Há uma semana, feminicídio chocava São José do Jacuri

Moradores da pequena cidade do Vale do Rio Doce ainda sentem o reflexo do crime envolvendo o até então secretário municipal de Esportes, que matou a ex-namorada, que trabalhava como recepcionista na Secretaria Municipal de Saúde

O crime que chocou a cidade de São José do Jacuri completa uma semana neste domingo (18). Anderson Christian de Oliveira, 37 anos, matou com três tiros a ex-namorada Natália Epifânia de Oliveira, 23 anos, por causa de ciúme e por não aceitar o fim do relacionamento. O crime, enquadrado como feminicídio, destruiu sonhos e planos de uma jovem e ainda repercute entre os moradores da cidade.

O prefeito de São José do Jacuri, Cláudio da Juca (DEM), disse que o assassinato de Natália ainda tem sido muito falado na cidade. Segundo disse, ela era muito querida e uma ótima funcionária. Por trabalhar na recepção da Secretaria Municipal de Saúde, tinha contato com muita gente diariamente. Para ele, foi uma perda irreparável.

Já os familiares e amigos de Natália ainda estão muito abalados com o crime e não se conformam com o que aconteceu. A prisão de Anderson, dois dias após o crime, trouxe certo alívio e o sentimento de que a justiça poderá ser feita. Mas a tristeza da perda de uma pessoa querida permanece.

Neide Coelho, prima de Natália, disse que não se lembra de um crime com tanta repercussão na cidade como o que foi cometido por Anderson. Ela chegou a citar um caso que aconteceu há cerca de cinco anos, quando um homem matou a esposa, na zona rural de São José do Jacuri, mas que não repercutiu tanto.

Segundo Neide, a família de Natália ainda está muito abalada, bem como a cidade e a região, pois o sonho de uma menina tão nova foi destruído, e amigos e familiares estão sofrendo muito. “Foi um crime de grande repercussão. Jamais imaginava que isso pudesse acontecer. Uma menina meiga, educada, inteligente, humilde e cheia de sonhos”, revela.

Thayná Cristiano, amiga de Natália há pelo menos 17 anos, diz que ela era uma pessoa especial e de fácil relacionamento. “Ela era uma pessoa muito humilde, educada, meiga, bonita, extremamente preocupada com a família e com a irmã. Ela tinha muita luz, não tinha alguém que não gostasse dela. Onde ela chegava, todo mundo gostava dela; era fácil de fazer amizade.”

Thayná também revela que a Natália era uma menina sonhadora e que tinha a certeza de que ela conseguiria atingir os objetivos na vida. “Ela estava cursando administração e era recepcionista na área da saúde aqui no município. Chegou a fazer uma entrevista no Itaú e estava cheia de planos para conquistar algo maior, alcançar as metas dela, e também tinha vontade de se mudar para os Estados Unidos.”

Sobre o relacionamento de Natália e Anderson, a amiga disse que durou cerca de três anos, com idas e vindas, mas que acabou há seis meses. “A Natália iniciou o namoro com ele no final de 2017. Ele sempre a traiu, a Natália sabia, mas ele tinha a famosa lábia e sempre a convenceu de ficar. Ela não gostava de ficar sozinha. Todo o círculo de amigos dela estava namorando ou casando. Então, acredito que, além de gostar dele, ela via companhia para não ficar só. Ele a manipulava e tentou afastar a Natália de nós, e ela acabou ficando dependente dele. Terminaram e voltaram várias vezes, sempre muito instáveis.”

Ainda de acordo com a Thayná, na última vez que o relacionamento terminou, em dezembro do ano passado, a decisão partiu do Anderson, que foi ficar com outra pessoa. Com essa situação, Natália sofreu demais e teve que superar isso. Após um tempo, Anderson foi atrás da ex-namorada para tentar voltar, inclusive procurando a família dela e pedindo desculpas. “Mas aí já era tarde, Natália percebeu que conseguia viver uma vida sem ele. Ela passou a se arrumar, a ir para festas, sair com amigos. Estava linda e ele viu que ela estava feliz, que ela conseguia viver sem ele.”

Segundo Thayná, Natália se reaproximou de Anderson a pedido da família dele, mas ela decidiu que não queria mais se relacionar. Ele pedia para voltar e ela não aceitou, disse que na hora que ele precisasse poderia contar com ela, mas que seriam apenas amigos. “Provavelmente, ele não aceitou isso, foi criando coisas na mente dele e talvez tenha pensado que se ela não quisesse ficar com ele, também não ficaria com mais ninguém, então cometeu o crime.”

Antes de se relacionar com Natália, Anderson teve um relacionamento com outra pessoa e chegou a morar nos Estados Unidos. Desse relacionamento veio o filho, que atualmente tem 13 anos. Após voltar ao Brasil, foi servidor municipal em São José do Jacuri e chegou a ser secretário municipal interino de Educação, sendo depois nomeado secretário municipal de Esportes, em janeiro deste ano. Após o crime, o prefeito de São José do Jacuri, Cláudio da Juca, o exonerou do cargo.

Procurados pelo DRD, alguns amigos e colegas de trabalho de Anderson não quiseram falar sobre ele.

Preso no fim da tarde da última terça-feira (13), em um motel no centro de Vitória, Espírito Santo, Anderson ainda permanece no Centro de Triagem de Viana (ES). Segundo o delegado Rodrigo Nalon, ele será transferido para a comarca de Peçanha, já que o pedido foi emitido para a Secretaria de Justiça. Se condenado, Anderson pode pegar de 12 a 30 anos de prisão.

Delegada fala da importância das denúncias

A delegada Carolina Bomfim Queiroga Gabler é titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), em Governador Valadares. Ela destaca que durante a pandemia houve um aumento nos casos de violência doméstica contra a mulher, criança, adolescente, idoso e portadores de deficiência, e ressalta a importância das denúncias.

“É importante ressaltar a necessidade de comunicação dos casos de violência doméstica, sobretudo neste momento de isolamento social, em especial porque muitos dos recursos aos quais as vítimas recorrem, como serviços de saúde, que devem notificar compulsoriamente os casos de violência doméstica, encontram-se fechados ou com atendimento restrito, o que agrava sobremaneira a atuação preventiva nos casos de violência doméstica e familiar”, disse.

A delegada lembrou que, para combater esse aumento de violência doméstica, o Congresso Nacional aprovou e o presidente da República sancionou a Lei n 14.022/2020, que “estabelece o atendimento ininterrupto, inclusive presencial, bem como a disponibilização de canais de atendimento virtuais para garantir a manutenção de atendimento e comunicação dos casos de violência doméstica, agendamento e solicitação de medidas protetivas”.

Para as pessoas que desejam fazer uma denúncia e ter um atendimento, a delegada ressalta que em Governador Valadares existem alguns canais de contato. “A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), por meio da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), implantou, em abril deste ano, a plataforma de agendamento on-line no site https://deamgv.reservio.com. Além disso, foi restabelecido na cidade, neste mês de julho, o serviço Frida, através do número (33) 99132-6892, que passou a ser um novo dispositivo para agendamento junto à Deam. O Frida funciona das 8h às 12h e das 14h às 18h, de segunda a sexta, como recurso extra à disposição das vítimas.”

A Deam está em funcionamento na rua Arthur Bernardes, 832, Centro, Governador Valadares.

Feminicídio e violência contra a mulher em Minas Gerais

Os dados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e de Vítimas de Feminicídio tem como fonte a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). As estatísticas são disponibilizadas no site da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

De janeiro de 2020 até maio de 2021 houve o registro de 270 feminicídios tentados. Já o número de feminicídios consumados é de 206. Desses números, as ocorrências dentro da abrangência da 8ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp) ficaram assim:

Dos feminicídios tentados, há o registro de dois casos em Governador Valadares, Guanhães e Virginópolis e um caso em Peçanha, Conselheiro Pena, Engenheiro Caldas, Coluna, Frei Lagonegro, Virgolândia, Aimorés, São João Evangelista e Virginópolis.

De feminicídios consumados, há o registro de dois casos em Governador Valadares e um em Peçanha, Resplendor, Gonzaga, Guanhães, Senhora do Porto, Alvarenga, Nova Belém, Itabirinha, Itueta e Tarumirim.

O número de casos de violência doméstica contra a mulher em Minas Gerais em 2020 foi de 144.189. Já nos cinco primeiros meses de 2021 foram registrados 58.405 casos.

Em Governador Valadares, o ano de 2020 teve 2.461 registros. Este ano, segundo o sistema da Sejusp, de janeiro a maio, já tem 1.041.


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