem legitimidade processual. Elas seriam agrupamentos informais e não associações devidamente constituídas na forma fixada pelo Código de Processo Civil. 

O juiz também observou que o funcionamento das comissões foi definido por meio de acordo firmado em 2018 para remodelar a governança do processo de reparação. Conhecido como TAC Gov, ele idealizou as comissões como entidades locais baseadas na auto-organização, por meio das quais os atingidos manifestariam seus anseios e levariam suas demandas ao poder público, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Seria, portanto, uma estrutura extrajudicial. Desta forma, o Novel teria sido criado e estendido a partir do pedido de entidades sem legitimidade para apresentar um pleito judicial, o que torna o sistema nulo. 

Ordem sistêmica

Conforme a decisão do juiz, outro problema seria de ordem sistêmica. Ele observa que o Judiciário não teve qualquer participação na concepção da plataforma, a não ser por meio de diretivas. Todo este trabalho ficou a cargo da Fundação Renova. O juiz pontua que, legalmente, qualquer sistema utilizado pelo Judiciário precisaria ser homologado e estar sob a supervisão do respectivo tribunal. 

Além disso, a instância recursal no âmbito do Novel ficou a cargo da empresa de consultoria Kearney, que foi nomeada pelo juiz Mário de Paula como responsável pela perícia. Na prática, o atingido que tivesse sua adesão negada pela Fundação Renova, poderia apresentar recurso que seria analisado pela Kearney.

Para Cobucci, foram atribuídas prerrogativas que não correspondem à função legal de perito judicial. “A Kearney exerceu atividade de cognição para aferição do direito. A função da perícia é a produção de prova técnica, para a qual o magistrado não dispõe de conhecimentos especializados. Afirmar se o atingido tem ou não direito à indenização é tarefa que cabe ao Judiciário diretamente”, escreveu. 

O juiz também viu problemas no tabelamento de valores por categoria. “Por mais que haja essa otimização da padronização, a situação individual de cada atingido deveria ser analisada de alguma forma”, acrescentou.

Cobucci também escreveu, na decisão, que o sistema surgido com o objetivo de simplificar o processo indenizatório se mostrou burocrático e repleto de regras, registrando ainda desencontro de informações e divergências interpretativas de analistas da Fundação Renova. Em sua visão, a Justiça brasileira tem plenas condições de lidar com as repercussões da tragédia e que a inovação instituída pelo Novel não era necessária. 

Repactuação 

Procurada pela Agência Brasil, a Fundação Renova informou que acatará a decisão e deixará de aceitar novos requerimentos no dia 29 de setembro.

“Até a data estabelecida pela Justiça, o sistema continuará funcionando normalmente para as localidades que ainda não tenham encerrado o prazo de adesão. Também não haverá alterações nos procedimentos”, afirmou.

A entidade também assegurou que a análise de requerimentos já abertos continuará normalmente. A reportagem também procurou as mineradoras para comentar a decisão, mas orientaram a reportagem a entrar em contato com a Fundação Renova, já que a entidade é a administradora do Novel. 

O fechamento do sistema ocorre em um momento onde estão em curso tratativas para uma repactuação do processo de reparação. Passados quase oito anos, há muita insatisfação com as medidas implementadas e acumulam-se ações judiciais envolvendo não apenas questões indenizatórias. Até hoje, as obras de reconstrução das duas comunidades mais destruídas não terminaram.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) chegou a pedir a extinção da Fundação Renova por entender que ela não tem a devida autonomia frente às três mineradoras. 

Os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como o governo federal, também já manifestaram incômodo com o andamento da reparação. Diante deste cenário, as diferentes partes envolvidas discutem um novo acordo que seja capaz de oferecer uma solução para mais de 85 mil processos judiciais que tramitam relacionados à tragédia. A Justiça Federal conduz o acordo. O prazo final para se chegar a um acordo é 5 de dezembro de 2023. 

Recurso 

O MPF, porém, contestou a implantação do Novel em 2020, apontando irregularidades. O MPF ainda considerou alguns valores baixos e criticou a legitimidade processual de comissões de atingidos até então inexistentes. Como a Renova aceitou o Novel sem contestar, para o MPF, criou-se a suspeita de lide simulada, quando há acordo prédio entre advogados de ambas as partes. 

O MPF também contestou a decretação de sigilo pelo juiz Mário de Paula. O MPF observou que dessa forma demais atingidos interessados no processo não poderiam ter acesso às informações. A instituição avaliou ainda que deveria ter-se manifestado antes da tomada de decisão, uma vez que possui a função constitucional de atuar na defesa dos direitos difusos. Na época, uma decisão de segunda instância indeferiu o recurso do MPF.

Em uma reunião ocorrida em maio com os atingidos, o procurador Carlos Bruno levantou a hipótese de que o Novel surgiu para dar uma resposta ao processo aberto no Reino Unido.  

“O objetivo era mostrar ao judiciário inglês que alguma coisa aqui funcionava”, disse na ocasião. Ele se referia à ação movida por atingidos representados pelo escritório Pogust Goodhead. Eles processaram a BHP Billiton, que tem sede em Londres, e argumentaram que a Justiça brasileira era ineficiente.

Com os avanços do Novel, um juiz britânico de primeira instância chegou a determinar o arquivamento do processo. Os atingidos conseguiram depois reverter a decisão. Audiências que vão avaliar se a BHP Billiton, bem como a Vale, têm responsabilidades pela tragédia estão marcadas para outubro de 2024

Entre os atingidos, houve reclamações

“Para quem não teve que correr da lama, que não teve a casa ou as terras duramente afetadas, as quantias podem ser bem-vindas, mas vejo que a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton estão usando o sistema de indenização para divulgar números fabulosos e estimular aqueles atingidos da linha de frente a aderir. Alguns cederam e aderiram, mas é uma proposta de exclusão. Não cobre 10% do meu prejuízo”, disse à Agência Brasil, no ano passado o produtor rural Marino D’Ângelo, integrante da comissão dos atingidos da cidade de Mariana. Ele afirmou que o Novel não atendia de forma justa quem teve os maiores danos. 

Vida suja de lama 

A propriedade de Marino, criador de gado leiteiro no distrito de Paracatu de Baixo, em Mariana, estava no caminho dos rejeitos.

“Entendo que todos têm direito. Em Mariana, todos são de alguma forma atingidos. A prioridade deveria ser indenizar as pessoas que tiveram a vida suja de lama. Nós, que empobrecemos, ainda vivemos uma vida que nos foi imposta. Eu hoje vivo em uma moradia provisória, e minha atividade econômica vive um retrocesso”, afirmou, na ocasião.  

Atingidos chegaram a criticar a atuação do juiz Mário de Paula e apontaram possível alinhamento com os interesses da Fundação Renova. O comportamento do magistrado também levou o MPF e outras instituições de Justiça a apresentaram uma arguição de suspeição para afastá-lo do caso. A Justiça Federal, no entanto, indeferiu o pedido. Mário de Paula deixou o caso apenas em junho do ano passado. Michel Avelar, que acabou sendo também promovido em julho deste ano, o substituiu, permitindo assim a redistribuição do processo para o juiz Vinicius Cobucci.

Mariana 

Epicentro da tragédia, o município de Mariana foi um dos últimos incluídos no sistema Novel, o que ocorreu com uma decisão judicial do juiz federal Mário de Paula, em setembro de 2021. A medida pegou o Ministério Público em Minas Gerais (MPMG) de surpresa. Isso, porque, diferentemente do que ocorria em todas as demais cidades da bacia do Rio Doce, as indenizações dos moradores de Mariana até então vinham sendo tratadas exclusivamente na Justiça estadual. A inclusão de Mariana no Novel atendeu pedido judicial feito por uma nova comissão de atingidos registrada em cartório meses antes da decisão. 

“A comissão, que foi constituída para validar esse processo em Mariana, é ilegítima. Ela não foi eleita pela comunidade”, criticou, na época, o morador Marino D’Ângelo. Após a tragédia, Mariana havia sido a primeira cidade a ter uma comissão de atingidos, que foi constituída a partir de assembleias abertas a participação de todos os moradores dos distritos devastados. O exemplo foi seguido por outras cidades. 

Bacia do Rio Doce

Com o surgimento do Novel, diversas novas comissões ao longo da bacia do Rio Doce foram sendo registradas em cartório, muitas das quais foram formadas por poucas pessoas, sem deliberação pública.

Para o procurador Carlos Bruno, todo atingido tem direito de apresentar suas reivindicações e de se organizar, mas ele pontua que pequenos grupos não podem pretender representar toda a região onde atuam. Ele diz que o MPF vem trabalhando com assessorias técnicas escolhidas pelos próprios atingidos em busca de um caminho para unificar todas as comissões de cada território. O procurador defende a organização popular e democrática. 

“Quando algumas comissões tem o privilégio de ascender em alguns espaços, como por exemplo, peticionar nos autos e ser representante no Novel, se permite que essas comissões, que não estão abertas à população como um todo, ganhem posições de destaque. Então, para mim, o caminho para as comissões serem cada vez mais populares é aumentar a democracia interna”, destacou o procurador. 

Comments 1

  1. RHILDO DALFIÔR says:

    Caso como pessoas que esta com o prossesso em andamento e não foram contracto contactado; como sera resolvido?
    Falaram que iriam entrar em contato e até agora não o fizeram.
    Att.

    Rhildo Dalfior.’.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[the_ad_placement id="home-abaixo-da-linha-2"]

LEIA TAMBÉM