A pesquisadora Margarida Oliveira transformou seus estudos sobre migração em uma coleção de 4 livros de ficção
GOVERNADOR VALADARES – Atravessar fronteiras, enfrentar o desconhecido e se reinventar em um novo país. Essas são experiências comuns a milhares de mulheres brasileiras que emigraram em busca de novas oportunidades. Mas quantas dessas histórias são contadas? A professora e pesquisadora Margarida Oliveira decidiu trazer essas trajetórias para o universo literário. Seu trabalho acadêmico deu origem a uma tetralogia de romances que abordam as dificuldades, os desafios e a resiliência dessas mulheres.
Com doutorado em andamento em Ciências Sociais pela PUC Minas e experiência como pesquisadora visitante na Universidade de Massachusetts, Margarida Oliveira tem se dedicado ao estudo das migrações, desigualdades sociais, trabalho e gênero. “Então estou aqui [nos Estados Unidos] na condição de pesquisadora visitante e isso já tem um ano e meio. Então nesse período era para estar mais próximo das pessoas que fizeram esse processo migratório, compreender melhor como foi o processo de inserção delas no mercado de trabalho norte-americano e se o capital social que elas já traziam e que elas construíram, eventualmente, se, de alguma forma, contribui para essa inserção; uma melhor inserção no mercado de trabalho entre outras questões, como status migratório, as questões de gênero”, explicou a professora.
Atualmente, Oliveira é professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atuando tanto no campus sede quanto no campus Governador Valadares. Natural de São Sebastião do Barroso, distrito de Jampruca, município que fica a aproximadamente 70 km de Governador Valadares, Margarida cresceu observando histórias de conterrâneos que deixaram o Brasil para tentar a vida nos Estados Unidos. Inspirada por suas pesquisas e pelo contato direto com imigrantes brasileiras no exterior, ela publicou, em novembro de 2024, quatro livros que narram, sob a forma de ficção, a realidade dessas mulheres. “A literatura tem a capacidade de tocar as pessoas de maneira profunda, revelando realidades que muitas vezes passam despercebidas. Ao expor as histórias dessas mulheres, contribuo para que mais pessoas compreendam a complexidade da experiência migratória”, destaca a autora.
As histórias por trás das personagens
Nos livros, Margarida apresenta diferentes trajetórias de mulheres brasileiras que emigraram para os EUA, cada uma lidando com desafios particulares.
● “Prumo – Demolição e Reconstrução” retrata uma mulher que deixa os filhos no Brasil para seguir o marido no exterior. No novo país, ela enfrenta dificuldades financeiras, saudade, racismo e barreiras culturais e linguísticas, encontrando na construção civil uma forma de recomeçar.
● “Reatância – Arranjos Legais” conta a história de uma imigrante vinda de uma família conservadora e religiosa. Para garantir sua permanência nos EUA, ela se vê obrigada a um casamento por conveniência, vivenciando dilemas morais e emocionais profundos.
● “Travessia – Coragem na Fronteira do Impossível” acompanha a protagonista em sua perigosa jornada pela fronteira terrestre do México. Enfrentando riscos e incertezas, sua coragem se torna a única esperança para um futuro melhor.
● “Entrelaços – Do Outro Lado da Agulha” narra a história de uma mulher que, ao chegar em um novo país, precisa superar barreiras culturais e linguísticas. Com as habilidades herdadas de sua mãe na costura, ela encontra um caminho para sua independência financeira, enquanto lida com o trauma da deportação de uma amiga.




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Do campo da pesquisa à ficção
A tetralogia nasceu a partir do trabalho de campo realizado por Margarida durante sua pesquisa de doutorado. “Minha própria experiência como imigrante e acadêmica tem um papel fundamental nesse percurso. Morando no exterior e compartilhando o cotidiano com mulheres migrantes, pude observar de perto os desafios e as complexidades que enfrentam”, conta.
O processo de escrita não foi simples. Além da pesquisa rigorosa, Margarida se dedicou a criar uma ambientação para que os leitores pudessem sentir a experiência de estar em um novo país. “Eu queria que o leitor sentisse o choque cultural, as dificuldades da adaptação, o peso da saudade e, ao mesmo tempo, a resiliência dessas mulheres. Para isso, mergulhei nas histórias de vida delas, visitei locais frequentados por imigrantes brasileiros nos EUA e tentei traduzir essa realidade para a literatura”, detalha.
Inicialmente, a ideia era escrever um único livro, com cada protagonista ganhando um capítulo. No entanto, conforme as narrativas se expandiram, Margarida percebeu que cada história tinha peso suficiente para ser contada separadamente. Assim nasceram os quatro livros que compõem a coleção “Mulheres que Vão ao Fim do Mundo”.
“Cada livro apresenta uma perspectiva única dentro do amplo e complexo universo da migração, oferecendo diferentes facetas dessa experiência”, explica Margarida.
O impacto da migração feminina
Para Margarida, suas pesquisas e seus livros têm um propósito maior: dar visibilidade às histórias das mulheres que migraram em busca de uma vida melhor. “Quero proporcionar ao leitor um olhar sensível sobre o cotidiano de pessoas que vivem em condições instáveis, lidam com despedidas dolorosas, mas seguem se reinventando e buscando um sentido de pertencimento”, afirma.
A pesquisadora também ressalta que a interseccionalidade é um fator essencial para compreender a experiência migratória feminina. “Questões de gênero impactam profundamente essas mulheres, que muitas vezes enfrentam vulnerabilidade no mercado de trabalho, acumulação de funções domésticas e falta de redes de apoio”, explica.
Literatura como ferramenta de conscientização
Além de oferecer uma experiência literária envolvente, a tetralogia “Mulheres que Vão ao Fim do Mundo” tem um papel importante na sensibilização sobre a realidade dos imigrantes brasileiros nos Estados Unidos. Margarida acredita que a literatura pode ser um canal poderoso para abordar temas sociais complexos.
“Muitas vezes, as pessoas têm uma visão romantizada da migração, sem considerar os desafios enfrentados por aqueles que deixam seus países. A literatura permite que essas histórias sejam contadas de forma sensível, despertando empatia e reflexão”, afirma.
Os livros estão disponíveis em diversas plataformas digitais. Para saber mais acesse o site: uiclap.bio/oliveiramargaridaa.
A evolução da imigração brasileira para os EUA
Desde a década de 1980, a imigração de mineiros para os Estados Unidos cresceu de forma significativa. A busca por melhores condições de vida e oportunidades de trabalho fez com que milhares de brasileiros cruzassem a fronteira em busca do “sonho americano”. Governador Valadares se tornou um dos principais pólos de emigração do Brasil, com muitos moradores seguindo para estados como Massachusetts, Flórida e Nova Jersey.
Nas últimas décadas, no entanto, as políticas migratórias dos Estados Unidos passaram por diversas mudanças, impactando diretamente a vida dos imigrantes. Em 2025, a realidade para aqueles que vivem no país sem documentação tem se tornado ainda mais desafiadora. “O medo da deportação é constante para muitas dessas mulheres. Elas vivem em uma situação de vulnerabilidade, muitas vezes presas a empregos precários e exploratórios”, explica Margarida.
As políticas mais rígidas, a vigilância reforçada nas fronteiras e as dificuldades para obtenção de vistos de trabalho tornam a imigração uma jornada ainda mais difícil. Segundo a pesquisadora, essas mudanças afetam principalmente mulheres que deixam seus filhos no Brasil, na esperança de enviar dinheiro para sustentar suas famílias. “A separação é dolorosa, e muitas dessas mães enfrentam uma angústia diária por estarem longe de seus filhos e sem garantia de poderem voltar”, acrescenta.