RIO- A decisão do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de instituir uma comissão para revisar o Banco Nacional de Itens, de onde são extraídas as questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), repercutiu mal entre educadores. De acordo com especialistas, a medida é “grave” e pode até mesmo colocar em risco a excelência da avaliação.
O Inep pretende criar uma comissão composta por quatro pessoas, sendo dois representantes do Ministério da Educação (MEC), um do próprio Inep e um da sociedade civil, para fazer uma devassa nos itens que subsidiam as avaliações do país da educação básica ao ensino superior.
— O principal problema é técnico. Leva-se muitos anos para construir um banco de itens consolidado e que garanta o direito a uma avaliação justa para todos. Criar uma comissão como essa vai restrignir a qualidade das questões. Isso é muito grave. Além do que o projeto não está claro, não está aberto — criticou Cleuza Repulho, que é especialista em Educação.
Ela destaca que a construção do banco de itens é complexa e que interferir nesse processo pode macular o Instituto e comprometer a qualidade dos exames:
— Há pessoas de todo país contribuindo para esse banco, não é um grupo pequeno. São pessoas que mantém o sigilo para garantir a qualidade das questões. O Inep é um órgão respeitado no mundo, que tem uma história. Não está em jogo uma questão ideológica e sim uma questão de qualidade da avaliação.
Além da qualidade dos testes, outra preocupação apontada pelos pesquisadores é o fato de questões que promovam de alguma maneira a igualdade sejam encaradas pelo governo como algo negativo, sob uma perspectiva de “doutrinação”. Nesse sentido, a educadora Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que o governo está desalinhado com as tendências internacionais.
— O governo de um país do tamanho do Brasil levar a sério essa ideia falsa de “ideologia de gênero” é completamente absurdo e beira o ridículo, se colocado em perspectiva internacional. Qualquer país do mundo que se diga minimamente progressista tem políticas voltadas à igualdade de gênero e ao combate às discriminações. Isso está previsto em diversos tratados internacionais e também é meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, agenda pactuada pelo Brasil na ONU — afirmou.
Pellanda criticou ainda o fato de a comissão ser composta por um grupo restrito, o que, na opinião dela, dá margem para falta de transparência.
— A construção de uma comissão formada por quatro pessoas, de forma sigilosa, sem alguma transparência e ainda por cima para fazer um processo de controle e censura de governo a uma política de Estado histórica e de sucesso como é o Enem é altamente preocupante, nada democrático e de uma fragilidade institucional sem medidas — disse.