O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) em Minas Gerais, ajuizou ação civil pública, para que a Justiça Federal declare a nulidade e ilegalidade de regulamentações feitas pela União e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) acerca das passagens vendidas com desconto a cidadãos idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos que não conseguirem os assentos gratuitos dos veículos.
O objetivo da ação é garantir que o desconto de 50% concedido pela Lei 10.741/2003 [Estatuto do Idoso] abranja também o valor das tarifas que compõem o custo total da passagem.
A investigação teve início a partir de representação apresentada por um idoso da cidade de Patos de Minas (MG). Ele relatou que a empresa de transporte São Cristóvão, alegando falta de vagas disponíveis, teria lhe negado a passagem de ônibus gratuita prevista na Lei 10.741/03. A alternativa legal é a concessão do desconto de 50% no valor da passagem, mas, segundo ele, a empresa não incluiu a correspondente redução nos custos de pedágio e taxa de embarque. Ou seja, tais custos foram pagos integralmente pelo representante, que só recebeu desconto no valor líquido da passagem.
Questionada pelo MPF, a empresa São Cristóvão disse que segue a legislação, especialmente a Resolução nº 1.692/2006 da ANTT, segundo a qual os valores relacionados a taxa de embarque e pedágio não estão incluídos na tarifa do serviço de transporte e, portanto, não estariam sujeitos à redução proporcional de preço concedida pelo Estatuto do Idoso.
Diante disso, o MPF requisitou explicações à ANTT a respeito dos “motivos pelos quais a gratuidade das taxas de pedágio e de embarque, de acordo com o parágrafo único do art. 6° da Resolução ANTT nº 1692 de 24/10/2006, abrange apenas os idosos beneficiários das duas vagas 100% gratuitas, enquanto os idosos que auferem o desconto de 50% sobre o valor da passagem devem pagar o valor total das referidas taxas”.
Em resposta, a autarquia apenas confirmou tal entendimento, o que levou o Ministério Público Federal a expedir recomendação, em dezembro de 2020, para que a ANTT promovesse a adequação da Resolução 1.609/06, de modo a garantir isenção ou desconto proporcional das tarifas de embarque e pedágio nas passagens vendidas com o desconto de 50% aos idosos.
Restrição ilegal – “Infelizmente, porém, a ANTT não acatou a recomendação, não nos restando outra saída senão o ajuizamento da ação, para que o Judiciário faça cessar a ilegalidade em todo o território nacional”, informa o procurador regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais, Fernando de Almeida Martins.
Segundo ele, a Resolução 1.692, a pretexto de regulamentar o benefício tarifário concedido a brasileiros idosos pela Lei 10.741/03, na verdade, acabou restringindo indevidamente tal direito. A mesma restrição foi posta pelo Decreto Federal nº 9.921, de 2019, que também excluiu da redução do valor das passagens os valores correspondentes às tarifas de pedágio e de utilização dos terminais rodoviários.
A ação explica que decretos e resoluções são fontes secundárias, que não podem em nenhuma hipótese restringir o exercício do direito concedido na lei que pretendem regulamentar.
“Essa regulamentação, além de ilegal e abusiva, parece ter o propósito de dificultar o exercício do direito pelo seu beneficiário, o cidadão idoso carente”, afirma o procurador da República. “É o que deduzimos quando comparamos tais atos normativos com outra resolução da própria ANTT, a Resolução ANTT nº 4.282, de 2014, que dispõe sobre as condições gerais relativas à venda de bilhetes de passagem nos serviços de transporte terrestre interestadual e internacional de passageiros.”
A Resolução 4.282 considera que o valor do bilhete de passagem é composto por tarifa, ICMS e taxa de embarque e pedágio, se houver. “Ou seja, se no valor da passagem são computados todos esses custos, é evidente que o desconto de 50% concedido pela Lei 10.741/03 deve incidir sobre todas as parcelas que o compõem, até porque elas foram consideradas pelo prestador do serviço no momento da definição do valor da passagem para o consumidor”, defende Fernando Martins.
Diferença de tratamento – Outro ponto questionado pelo MPF diz respeito à diferença de tratamento entre a passagem gratuita e a passagem com desconto de 50%.
Enquanto na concessão das passagens gratuitas, a ANTT isentou totalmente os idosos beneficiários do pagamento das tarifas de pedágio e de utilização de terminais, na passagem com desconto, ela estabeleceu a cobrança integral de tais taxas.
“Não é preciso grande esforço hermenêutico para perceber a falta de lógica no entendimento das rés a respeito do assunto. Ao restringir o desconto dado por lei, ignorando que tarifas de pedágio e de embarque compõem o valor total da passagem, o que a ANTT e a União fizeram foi impor um ônus desproporcional ao idoso que, na prática, já terá sido prejudicado por não ter conseguido as duas vagas gratuitas”, afirma o procurador da República.
Na ação, o MPF pede que a Justiça profira decisão que, além de anular os dispositivos ilegais da Decreto Federal 9.921/19 e da Resolução nº 1.692/06 da ANTT, também obrigue concessionárias e/ou permissionárias de transporte rodoviário interestadual de passageiros a estender aos idosos o desconto de 50% nos valores referentes a tarifas de pedágio e a tarifas/taxas de utilização dos terminais rodoviários. Foi pedido também que eventual decisão favorável seja estendida a todo o território nacional.