NICOLA PAMPLONA (FOLHAPRESS) – Impactada pelas duas grandes tragédias com barragens de mineração que ocorreram em Minas Gerais nos últimos anos, Mariana (MG) viu disparar sua arrecadação com os royalties sobre a produção mineral em 2021.
De acordo com dados da ANM (Agência Nacional de Mineração), a cidade já arrecadou R$ 347,2 milhões no ano, o dobro do valor registrado em 2019. A alta reflete a retomada das operações e a escalada do preço do minério no mercado internacional.
Mesmo com as operações ainda longe da capacidade total, a receita de 2021 é quase três vezes a verificada em 2015, antes do rompimento da barragem do Fundão em 5 de novembro daquele ano, operada pela Samarco, mesmo considerando a inflação do período.
Após a tragédia que deixou 19 mortos e um rastro de destruição, a Samarco foi obrigada a paralisar as operações no Complexo de Germano, onde estava a barragem que se rompeu.
A Vale, que divide o controle da empresa com a BHP Billiton, também teve que suspender operações no município em 2019, após a tragédia de Brumadinho (MG), que deixou 272 mortos e levou a um reforço na política nacional de segurança de barragens.
“Foi realmente bem trágico esse período. Tivemos que cortar não só na carne, mas no músculo”, diz o secretário de Planejamento, Suprimentos e Transparência do município, Marlon Figueiredo. “Mas agora temos um novo horizonte.”
Em paralelo à perda de arrecadação com a suspensão das operações, a cidade viu aumentar a pressão sobre as despesas, já que a queda da renda empurrou famílias que antes tinham plano de saúde ou pagavam escola particular para os serviços públicos.
Com a recuperação da receita, diz Figueiredo, foi possível adotar medidas para suavizar os impactos da pandemia na economia municipal e retomar investimentos, que ficaram praticamente zerados no período de restrições às atividades das mineradoras.
As operações da Samarco foram retomadas em dezembro de 2020, com produção limitada pela capacidade de disposição de rejeitos a seco, tecnologia mais segura do que a utilizada nas duas barragens que se romperam no estado.
Atualmente, opera com 26% da capacidade, o equivalente a 8 milhões de toneladas por ano. Desde o início das operações, já embarcou 6,1 milhões de toneladas de pelotas e do chamado “pellet feed“, que são partículas ultrafinas de minério.
A empresa diz que a retomada foi garantida pela adoção de nova tecnologia para disposição final dos rejeitos, agora feita em uma cava de onde extrai minério e com sistema de filtragem para empilhamento a seco.
“[A Samarco] retomou a operação sem a utilização de barragens, apoiada em novas tecnologias por meio da adoção de práticas mais seguras e sustentáveis”, afirma, em nota, a companhia, que evita previsões sobre a retomada da capacidade total.
A Vale teve que suspender as operações em duas minas do Complexo Mariana, Alegria e Timbopeba. A primeira foi retomada em novembro de 2019, ainda com restrições, e a segunda, em abril de 2020. Em 2021, o complexo produziu 15 milhões de toneladas, bem abaixo dos 50 milhões que pode produzir por ano.
Para a arrecadação do município, a produção menor do que a capacidade foi compensada pela escalada do preço do minério, que chegou a ultrapassar pela primeira vez a barreira dos US$ 200 por tonelada no segundo trimestre, levando a Vale a lucro recorde de R$ 40,1 bilhões no período.
“Tem um efeito macroeconômico aí, com a desvalorização cambial e a grande demanda chinesa por minério, que elevou os preços”, diz o secretário. A receita, porém, tende a cair no segundo trimestre com o recuo da cotação internacional, que hoje está abaixo dos US$ 100 por tonelada.
Ainda assim, o cenário é mais otimista, acrescenta Figueiredo, já que a perspectiva é de crescimento da produção nos próximos anos.
Em nota, a Samarco diz que “está focada na expansão gradual e segura de suas atividades até atingir 100% de sua capacidade produtiva, o que ocorrerá em alguns anos, mantendo-se atenta às evoluções tecnológicas e de produtos de forma a atender necessidades do mercado”.
A empresa enfrenta um conturbado processo de recuperação judicial, marcado por disputa judicial entre seus controladores e os credores, que acusam Vale e BHP de tentarem se livrar de responsabilidade pelo financiamento da reparação dos danos.
Eles questionam a inclusão, entre os créditos da recuperação judicial, de R$ 23 bilhões aportados pelas controladoras para manter a empresa durante o período sem operações. Para os credores, parte desse valor deveria ter sido transferido diretamente à Renova, fundação que cuida da reparação.
A Samarco defende que segue a legislação ao incluir todos os seus débitos no processo. Em nota à Folha, afirma que a recuperação judicial foi decidida depois que a empresa “passou a ser alvo de ações judiciais muito hostis no Brasil e no exterior feitas por parte dos credores financeiros”.
Atualmente, os credores estão realizando auditoria nos números e projeções da empresa e, para manter as negociações em curso, uma ação judicial estendeu por 180 dias o período de proteção contra ações judiciais.
“A empresa reafirma o compromisso com todos os seus credores e está empenhada na conclusão de todo o processo dentro dos devidos prazos legais”, afirmou.