De forma unânime, convidados rejeitaram a medida, que traria prejuízos ao mercado e ao incentivo à leitura
Editores, escritores e professores fizeram duras críticas e se posicionaram contrariamente à proposta do governo federal de taxar livros, que desfrutam de isenção tributária desde 1946. Eles participaram, na manhã desta quarta-feira (2/6/21), de audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que discutiu o assunto.
Todos os convidados foram unânimes em apontar que a taxação terá efeitos extremamente negativos para o mercado de livros no Brasil e para o incentivo à leitura.
Nesse sentido, o editor Tomaz Adour da Câmara explicou que o mercado editorial brasileiro é muito pequeno, sendo que a taxação teria um resultado irrelevante para as receitas do governo. Para ele, na verdade, o efeito seria contrário, já que o governo é hoje o maior comprador de livros no Brasil e seria diretamente atingido pela cobrança do imposto.
Tomaz Adour defendeu o investimento no aumento de venda de livros no Brasil e apontou que a taxação teria resultado contrário com a redução do mercado. Ele ainda afirmou que, caso seja colocada em prática uma alíquota de 12% nos livros, o efeito seria muito maior, chegando a 20% o aumento do custo para as grandes editoras e a 50% para as pequenas editoras.
A editora Alice Bicalho de Oliveira apontou que, ao atingir a cadeia de produção dos livros e contribuir para uma diminuição nas vendas, a taxação pode trazer desemprego e atingir a renda de milhares de famílias.
Outro aspecto negativo levantado por ela foi a perda na diversidade da materialidade do livro. Alice Bicalho explicou que, para reduzir os custos de produção devido à taxação, as editoras vão diminuir os custos com os insumos, ou seja, limitar as cores, diminuir a variedade de papéis e formatos, o que terá como resultado um empobrecimento no imaginário das pessoas.
Entenda – Além da isenção tributária, aprovada em 1946 a partir de proposta do escritor e então deputado federal Jorge Amado, desde 2004 os livros também são isentos de PIS/Cofins em razão das Leis 10.865/04 e 11.033/04 e do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), por causa da Lei 10.893/04.
O atual governo, porém, pretende que as obras passem a ter uma alíquota de imposto de 12%, conforme Projeto de Lei Federal 3.887, de 2020, de autoria do governo do presidente Jair Bolsonaro. A alíquota seria referente à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a ser criada como primeira etapa de uma reforma tributária pretendida pela equipe econômica do governo federal, sendo que uma das justificativas apresentadas para a taxação seria que apenas os ricos leem.
Bibliotecas comunitárias mostram o interesse da população pela leitura
A representante da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias, Viviane Henrique Peixoto, destacou que representa 120 bibliotecas de todo o País, sendo que elas são, muitas vezes, o único equipamento cultural das periferias. Para ela, as bibliotecas comunitárias são responsáveis por dar a luz às diversas manifestações culturais existentes.
Viviane Peixoto explicou que as bibliotecas comunitárias surgem tanto pela ausência do estado como também pelo desejo das periferias de ter acesso à educação e à cultura. Dessa forma, para ela, a existência das biblioteca comunitárias demostra o equívoco do argumento do governo federal de que apenas os ricos leem.
A escritora e editora Leida Reis também contestou a justificativa da equipe econômica. Ela trouxe dados de uma pesquisa que indicou que mais de 20% dos entrevistados das classes C e D responderam que gostariam de ler mais, caso tivessem recursos. A escritora sugeriu o envolvimento de outras esferas do poder público para que a proposta do governo federal não seja aprovada.
Já a autora, editora e artista plástica Iriam Gomes Starling fez um relato de sua experiência nas pequenas feiras de livros. Ela apontou que as crianças, muitas vezes, tem o interesse em comprar livros, mas que não possuem recursos. Segundo ela, o imposto poderá dificultar ainda mais o seu acesso.
A jornalista e escritora Jalmelice Luz apontou que a medida representa uma tentativa de acabar com o acesso da população aos livros. Ela falou sobre a importância dos livros como elemento de transformação, para o crescimento das pessoas e como forma de expressão cultural.
Políticas públicas – A autora e editora da Aletria, Rosana de Mont’Alverne Neto, lembrou os avanços conquistados há alguns anos, com a adoção de políticas públicas de fortalecimento da leitura e da educação. Para ela, entretanto, o momento atual representa um retrocesso profundo.
“Essa taxação é um absurdo. O mercado do livro deve ser defendido e protegido pelo poder público”, afirmou. Rosana de Mont’Alverne cobrou a retomada das políticas públicas de fortalecimento da cadeia produtiva do livro e da leitura.
Já o escritor Luciano Mendes defendeu a ampliação dos portais de livros abertos para estudantes e para a população.
Taxação seria mais um capítulo de uma guerra cultural
Já o professor de Edição no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet -MG), José de Souza Muniz Junior, afirmou que a proposta de taxação dos livros faz parte da guerra cultural que está sendo promovida pelo governo federal em que procura atacar diretamente os trabalhadores da cultura e da educação.
A escritora e estudante de pedagogia Rosilene Gonçalves de Almeida considerou que a tributação seria uma forma de dificultar o acesso aos livros e controlar o pensamento das pessoas.
A editora e escritora Cecília Fernandes de Castro apontou que a taxação é uma tentativa do governo federal de silenciar as múltiplas vozes da sociedade. Ela destacou que nos últimos anos houve um aumento do número de editoras pequenas, o que representa uma maior variedade e diversidade dos livros, sendo que a medida do governo acaba por atingir esse movimento.
Parlamentares – Opinião semelhante foi apresentada pelos parlamentares presentes na reunião. O deputado Professor Cleiton (PSB) também ponderou que a taxação é mais uma forma encontrada pelo governo federal de perseguir a cultura e os autores dos livros no Brasil.
Betão (PT) disse que o governo federal busca privilegiar os mais ricos e atacar as políticas públicas que beneficiam a população de baixa renda. Para ele, a proposta de taxar os livros é apenas mais um exemplo dessa prática.
A presidenta da comissão e autora do requerimento, deputada Beatriz Cerqueira (PT), destacou a defesa da importância da cultura e do direito ao acesso ao livro. “Acreditamos na leitura e na educação como um instrumento de saída da barbárie que enfrentamos todos os dias”.
Ela destacou ainda que as sugestões e os caminhos apontados durante a audiência serão frutos de requerimentos com o objetivo de dar continuidade aos debates.