Especialistas apoiam aula presencial, mas apontam condições

Situação precária em escolas é uma das preocupações, conforme também relatado por pais e professores

O infectologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Unaí Tupinambás, apoiou nesta sexta-feira (9/7/21) o retorno às aulas presencias, mas sob uma série de condições, como testagem ampla e de resultado rápido e controle das condições sanitárias das escolas.

Juntamente com professores e pais de várias regiões do Estado, ele participou de audiência pública realizada de forma remota pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir os impactos do retorno das aulas presenciais na rede estadual, na onda vermelha do Plano Minas Consciente, do Governo do Estado.

Unaí Tupinambás defendeu a volta às escolas por considerar que a educação é uma atividade essencial e que o ensino remoto, dadas as condições precárias no Brasil, estaria aumentando a desigualdade social.

Ele argumentou ainda que a grande maioria dos professores e trabalhadores na área já teria recebido pelo menos a primeira dose da vacina contra a covid-19.

Apesar disso, ele ponderou que, num cenário ideal, a volta às escolas deveria ocorrer somente em agostoapós a ampliação da vacinação para outros grupos da população e outras faixas etárias, e com a melhora do inverno, estação em que se dá o aumento da transmissão de outros vírus.

De toda forma, o convidado afirmou que qualquer decisão pela retomada ou não das aulas presenciais deveria se dar de forma customizada, ou seja, levando em conta as particularidades não só regionais ou municipais do Estado, mas das próprias escolas, avaliadas individualmente em suas condições. “As que não têm condições não devem voltar”, afirmou ele.

O convidado ainda apontou a necessidade de a própria comunidade escolar se engajar no automonitoramento de sintomas e das condições sanitárias das escolas e frisou que os professores devem ter a garantia de equipamentos de proteção, como as máscaras.

Falta apoio técnico e financeiro às escolas, diz pesquisadora

A diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz, Anamaria D’Andrea Corbo, endossou a fala do epidemiologista. “Há um esgotamento do ensino remoto, com o sofrimento de crianças e adolescentes. Por isso devemos lutar por esse retorno (presencial), desde que sejam dadas condições seguras para isso”, afirmou ela.

Anamaria Corbo é uma das autoras do Manual de Biossegurança para Reabertura Segura de Escolas no Contexto da Covid-19 e considerou que há um deficit enorme de infraestrutura das escolas para um retorno seguro, com unidades onde não há sequer banheiro ou água.

A pandemia exacerbou o quadro de desigualdades e carências estruturais na educação do País, com evidências que são alarmantes. Há um passivo que deve ser assumido para um retorno seguro”, insistiu ela.

Anamaria Corbo relatou que o manual de biosssegurança tem como base documentos nacionais e internacionais, tratando de pontos como ventilação, uso de máscaras, distanciamento, higienização das mãos e discussão da vigilância escolar.

Vigilância – Anamaria ainda alertou que muitos protocolos locais não têm levado em conta que a transmissão aérea do vírus é a mais relevante no caso da covid-19.

Por isso ela alerta para a necessidade de boa ventilação nas escolas, recomendando como a melhor saída em função do custo o uso de ventiladores de teto e de coluna nos espaços sem boa circulação natural do ar.

Outro ponto de atenção destacado pela pesquisadora deve ser a criação de uma estrutura de vigilância escolar. Devem ser definidos, por exemplo, fluxos e espaços de isolamento e monitoramento, inclusive caso surjam sintomas dentro da escola.

Sindicatos apontam “jogo de cores”

Segundo a coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Denise Romano, o governo criou condições fantasiosas para justificar o retorno das aulas presenciais, manipulando um esquema de ondas e cores pensado para atender ao setor econômico, o Plano Minas Consciente.

Ela informou que o sindicato aprovou a realização de uma greve sanitária, na próxima semana, com a manutenção apenas de atividades a distância. Denise Romano também criticou o governo por ter tido cerca de um ano e meio para adequar as escolas às exigências impostas pela pandemia e não ter sido capaz de fazê-lo.

Na mesma direção, a presidenta do Sindicato dos Professores de Minas Gerais, Valéria Morato, disse que o avanço da vacinação só está acontecendo após uma grande pressão da sociedade e que ainda não é o ideal.

Ela criticou as ameaças por parte do Estado ao direito de greve e classificou de irresponsável o retorno às aulas presenciais na onda vermelha. “A maioria não está cumprindo protocolos, e nem o básico como o álcool gel”, disse.

Relatos e pesquisa mostram insegurança com precariedade 

Ana Maria Saraiva, professora da Escola de Educação da UFMG e integrante do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg), divulgou uma pesquisa feita pelo fórum entre 2020 e 2021.

Foram ouvidos em agosto do ano passado e março deste ano 38 mil pessoas, entre pais, professores e estudantes sobre como viam o retorno presencial e sobre as condições de sua escola.

Segundo Ana Maria, 67% entendem que só com a vacinação completa de toda a população deveria haver o retorno; mais de 64% indicaram que a escola em que trabalham ou estudam não tem condicões de garantir o distanciamento ou têm área aberta para garantir atividades com ventilação; mais de 50% disseram que escolas não têm condições sanitárias para o retorno e nem medidas previstas para o protocolo do Minas Consciente.

No último levantamento, 68% disseram que ainda não tinham recebido a primeira dose da vacina, sendo que 79% entendem que esse não é o momento do retorno por causa da baixa vacinação e pelas condições da escola.

Para Raphaela Teixeira, mãe de três alunos matriculados na rede pública em Sete Lagoas (Região Central), a educação nunca foi prioridade para os governos. Ela também lembrou que a volta das atividades em sala de aula envolve não só o ambiente escolar, citando como exemplo os riscos de contágio no transporte público.

João Batista Souza, professor da rede estadual em Araçuaí (Jequitinhonha/Mucuri), apresentou dados de boletins epidemiológicos da prefeitura que indicam que o número de óbitos pelo coronavírus no município mais do que dobrou de abril a julho. Entre outros motivos para adiar a volta das aulas presenciais, ele destacou a ameaça de novas cepas.

Cecília Apolinário, aluna da rede estadual de Mário Campos (Região Central), também se disse insegura para voltar à escola. 

Sem discussão – O professor Guilherme de Faria Graciano, da Escola Estadual Antônio Thomaz Ferreira Rezende, em Uberlândia (Triângulo Mineiro), disse que a reabertura das escolas tem sido justificada perante o Ministério Público e a Defensoria Pública a partir de vistorias feitas às escolas por inspetores escolares, quando na sua avaliação isso deveria estar sendo feito pela Vigilância Sanitária.

“É a educação fiscalizando a própria educação numa situação pandêmica”, criticou ele, para quem a subnotificação de casos seria outro motivo de preocupação.

“Não há discussão clara com os pais, fica-se fingindo que está tudo bem e que haverá um protocolo que as crianças vão compreender”, acrescentou Silvana do Prado, professora da Escola Estadual Selma Bastos, em Varginha (Sul de Minas), e mãe de aluno da rede municipal.

Deputados condenam retorno sem as medidas necessárias

A presidenta da comissão, deputada Beatriz Cerqueira (PT), que pediu a audiência, afirmou que a situação é complexa. “Estamos numa pandemia sem que haja por parte dos governos federal e estadual uma política de massificação da vacina”, criticou ela.

A deputada disse que os anúncios de retorno às aulas atendem a uma “ideologia do negaciocismo”, onde se volta o ensino presencial numa realidade de escolas sem estrutura adequada.

Segundo a parlamentar, 900 escolas da rede estadual não possuem refeitório, mais da metade não possui quadra de esporte coberta, 356 não possuem sala de professores, 143 não possuem biblioteca e 37 nem mesmo tratamento de esgoto, conforme dados do censo escolar da educação básica.

Nesse cenário, e pelos relatos na audiência, a deputada avaliou que não há condições para o retorno seguro às atividades presenciais no Estado dentro do que foi defendido pelos pesquisadores.

O deputado Betão (PT) ratificou que a falta de estrutura das escolas para receber os alunos apresentada por educadores durante a audiência é uma realidade em diversas regiões. Ele se disse impressionado com o fato de prefeitos se submeterem a pressões de alguns setores para o retorno imediato de atividades em plena pandemia.

O parlamentar também fez críticas à gestão do governo federal, pela demora na oferta de vacinas. 

Requerimentos –  Na reunião, foram aprovados requerimentos de audiências sobre o abandono de escolas de ensino técnico de Joaíma (Jequitinhonha/Mucuri), pedida pelo deputado Carlos Henrique, e sobre regras para a eleição na Unidade Acadêmica da Universidade Estadual (Uemg) em Passos (Sul), pedida pelo deputado Professor Cleiton (PSB)

E ainda audiências sobre o descumprimento de acordo de greve firmado com professores da Universidade Estadual de Montes Claros (Norte de Minas) e sobre os impactos do Projeto Mãos Dadas em Itaúna, ambas pedidas pela deputada Beatriz Cerqueira.

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