Talvez a maioria dos leitores não esteja familiarizada com essa letra, mas tenho certeza de que a melodia seria inegavelmente reconhecível e muitos até saberiam cantar o refrão da versão traduzida: “São os caçadores de aventuras! Uh-uh! Todos eles são grandes figuras! Uh-uh! Por isso a garotada só quer: DuckTales! Uh-uh!”
DuckTales foi um desenho da Disney que marcou a infância da maioria das crianças dos anos 1980 e 1990. Nele era possível acompanhar as incríveis aventuras do Tio Patinhas (no original Uncle Scrooge McDuck), os trigêmeos Huguinho, Zezinho e Luizinho (Huey, Dewey & Louie) junto da sua amiga Patrícia (Webby), normalmente sendo conduzidos pelo desastrado piloto Capitão Boing (Launchpad McQuack). Esse desenho foi tão bem-sucedido, que lançou uma era de ouro de animações de Disney com um tom mais aventuresco: Darkwing Duck, A Turma do Pateta, Os Gárgulas, Bonkers, Tico & Teco e Os Defensores da Lei, Jovem Hércules, Aladdin, TV Quack e tantos outros.
Foi anunciado que, neste mês de Abril, a Disney+ pretende disponibilizar para seus assinantes uma grande parte desses títulos.
Como um filho dos últimos suspiros da década de 1980, eu fui um grande fã dos muitos dessas animações. Ele povoaram os programas matinais. E quem da minha época pode esquecer da saudosa TV Cruj, que só passava desenhos da Disney?
Sim, eu adorava essas animações, mas acho que nenhum foi maior que DuckTales, Os Caçadores de Aventura. Por isso fiquei preocupado quando, em 2017, foi anunciada uma nova série, um reboot da franquia.
Isso normalmente não é uma boa notícia.
Nesses últimos tempos, de notória crise criativa, nós temos visto a ressurreição (seja como reboot ou como continuação) de vários filmes e/ou séries. Claro que um ou outro salva (até alguns que são maravilhosos), mas esses são a exceção, porque, via de regra, esses “zumbis da nostalgia” são só um meio preguiçoso e rápido de conseguir dinheiro para os envolvidos. Inclusive, seria melhor se você, fã, simplesmente ignorasse.
Felizmente, o novo DuckTales faz parte da exceção e não da regra.
Em 2017 fui acompanhando todos detalhes que iam saindo dessa nova produção, e tudo só me deixava mais animado para sua estreia.
Primeiro era o novo estilo de arte, mais próximo dos quadrinhos, mídia onde Scrooge McDuck/Tio Patinhas é um personagem mais bem desenvolvido.
Depois foram as escolhas das vozes para os personagens, um elenco de veteranos da comédia, e nenhum me animou mais que David Tennant (famoso por muitos papéis, mas especialmente como o 10º Doutor, em Doctor Who, série de que sou particularmente fã) como o protagonista. Ou seja, finalmente tínhamos um escocês fazendo a voz de Scrooge McDuck.
Terceiro foi a nova versão da música tema. Esse tema de abertura sempre foi um sucesso, mas a versão nova conseguiu deixar ela ainda mais empolgante e quase impossível de não cantar junto daquela melodia tão conhecida.
Quarto foi a repaginada nos personagens clássicos: finalmente, cada um dos trigêmeos seria seu próprio personagem (com sua própria personalidade), não apenas o mesmo ser repetido três vezes (inclusive com a mesma voz) cuja única diferença era a cor da roupa (idêntica para os três); Webby/Patrícia não seria mais o estereótipo de menininha, mas sim uma mais que competente aventureira; e o mais importante: Donald Duck!
O lendário personagem é uma ausência notável no desenho original, deixando os trigêmeos (seus sobrinhos e filhos da sua irmã) aos cuidados do seu Tio Patinhas no primeiro episódio e ficando por isso mesmo. Existem várias teorias de porque Donald não era uma presença na série: alguns diziam que ele era um personagem grande demais e o estúdio queria evitar gastá-lo em um projeto experimental (afinal, era um formato novo para Disney na época); outros falavam que a sua voz ininteligível era o problema; e sempre existe a teoria de que a Disney boicota o Donald porque ele é mais popular que o Mickey e eles precisam que seu mascote oficial esteja sempre com mais foco que o resto (mesmo eu sendo do time que acha o Mickey, um personagem completamente sem sal). Mas fosse qual fosse o motivo, Donald Duck não estava na série original.
O reboot corrigiria isso: ele assumiria seu lugar como figura paterna dos trigêmeos, um personagem integral à série. Talvez o principal, mas não o único, indicativo de qual seria a fundação da série: as aventuras estariam em seu cerne, é claro, mas a fundação da série iria ser a temática de família, de legado, de gerações.
Quando o primeiro episódio finalmente saiu, em agosto de 2017, ele teve 44 minutos (o dobro que um episódio normal da série teria) e era perfeitamente intitulado “Woo-oo!”. Ele não decepcionou. Desde a saída, o novo “Ducktales” já dizia a que tinha vindo. Sim, era cheio de referências e easter-eggs para os fãs de longa data (fossem da série original, fossem dos quadrinhos), mas definitivamente algo único, algo novo, algo digno de ser acompanhado. Um desenho com elementos para agradar crianças e adultos, fãs novos e antigos. Algo ciente do seu legado, mas algo próprio.
E esse tom se manteve consistente durante todas as três temporadas que a série teve.
Nesse meio tempo eles trouxeram personagens clássicos de volta, mas com todo um ar novo.
A série faz um ótimo trabalho com os vilões, sendo que muito dos clássicos tomam um lugar de destaque na nova trama: como não podia faltar, os irmãos Metralha (The Beagle Boys no original), os “suspeitos de sempre” do que a própria Disney chama de “Universo Donald Duck”, estão de volta, liderados pela sempre divertida Mamãe Metralha (Ma Beagle); o arqui-inimigo de Patinhas conhecido como Pão-Duro MacMônei (Flintheart Glomgold) está especialmente engraçado; Dora Cintilante (Goldie O’Gilt) volta no papel de anti-heroína, rival e interesse romântico de Patinhas; Maga Patalójika (Magica De Spell), possivelmente a mais poderosa vilã da série, está no ápice de sua forma cômica e maligna, fazendo jus à sua fama.
Além dos vilões, os aliados clássicos também estão de volta. Nomes como Capitão Boing (Launchpad McQuack), Madame Patilda (Bentina Beakley), Robô Pato (Gizmoduck), Professor Pardal (Gyro Gearloose), todos recebem seus próprios arcos de história profundamente instigantes. O próprio (e lendário) Darkwing Duck é um elemento que começa como um easter-egg e vai crescendo na série até ganhar seu próprio arco de história em um episódio especial na terceira temporada, também perfeitamente intitulado “Let’s Get Dangerous!” (e há boatos de que esse será uma porta de entrada para um reboot da sua própria série; admito que sou um dos que nutrem essa esperança).
Sem falar nas inúmeras referências e aparições especiais de outros personagens da Disney: Pateta, Tico, Teco, os Defensores da Lei, Bonkers, Ursinhos Gummi, Zé Carioca, Panchito, Gastão, Peninha, Margarida e tantos outros.
Isso não significa que não haja espaço para novos personagens, como o vilão Mark Beaks, dono de uma megacorporação de tecnologia; o estranho e engraçado aliado Manny, que é basicamente um cavalo sem cabeça (é um personagem difícil de explicar, mas uma excelente aquisição para o elenco); a jovem Lena e seu arco de redenção…
Eu escrevo essa resenha após (finalmente) conseguir ver o último episódio do desenho (que foi lançado dia 15/03). Fico um pouco triste por a série ter acabado tão rápido, depois de apenas três temporadas, sendo que tinha potencial para muito mais. Porém, fico feliz com a qualidade dessas três temporadas que tivemos: o último episódio (que como o primeiro é um especial de 44 minutos) dá um fim mais que adequado para a série, trazendo todos os elementos de volta e amarrando a história firmemente. Todos os personagens centrais ganham sua devida chance de brilhar. Há uma última referência/easter-egg inesperado (nesse caso a “Os Gárgulas”), sem falar em bela cena final de créditos.
Então, fica aqui a indicação. Seja para você que, como eu, quer curtir a nostalgia com todos benefícios de uma (bem-feita) série atual, seja para você que quer algo para curtir com seu filho (com personagens que você possa dizer que fez parte da infância dos dois) ou para você que só quer algo bom para assistir. Eu não vejo porque não embarcar nessa aventura chamada DuckTales! (Woo-oo!)
(*) Nascido em Governador Valadares e atualmente residente em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica se traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário.
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