O caminho adotado pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, para anular a instauração de inquéritos pela Polícia Federal e pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre a atuação de institutos de pesquisas divide especialistas ouvidos pela Folha.
Há divergência sobre se a medida de Moraes está conforme as atribuições de um presidente do TSE ou se ele extrapolou o seu limite de atuação. A determinação do ministro não teve origem em um pedido do Ministério Público ou de outros interessados, como é a regra geral no sistema da Justiça. Esse tipo de conduta do Judiciário, que não depende de uma provocação externa, é chamada de atuação de ofício.
Para justificar a anulação da abertura de investigações pela PF e pelo Cade, órgãos de outro Poder, o Executivo, Moraes invocou o poder de polícia atribuído pela lei à Justiça Eleitoral. De acordo com o despacho de Moraes, o objetivo foi “fazer cessar as indevidas determinações realizadas por órgãos incompetentes e com indicativos de abuso de poder político e desvio de finalidade”.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou nesta sexta (14) a decisão de Moraes. “Começaram aí o Cade e a PF a investigar institutos de pesquisa. O que ele fez? Não pode investigar. Ou seja, institutos vão continuar mentindo, e nessas mentiras quantos votos não arrastam para o outro lado? Geralmente, vota em quem tá ganhando, 3 milhões, 4 milhões de votos”, disse ele em entrevista ao podcast Paparazzo Rubro-Negro.
Para o ex-procurador regional eleitoral em São Paulo Pedro Barbosa, “está tudo fora do normal”, uma vez que são atípicas tanto as medidas da PF e do Cade como a decisão de Moraes. Barbosa, porém, afirma não ver ilegalidade na conduta do ministro. Segundo o especialista em direito eleitoral, o presidente do TSE pode atuar para preservar a competência da Justiça Eleitoral nos casos relativos a pesquisas.
É uma matéria eleitoral muito clara, há toda uma regulamentação de pesquisas dada pela lei 9.504 [a chamada Lei das Eleições], inclusive a previsão de crimes, como pesquisa fraudulenta. Então há competência da Justiça Eleitoral. Mas a ação do presidente do TSE realmente é uma novidade”, diz.
O ex-procurador eleitoral alerta que “o protagonismo da Justiça não é normal e não é bem-vindo”, mas diz que, “ante os exageros dos órgãos do governo e o momento crucial da campanha eleitoral, o ministro teve de atuar para coibir os abusos contra a legislação eleitoral”.
Ana Carolina Clève, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), também vê a conduta de Moraes como fora do padrão, mas não ilegal. “Em regra, o Judiciário age mediante provocação, sendo atípica a atuação de ofício. Mas diante dessas estratégias nada usuais [dos órgãos federais], o Judiciário precisa encontrar mecanismos de controle. É isso que acaba por legitimar essa atuação do Moraes”, diz.
Para Clève, “o Direito está sendo colocado à prova”. “Há diversas estratégias jurídicas sui generis sendo usadas para finalidades evidentemente políticas. E, do outro lado, acaba havendo certa criatividade nos mecanismos de controle para que se tenha um ‘freio de arrumação’ no conflituoso contexto”.
Já a advogada especialista em direito penal eleitoral Maria Jamile José entende que o poder de polícia eleitoral não deve interferir em medidas como as adotadas pela Polícia Federal e pelo Cade quanto aos institutos de pesquisa. “É de se questionar a atuação de ofício, pois o poder de polícia que o Tribunal Superior Eleitoral tem em relação aos institutos de pesquisa não se estende aos outros órgãos”, afirma.
A advogada também aponta que o tribunal eleitoral não deveria tratar de temas de outros órgãos do Executivo. “E mesmo nesse caso é de se questionar sua competência, porque, a priori, o TSE não é instância revisora do Cade nem do Ministério da Justiça [ao qual a PF está vinculada]”, completa.
O especialista em direito constitucional e professor da FGV Direito Carlos Ari Sundfeld diz que a medida excepcional adotada por Moraes se justifica pelo fato de ser uma resposta a uma tentativa de golpe de estado. “Ele não usou uma competência jurídico-formal, só se valeu de sua elevada posição institucional para alertar o país -e as autoridades não envolvidas- de que um golpe de estado está sendo armado.”
Para Sundfeld, “a lei eleitoral não dá competência explícita para o TSE abortar golpes”. “Porque, no fundo, não há como reagir com medidas jurídicas formais a golpes armados no interior do Poder Executivo.” FLÁVIO FERREIRA/FOLHAPRESS