por Arthur Arock*
Ah agosto, o mês sem fim.
A impressão desse “sem fim” de agosto vem do fato de que não tem nenhum feriado. Então, é um mês em que as pessoas ficam mais “desesperançosas”, literalmente, sem ter pelo que esperar.
Vendo desse ponto, nós estamos vivendo um infindável agosto desde março de 2020.
É claro que a proverbial luz no fim do túnel já começa a brilhar, apesar de toda a tentativa contrária do governo federal, que realmente parece trabalhar para ver o povo brasileiro cada vez mais afundado no poço (ou no caso das ações genocidas desse governo que causaram centenas de milhares – mais de meio milhão – de mortes, não só no fundo do poço, mas a sete palmos abaixo da terra). Mas, apesar disso tudo, eu começo a ver passos, mesmo que lentos, em direção à luz (e se eu fosse uma pessoa um pouco mais esperançosa, faria aqui alguma citação de “Apesar De Você”, do Chico Buarque). Fato é que as pessoas começam a ser vacinadas.
Eu fico realmente feliz de ver as pessoas à minha volta sendo vacinadas.
Meu avós, meus pais e tios, meus amigos… Essa noção de que tem pessoas sendo imunizadas contra essa doença que matou milhares de pessoas (muitas das quais conhecidas, sejam elas pessoas do meu convívio, sejam pessoas que eu admirava à distância, como Nelson Sargento) vai me dando uma fagulha de esperança. Como disse Gregório Duvivier, me dá uma “esperança de esperança”. Me dá a impressão que, apesar de todo o trabalho que o governo federal fez e vem fazendo para espalhar o caos e desinformação, para atrapalhar qualquer tentativa de combate ao vírus, assim garantindo que o máximo de brasileiros ficassem doentes e/ou morressem (o único objetivo que esse governo de genocidas parece conseguir eficientemente alcançar)… Apesar disso tudo, parece começar a haver uma luz no fim do túnel, uma “esperança de esperança” de que essa fase vai passar.
Eu mesmo já tomei a minha primeira dose, o que ainda não me põe fora de risco (e a segunda está marcada só para outubro), mas já é um grande passo. Porém, sendo perfeitamente sincero, nem me preocupo tanto comigo: o que mais me deixa aliviado é a vacinação das pessoas que amo; já fico feliz com a ideia de que a chance de perder alguém, perder mais alguém, para essa doença cai a cada pessoa querida que se vacina.
Dito isso tudo, admito que penso em meu lado também. Quero ver essa pandemia finita. O isolamento social (que ainda deve ser mantido, lembre-se que mesmo alguém vacinado pode transmitir a doença) tem cobrado seu preço. Muitas vezes nesse mais de um ano eu perdi completamente a noção do tempo, até mesmo de dia de semana. Fui perdendo aqueles marcos cotidianos que nem notava que existiam (afinal, eram algo tão certo), que me diziam que hora do dia, que dia da semana era.
Podendo fazer meu trabalho em qualquer horário (tirando a ocasional reunião online) e não tendo nenhum compromisso social, muitas vezes (como exatamente agora enquanto escrevo esse texto e, ao notar os raios de sol entrando pela minha persiana, notei que o relógio acabou de marcar seis da manhã) me vi entretido com trabalho ou lazer pela noite toda. Muitas vezes fui dormir já no fim da manhã (dez horas, meio-dia) ou até mesmo da tarde, só para acordar quando o sol já tinha se posto. E, deixe-me contar, além de todos os problemas óbvios que vêm com isso, uma das coisas que mais me incomoda é a sensação de que o dia não mudou; quando acordo e não há sol (seja porque ele já se pôs ou não nasceu, o referencial depende do horário), parece que não estou começando um novo dia, só dei uma pausa no dia em que estava e agora estou dando continuidade a ele. Ou seja, muitas e muitas vezes nessa pandemia entrei em uma sensação meio “Groundhog Day”.
Para aqueles que não viram o filme de 1993, “Groundhog Day” conta a história de Phil Connors, um repórter (vivido pelo ator e comediante Bill Murray) que vai para uma cidadezinha cobrir uma matéria e, por motivos que o filme propositalmente nunca explica (o que gera discussões até hoje), fica preso em um loop temporal em que ele sempre revive o mesmo dia. O filme é hilário, com o sempre engraçado Bill Murray em seu melhor, mas também não deixa de ser trágico em vários momentos, se você olha para além das piadas. Há cenas em que o desespero do personagem, mesmo que amenizado pela temática do filme, é palpável.
E muitas vezes eu me senti assim, preso em um dia repetitivo que nunca acaba.
Mas acho que a produção que mais passa o estado de espírito nesses momentos (mesmo porque foi feita durante a pandemia) é a série inglesa “Staged”. Ela foi gravada praticamente apenas usando videoconferência e celulares e conta uma versão fictícia do isolamento social dos atores David Tennant e Michael Sheen junto às respectivas famílias. O pano de fundo para o roteiro é que os dois, logo antes de a pandemia começar, iam dar início aos ensaios de sua montagem de “Seis Personagens à Procura de um Autor”, de Luigi Pirandello (uma leitura que por si só vale a pena). Mas isso é só uma desculpa para mostrar como a dupla (grandes amigos na vida real) e as outras pessoas do elenco (Simon Evans, Georgia Tennant, Anna Lundberg, Lucy Eaton, com cameos de grandes nomes como Samuel L. Jackson e Judy Dench) estavam lidando com a pandemia.
A química dos dois atores principais é inegável; seja por sua amizade na vida real, seja porque pouco antes haviam estrelado juntos no excelente “Good Omens”. Inclusive, antes de “Staged”, eles lançaram um áudio conversando como se fosse uma ligação dos personagens deles em “Good Omens”, em que reforçavam um para o outro (e consequentemente para os ouvintes) a importância do isolamento social.
Seja por que for, eles estão excelentes em cena. Os momentos cômicos são hilários e os momentos em que o peso do isolamento se faz sentir são não apenas tocantes, como eu me vi em alguns deles. Talvez seja só o trabalho de dois bons atores e/ou uma boa direção, mas as atuações passam como sinceras.
No começo deste ano, quando a Inglaterra (que ao contrário do Brasil, tem um governo que se propôs a lutar contra o covid e por seu povo, enquanto nosso governo está fanaticamente lutando contra a população e favor do covid e da morte de milhares de brasileiros) começou a sair do lockdown, saiu uma segunda temporada de “Staged”. Mantendo a qualidade, adicionando mais participações de grandes nomes (como Whoopi Goldberg e Ben Schwartz, dentre muitos outros), essa temporada tem como pano de fundo a ideia de que um estúdio dos Estados Unidos comprou os direitos da série e quer fazer uma versão americana, mas substituindo Tennant e Sheen. Usando essa premissa, a nova temporada discute o peso de um ano de isolamento social e pandemia, além do prognóstico de voltar a aspectos da vida normal.
Eu encerro este texto não apenas reforçando a indicação de um filme, uma série e um livro/peça, todos comédias com grande carga dramática (um mais nas entrelinhas que o outro), mas também com a indicação, ou melhor, o pedido de urgência para que aqueles que podem (mais ainda não o fizeram) se vacinem o mais rápido possível. Nós já perdemos vidas demais para essa doença e esse governo. E por último, e não menos importante, fico com minha “esperança de esperança”. Assim como ao fim de “Groundhog Day”, o dia muda e no fim da segunda temporada de “Staged” eles estão começando a voltar à vida como era, eu permaneço com o desejo que a virada dessa atual página (tanto da pandemia como do governo genocida) esteja cada vez mais próxima de se tornar uma realidade.
* Nascido em Governador Valadares e atualmente residente em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica se traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário.
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