Morre Chicão, líder dos camponeses do Vale do Rio Doce

Participação de Chicão em favor de sem terras é relatada em livros. FOTO: ?Divulgação

Algumas mulheres e homens nascem para fazer a diferença na história. Esse é o caso do líder camponês Francisco Raymundo da Paixão, mais conhecido como Chicão, que faleceu no dia 8 de janeiro, aos 87 anos, em Anápolis – GO. Conforme conta o jornalista Carlos Olavo, diretor do jornal “O Combate”, certo dia ele recebeu a visita de um homem chamado Chicão, solicitando ajuda para sepultar uma filha. Esse homem de origem rural retornou ao jornal para solicitar apoio para se estabelecer como sapateiro. A solidariedade de comerciantes possibilitou que Chicão abrisse uma sapataria na praça do bairro Santa Terezinha, onde também passou a residir. Era um homem determinado, que não se conformava com a exploração dos mais fracos.

Em novembro de 1961, quando do Primeiro Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, realizado em Belo Horizonte, Chicão foi convidado a participar. Duas teses se confrontaram no congresso: de um lado, os comunistas do PCB defendiam que a luta deveria ser pela sindicalização e pelos direitos trabalhistas para os trabalhadores rurais; mais radical e vitoriosa foi a tese das Ligas Camponesas, que pode ser resumida na palavra de ordem “Reforma Agrária na Lei ou na Marra”. Ao retornar de Belo Horizonte, as lideranças vinculadas ao PCB tiveram dificuldade em implantar a tese das Ligas Camponesas. Foi, então, que Chicão assumiu a liderança, deixou a orientação dos comunistas e aderiu às Ligas Camponesas. Ele passou a se dedicar de corpo e alma ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, um dos primeiros do Brasil. Em menos de dois meses à frente do sindicato, a adesão foi de mais de duas mil pessoas.

Carlos Olavo relata que foi em uma discussão na porta do sindicato que nasceu a ideia de começar a reforma agrária pela Fazenda do Ministério, que estava abandonada e nada produzia. Chicão acolheu a ideia e disse que o sindicato reivindicaria do governo João Goulart que ela se constituísse no início da reforma agrária no Vale do Rio Doce. Foi elaborado um plano que previa assentar cerca de 300 famílias. O assentamento deveria contar com os serviços de assistência técnica permanente aos lavradores, se organizar numa cooperativa de produção e consumo e contar com escola primária e escola técnica de aprendizagem agrícola para os filhos dos camponeses. Entretanto, os fazendeiros diziam que “o plano era inexequível e não passava de jogada demagógica de Chicão para agitar as massas e provocar invasão generalizada nas fazendas da região, causando conflitos imprevisíveis”. Quando o Governo Federal acatou o plano apresentado por Chicão, cresceu a reação dos fazendeiros.

Na verdade, a liderança de Chicão foi o elemento que faltava para catalisar o movimento social rural que havia surgido em meados da década de 1950, com a organização dos camponeses contra os despejos e grilagem de terras. Os camponeses eram acusados de ser invasores de terra, quando a realidade era o oposto: terras camponesas eram griladas por gente poderosa, que vinha para a região tomar terras e, para isso, contava com apoio de políticos influentes no Governo Estadual, dinheiro e pistoleiros. A luta também era travada no campo do discurso e representação. Acusar os camponeses de invasores de terra facilitava a grilagem. As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas pelo processo de ocupação das florestas do Vale do Rio Doce pelos camponeses, mas as duas décadas seguintes assistiram à progressiva expulsão (despejos) dos posseiros de suas terras e substituição da posse pela propriedade privada, bem como a substituição das lavouras diversas, criações, alambiques, engenhos, produção de farinha etc. da economia camponesa por grandes fazendas cobertas de capim colonião para engordar gado bovino.

Foi contra essa situação que se levantaram os camponeses. O primeiro grande episódio ocorreu em 1955, quando os camponeses vindos de toda a região marcharam pelas ruas centrais de Governador Valadares. O prefeito Ladislau Sales apoiou a manifestação, que levava à frente uma faixa com a frase: “Reforma Agrária para Fartura na Cidade”. Não somente o prefeito apoiou, mas uma boa parte dos comerciantes, pois eram os milhares de camponeses que traziam sua produção e movimentavam o comércio local. No início da década de 1960 o movimento cresceu na cidade, pois todos os dias chegavam pessoas expulsas de suas posses ou pequenas propriedades; também chegavam aqueles que eram obrigados a vender suas terras para um fazendeiro, madeireiro ou para a Companhia Belgo Mineira. O que se dizia comumente era que se o dono não vendesse a viúva vendia. Foi contra isso que se destacou Chicão, pela liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, na luta contra a grilagem e pela reforma agrária. O deputado federal Cunha Bueno conseguiu aprovar uma resolução, em 2 de março de 1964, para uma CPI investigar as origens, a natureza e a profundidade da agitação reinante no meio rural, especificamente na região de Governador Valadares, em Minas Gerais. Entretanto, tudo foi interrompido pelo Golpe de 1964. Chicão, juntamente com Carlos Olavo, foi retirado de Governador Valadares por um oficial do Sexto-Batalhão de Polícia Militar, por ordem do próprio governador Magalhães Pinto, antes de desencadear o golpe. De Belo Horizonte, os dois foram para o exílio. Em 8 de janeiro, o Brasil perdeu um importante nome da sua história contemporânea.

Prof. Dr. Haruf Salmen Espíndola | Professor do Curso de Direito da Univale | Professor do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território – GIT | Doutor em História pela USP

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