Personagens femininas não são exatamente uma novidade em jogos de videogame, mas a maneira que as mulheres são retratadas neles vem mudando consideravelmente, em especial na última década. Um exemplo disso é o sucesso da heroína Aloy, protagonista da série “Horizon”, cujo segundo título “Forbidden West” chegou aos consoles PlayStation 4 e 5 na última sexta-feira (18).
Desde o jogo de estreia da franquia (“Zero Dawn”, de 2017), a personagem, uma jovem independente, forte, inteligente e decidida, se notabilizou por quebrar padrões que por muito tempo perduraram –e, de certa forma, ainda existem— na representação de mulheres nos games.
Salvo por raras exceções, os jogos lançados dos anos 1980 até os primeiros anos do século 21 costumavam encaixar as personagens femininas em dois perfis.
Eram “donzelas em apuros”, que precisavam ser salvas pelo protagonista (Zelda e princesa Peach são alguns exemplos), ou personagens hipersexualizadas, com poucas roupas e corpo sensual (caso da maioria das lutadoras de “Mortal Kombat” e “Street Fighter”).
A representação feminina nos games virou tese de doutorado nos EUA. Teresa Lynch, pesquisadora da Universidade de Indiana, analisou as características de 571 personagens femininas jogáveis em jogos lançados de 1989 a 2014. Duas conclusões: o pico da tendência de hipersexualização das mulheres nos games se deu em 1995 e vem diminuindo desde então; atualmente, ainda há exemplos de objetificação de mulheres, principalmente quando elas ocupam a posição de personagens secundárias.
Uma personagem que explicita essa mudança de tendência é Lara Croft, da série “Tomb Raider”. O “corpão violão”, com cintura fina e peitos exageradamente grandes –que, segundo Lynch, surgiram como uma piada machista dos desenvolvedores do jogo—, foi a marca da heroína de 1996 a 2013, quando a série finalmente passou por um “reboot”, apresentando uma nova Lara Croft, com visual com proporções mais fiéis à realidade e menos sexualizado.
Um dos motivos para essa mudança pode estar na maior presença de mulheres trabalhando na indústria de videogames.
A participação feminina, apesar de ainda ser baixa, subiu de 11,5% em 2005 para 22% em 2014, chegando a 30% em 2021, segundo relatório da IDGA (Associação Internacional de Desenvolvedores de Jogos).
Além disso, para Lynch, existe um reconhecimento dentro e fora da indústria de videogames de que essa realidade precisa mudar. “Acho que as pessoas estão vendo as críticas à hipersexualização de personagens femininas como legítimas”, afirma a pesquisadora à reportagem.
Ela destaca também que “há muito trabalho bom acontecendo na indústria de videogames, com pesquisadores inteligentes e atenciosos trabalhando em colaboração com desenvolvedores para ajudar a reduzir a prevalência de conteúdo que pode desumanizar ou depreciar as pessoas”.
Ainda assim, há um longo caminho pela frente para que os games tenham representatividade proporcional entre homens e mulheres. Não só por protagonistas femininas como Aloy, Ellie (de “The Last of Us”) e Jesse Faden (“Control”) ainda serem raridade, mas principalmente por causa da dificuldade que as mulheres encontram para se fazerem ouvir em uma indústria que reiteradamente é notícia por casos de assédio sexual e misoginia. TIAGO RIBAS/FOLHAPRESS