Pesquisadores analisaram dados de municípios brasileiros entre 2010 e 2020
GOVERNADOR VALADARES – Governador Valadares é uma das cidades que mais sofreram economicamente com o desastre de Mariana, ocorrido em novembro de 2015, quando a barragem de Fundão da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, se rompeu em Mariana. Um estudo realizado pela economista Isabella Carraro Azevedo Batista e pelo professor e economista Vinícius de Azevedo Couto Firme, da Universidade Federal de Juiz de Fora – campus Governador Valadares (UFJF-GV), aponta que as perdas acumuladas no Produto Interno Bruto (PIB) local nos cinco anos após o rompimento podem chegar a 23%.
O levantamento é fruto de um trabalho acadêmico, recentemente publicado, neste mês, na revista Review of Spatial Economic Analysis. Utilizando um modelo estatístico chamado “painel-espacial com diferença-em-diferenças”, os pesquisadores analisaram dados de municípios brasileiros entre 2010 e 2020.
A pesquisa, que surgiu de um projeto de iniciação científica e da monografia de Isabella, utilizou o modelo estatístico para comparar municípios potencialmente afetados pelo desastre (situados em Minas Gerais e Espírito Santo) com outros de São Paulo e Rio de Janeiro, considerados como grupo de controle.
A análise identificou que as perdas médias em Minas Gerais e Espírito Santo chegaram a 5,8% do PIB após três anos, 8,5% após quatro anos e 11,3% após cinco anos. Nas proximidades do Rio Doce, epicentro do desastre, as perdas foram ainda mais graves, atingindo entre 18% e 23% do PIB local.
Sobre a pesquisa
Para entender o impacto real do desastre de Mariana na economia de Governador Valadares, os pesquisadores da UFJF-GV usaram o modelo econométrico aplicado chamado de painel-espacial com diferença-em-diferenças. Isso permitiu isolar os efeitos diretos do rompimento da barragem sobre os municípios atingidos; a metodologia combina informações de tempo e espaço, ou seja, analisa o comportamento de diferentes cidades ao longo do tempo e compara aquelas impactadas diretamente com outras de perfil semelhante que não sofreram com o desastre.
Segundo o professor Vinícius Firme, o grande diferencial do estudo foi justamente a robustez da análise:
“A ideia é análoga aos testes de novos medicamentos. Onde um grupo recebe o fármaco em teste (grupo tratamento) e o outro fica com algum tipo de placebo (grupo controle). Tal metodologia já havia sido empregada por outros autores, citados em nosso estudo, inclusive para o caso de Mariana. Todavia, nenhum deles admitiu a possibilidade de que o efeito deste desastre pudesse se alastrar para locais mais distantes. No caso da nossa pesquisa, assumimos que todos os municípios de Minas Gerais e Espírito Santo poderiam ter sido prejudicados (porém, com diferentes intensidades) e optamos por compará-los com os municípios dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Grupo Controle). Os resultados indicam que os prejuízos econômicos, gerados pelo rompimento da barragem de Mariana, foram mais fortes nas proximidades do Rio Doce (epicentro) e se espalharam por todos os municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, porém, perderam intensidade conforme a distância, em relação ao epicentro, aumentava. Neste contexto, todas as cidades de Minas Gerais e Espírito Santo (inclusive as mais afastadas do desastre) deveriam receber algum tipo de compensação”.
Sobre a pesquisa, vale a pena destacar que a pandemia de COVID-19 pode ter distorcido as estimativas para o ano de 2020 (5 anos pós-desastre) e que o setor industrial da região já estava em declínio mesmo antes de 2015 (ano do rompimento da barragem de Mariana), o que pode ter amplificado as perdas no setor. Apesar da ressalva feita pelos pesquisadores, o estudo aponta que os prejuízos econômicos após o rompimento da barragem são inegáveis.
Valadares no epicentro
O estudo mostra que Governador Valadares está entre os municípios mais atingidos. Isso não apenas pela proximidade geográfica do desastre, mas também pelo peso econômico e social da cidade na região Leste de Minas. Os danos econômicos somam entre R$ 6,4 bilhões e R$ 9,7 bilhões – uma média de R$ 17,8 mil a R$ 38,1 mil por morador.
Além disso, o estudo também aborda que perdas não foram apenas imediatas. O impacto foi se acumulando. Não é como se o desastre tivesse sido um choque pontual. Ele interrompeu cadeias de produção, impactou o capital social e a confiança da população.
“Em Valadares, a Indústria foi afetada pela quebra nas cadeias produtivas e pela redução de investimentos, enquanto o setor de Serviços viu uma redução no consumo interno e retração do comércio, além da sobrecarga do sistema de saúde. Esses impactos foram persistentes no decorrer dos anos após o desastre, o que mostra a gravidade dos efeitos econômicos na cidade”, explica Isabella.
Impacto em setores chave da economia
O professor Vinícius detalha que, entre 2016 e 2020, a indústria valadarense teve queda de até 43%. A agropecuária retraiu 37% e o setor de serviços perdeu 12%.
“A cidade de Governador Valadares é cortada pelo Rio Doce e faz parte do grupo mais afetado pelo desastre de Mariana, denominado “epicentro” em nossa pesquisa. Os resultados sugerem que as perdas no epicentro ocorreram em todos os segmentos produtivos. Nestas localidades (onde Governador Valadares está incluída), verificou-se uma redução na atividade industrial de 33% a 43%, entre os 3 e 5 anos pós-desastre. Estas perdas oscilaram entre 32% e 37%, na agropecuária, e ficaram entre 9% e 12%, no setor de serviços. Como o último levantamento do Grupo de Análise Econômica Local – GAEL, fomentado pela UFJF-GV, revelou que a economia valadarense é bastante concentrada no setor de serviços, é possível que os prejuízos tenham sido, relativamente, mais brandos na cidade, quando comparados às demais localidades do epicentro deste desastre. Ainda assim, seriam mais severos que quaisquer outras cidades não banhadas pelo Rio Doce”, analisou o professor.
Proposta de redistribuição
Em meio ao processo de repactuação judicial do acordo de reparação, que pode chegar a R$ 170 bilhões, os pesquisadores defendem que os valores devem ser distribuídos com base nos prejuízos reais.
“Como Valadares está entre as mais afetadas e possui a maior população, dentre as cidades banhadas pelo Rio Doce, certamente, deveria receber um importante aporte financeiro para fins de reparação econômica. Um cálculo rápido, com base no acordo de R$ 170 bilhões, na população valadarense verificada pelo IBGE em 2022 (257.171 habitantes), e no prejuízo estimado em nossa pesquisa, para as cidades banhadas pelo Rio Doce, no valor de R$ 19,9 mil per capita, nota-se que a cidade deveria receber pouco mais de R$ 5,11 bilhões, como forma de reparação. Embora importante, este valor fica aquém do prejuízo estimado em nossa pesquisa, para os municípios localizados no epicentro do desastre, cujo valor per capita deveria ser superior a R$ 25,2 mil, porém inferior a R$ 38,1 mil (o que representaria um total entre R$ 6,47 e R$ 9,79 bilhões, respectivamente)”, destacou Vinicius Firme.
Isabella Carraro complementa enfatizando que “o ideal é fazer uma revisão do valor total estipulado pelo acordo, considerando as perdas reais e que foram crescendo ao longo dos anos depois do desastre. Novamente, investimentos de longo prazo em áreas como saneamento, saúde, meio ambiente e o apoio efetivo às comunidades dependentes do rio Doce, são essenciais para garantir, de fato, que as medidas reparadoras sejam apropriadas ao impacto real”.
Quando o tempo só piora as coisas
A pesquisa chama atenção para o conceito de histerese econômica – quando uma economia sofre um choque e não consegue retornar ao patamar anterior.
“O que me chamou mais a atenção foi que os efeitos econômicos negativos do desastre aumentaram ao longo dos anos, ao invés de diminuírem. Porque, normalmente, após um desastre, a gente espera que os investimentos para ajudar a região reduzam os impactos. Mas não foi o que aconteceu em Valadares e nas regiões próximas ao Rio Doce, mesmo com algumas medidas reparatórias já implementadas. O que reforça a necessidade de uma reavaliação das indenizações, para que elas sejam determinadas de maneira mais adequada à cada região”, explicou Isabella Carraro.
“Isto ocorre porque o crescimento de longo prazo depende da produtividade local e trabalhadores que ficam muito tempo desempregados (como é comum em longos períodos recessivos) tendem a perder habilidades, tornando-se menos produtivos quando são recontratados (após o período recessivo). A ideia aqui é relativamente simples. Um trabalhador, que usa uma enxada, dificilmente terá a mesma habilidade após anos desempregado. Da mesma forma, é provável que um professor esqueça parte do conteúdo após ficar muito tempo afastado das salas de aula. Em termos coletivos, este fenômeno poderia reduzir a produtividade média do valadarense, comprometendo o crescimento econômico da região de forma duradoura”, complementou Vinicius de Azevedo.
Para os pesquisadores, o estudo não deve ficar apenas nas páginas acadêmicas. Eles esperam que a divulgação ajude a mobilizar lideranças, associações civis, políticos e a própria população valadarense. Segundo Isabella, o estudo apresenta “várias informações com embasamento concreto, o que garante uma análise mais apropriada e real dos impactos econômicos do desastre e, consequentemente, de uma distribuição de indenizações que sejam coerentes com o efeito direto e indireto causado nas regiões mais afetadas”.
“Os resultados precisam ser disseminados, junto à população atingida, para que os indivíduos tenham plena consciência dos prejuízos causados, da necessidade real de reparação e de como a falta de uma indenização adequada poderia comprometer a prosperidade econômica local ao longo do tempo. Acredito que pessoas mais conscientes e bem informadas, saibam cobrar melhor das autoridades locais, que, impelidas pela pressão popular e municiadas de pesquisas sérias, ficariam mais confiantes para exigir melhorias junto às esferas superiores. Neste caso, sinto que tanto a academia quanto a sociedade valadarense teriam cumprido seu papel”, enfatizou Vinicius.









