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Sobreviventes que fugiram em caminhonete em Brumadinho variam entre abalo e retomada de atividades

por CAROLINA LINHARES (FOLHAPRESS)

O consenso entre os poucos que sobreviveram ao rompimento da Barragem 1, da Vale, em Brumadinho (MG), é de que o ano passou num piscar de olhos. Eles se lembram de cada detalhe do dia 25 de janeiro de 2019, quando escaparam da morte numa caminhonete e numa carregadeira.

Na ocasião, Elias, Sebastião e Leandro se salvaram na tsunami de lama. Vídeos mostram a caminhonete em que eles estavam em zigue-zague, buscando uma saída. Hoje, o estado de espírito de cada um deles varia.

Elias de Jesus Nunes, 45, o motorista da caminhonete, e descrito por todos que o conhecem como um homem absolutamente calmo, diz que está bem. Recusou tratamento psicológico e voltou a trabalhar na Vale apenas 30 dias após o rompimento.

Seu cotidiano é percorrer toda a área atingida, auxiliando bombeiros na infraestrutura para buscas e fazendo a recuperação ambiental. “No primeiro dia de trabalho, a imagem voltou viva, passou um filme. Lembrei de todo mundo, dos colegas, das brincadeiras no fim do expediente. Agora não se vê mais nada, só buraco”, diz.
“O que nos motiva é encontrar as 11 pessoas para dar alento às famílias”, afirma Elias.

No momento do rompimento, o funcionário da Vale diz ter ouvido um barulho, que julgou ser o trem que transportava o minério descarrilhando. Pegou o celular para filmar, mas quando apontou para a barragem, viu a poeira se levantando.

Chamou seu colega, Sebastião Gomes, 54, para dentro da caminhonete. Sebastião correu, caiu, ralou os joelhos e os cotovelos, mas se levantou a tempo de entrar no veículo, que foi cercado pela lama.

Elias desligou o carro, puxou o freio de mão e eles começaram a rezar o Pai-nosso. “Agora é a hora de passar para o outro lado”, disse. A onda de rejeito, porém, jogou o carro para cima, com a porta do passageiro virada para o alto. Foi por ali que os dois saíram do veículo quando tudo acabou.

Mesmo Elias, que comenta com os colegas se achar esquisito por não ter traumas, teve pesadelos no início. Sonhava que a Mina do Córrego do Feijão, onde trabalha há 15 anos, pegava fogo. Via as máquinas em chamas.

“Ele chegou a ficar meio perturbado, não podia ficar sozinho que batia uma deprê”, afirma a namorada, Viviane Satelis Roela, 38. Os dias ruins, contudo, ficaram para trás, e Elias, que não teve uma unha quebrada na tragédia, diz que está bem da cabeça.

“O melhor remédio é voltar a ocupar a cabeça, ficar em casa é pior”, diz Elias. Ao que a namorada emenda: “Mas se fosse eu, não tinha voltado a trabalhar lá”.

Foi a opção de Sebastião, que alternou períodos de licença com a volta ao trabalho na Vale, ao longo do ano, até chegar à conclusão, em outubro, de que era melhor se afastar de vez.

“Eu sentia tristeza pelos desaparecidos. Quando achava um corpo, era um alívio, mas aí você via que era um amigo seu”, diz Sebastião, que estava na Vale há quase dez anos.

Ele chegou a ser transferido, a pedido, para outra mina, a Mar Azul, na região metropolitana de Belo Horizonte, mas ali também a barragem, sobre a qual ele já inclusive havia caminhado, foi condenada.

“Eu chorava de manhã, quando colocava a camisa da empresa para trabalhar. E também era hostilizado na rua, as pessoas gritam ‘você não tem vergonha de trabalhar nessa empresa?’. Houve orientação para que a gente fosse com roupa normal e só se vestisse lá dentro”, conta.

Ao contrário do colega Elias, com quem se encontra de vez em quando, Sebastião passa por tratamento psicológico. “Eu melhorei muito. Estava caçando chão e não achava”, afirma ele, que acordava gritando ao sonhar que a barragem se rompia.

Mas ocupar a cabeça é também sua receita. Um mês após a tragédia, começou uma pós-graduação em auditoria e perícia ambiental. Seu trabalho de conclusão é justamente como reaproveitar rejeito da mineração na construção civil, para fazer tijolo, por exemplo.

Também decidiu escrever um livro como forma de desabafo. Em 160 páginas, conta sua história no interior de Minas, seu trabalho na Vale e, claro, o milagre que o salvou. “Brumadinho: na tragédia da lama, sou sobrevivente”, deve ser lançado em março pela editora Albatroz.

Para se reerguer, Sebastião ainda abriu, há pouco mais de um mês, uma empresa para dar palestras e treinamentos de gestão ambiental, sua especialidade – mas também para falar de superação. Ele e Elias trabalhavam com tratamento de água e esgoto na Mina do Feijão.

Sebastião, que ainda pinta quadros, já se dedicava a mil e uma atividades antes do rompimento. Ele saía de casa às 5h e voltava à meia-noite, após aulas de graduação. Muitos amigos da Vale eram colegas de faculdade e morreram antes da formatura, em março de 2019.

A pintura, porém, Sebastião não retomou desde a tragédia. “Antes do rompimento, eu ia fazer 20 telas sobre mineração. Se eu tivesse feito, ia quebrar tudo. A gente achava que era sustentável e a sujeira estava embaixo do tapete”, diz.

“Eu achava que era o melhor lugar que eu já trabalhei na vida. Todo dia eu sentava no ônibus na volta e agradecia a Deus por estar ali. Pensava: ‘Que lugar bonito!’. Cada dia era como se fosse o primeiro, porque eu gostava de trabalhar. E acontece o que aconteceu”, completa.

Sebastião ainda negocia uma indenização da Vale. A rotina dos sobreviventes foi tomada por depoimentos ao Ministério Público, Polícia Civil, Polícia Federal e a CPIs em Minas Gerais e em Brasília.

Em cada oitiva, eles relembram o desespero. “Eu estava de olho fechado, pedindo a Deus para morrer sem sentir dor. Eu lembro do barulho da lama torcendo a caminhonete”, conta Sebastião.

Elias e Sebastião, assim que saíram da caminhonete, se preocuparam em achar sobreviventes. Viram Leandro Cândido, 38, com só a cabeça para fora, soterrado em uma carregadeira, pedindo por ajuda e gritando de dor.
Eles cavaram com as mãos. “Sua perna está quebrada, fica calmo”, disseram ao colega. Quando venceram a lama, deitaram Leandro ao lado da carregadeira, com a perna quebrada e um corte no braço, que iria ser costurado com 22 pontos.

Chegaram a ver um braço para fora em outra máquina, mas já não havia o que fazer. Só então ligaram para os familiares. A namorada de Elias e a esposa de Sebastião viram pela TV os dois pedindo resgate no meio da lama.

Leandro não quis dar entrevista. Diz que não gosta de relembrar a tragédia. Ele voltou a trabalhar na Vale há duas semanas.

Os sobreviventes se falam por telefone e já fizeram visitas um à casa do outro. “Não é bom deixar que se perca a amizade”, diz Sebastião.

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