Em audiência pública, defensores e familiares de presos pediram revisão de restrições impostas pelo governo
Uma visita a cada 30 dias, uma só pessoa por vez, durante 20 minutos. Com essas regras, foram retomadas as visitas presenciais aos presídios em Minas, no último dia 26 de setembro, depois de quase seis meses de suspensão por causa da pandemia de Covid-19.
Familiares de pessoas encarceradas, advogados e alguns defensores públicos levaram suas queixas com relação às restrições à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (8/10/20).
A retomada das visitas segue as determinações do Plano Minas Consciente, instrumento adotado pelo Governo do Estado para conter a propagação do coronavírus. Assim, mesmo com as restrições, as visitas só são permitidas em unidades prisionais localizadas em cidades que estejam nas chamadas ondas verde ou amarela do plano.
Para a vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputada Andréia de Jesus (Psol), as regras precisam ser revistas urgentemente, pois as pessoas privadas de liberdade também estão sendo privadas de um contato mínimo com suas famílias.
Durante a audiência, que teve participação remota de cerca de 200 pessoas, foram apresentadas também várias denúncias de maus-tratos dentro dos presídios, falta de água e de assistência médica, além de reclamações sobre transferências irregulares de presos durante a pandemia. Outro ponto enfatizado por vários participantes é que comida estragada estaria sendo servida aos detentos.
Como desdobramento das discussões, a comissão aprovou vários requerimentos assinados pela presidente, Leninha (PT), e pelas deputadas Andréia de Jesus e Beatriz Cerqueira (PT), com pedidos de revisão das normas de visitação, de esclarecimentos e de providências dos órgãos responsáveis.
O deputado Carlos Pimenta (PDT) acredita que as restrições foram necessárias, mas prometeu que vai pleitear junto à Secretaria de Estado da Saúde o início da testagem em massa da população carcerária e dos trabalhadores no sistema prisional.
Para a deputada Celise Laviola (MDB), a portaria foi elaborada da melhor forma possível, dentro da situação de pandemia pela qual o Estado atravessa.
Governo informa que regras poderão ser revistas
As regras para visitação estão contidas na Portaria Conjunta 08/20, elaborada pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Defensoria Pública do Estado (DPMG) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG).
O secretário-adjunto de Justiça e Segurança Pública, Gustavo Tostes, que representou o governo na audiência, lembrou que a pandemia trouxe um cenário inédito, nos últimos cem anos, para todos. Por isso, teria sido necessário agir rapidamente visando preservar a vida dos presos e dos agentes de segurança.
O resultado das medidas adotadas, segundo ele, foi o baixíssimo número de óbitos e contaminações no sistema prisional em Minas.
Gustavo Tostes salientou que a Portaria Conjunta foi o primeiro passo para amenizar o incômodo causado por essas restrições. Porém, segundo ele, o governo promove reuniões diárias para avaliar a situação, não sendo descartada a revisão das novas exigências, como o limite de 20 minutos para as visitas, tão logo a questão sanitária permita.
A deputada Andréia de Jesus, a advogada popular e criminalista Fernanda Oliveira, e a promotora de justiça de Direitos Humanos Cláudia do Amaral Xavier cobraram do governo mecanismos que garantam o diálogo com as famílias dos encarcerados.
“Por mais que tenha sido boa a intenção dos que elaboraram a portaria, a escuta dos afetados pelas medidas é imprescindível”, afirmou a promotora.
“Vidas presas importam”, diz representante das famílias
Uma das críticas mais contundentes veio da mestre em Direito e Criminologia Deise Benedito, que também é perita do movimento Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Para ela, a visitação de apenas 20 minutos por mês é cruel e injusta, principalmente para familiares de detentos que precisam fazer viagens longas até os presídios e que, depois, ainda são submetidos a procedimentos de revista “ultrajantes”.
Deise Benedito afirma que a pandemia de Covid-19 veio escancarar ainda mais as mazelas do sistema penitenciário brasileiro, que convive com superlotação e condições de permanência degradantes para os detentos.
Afirmando que 6% da população carcerária em todo País é composta por jovens negros, com idade entre 18 e 25 anos, ela comparou as celas dos presídios aos navios negreiros da época da escravidão.
Para os defensores públicos Maxnei Gonzaga e Rômulo Luis Veloso, que atuam na comarca de Betim (RMBH), estaria havendo violação de direitos com as novas regras de visitação. Um dos erros apontados por Rômulo Veloso seria a proibição de visitas de pessoas vindas de outros Estados.
“Se em nenhum momento houve proibição da entrada de ônibus vindos de outros Estados em Minas, por exemplo, por que essas pessoas não podem entrar nos presídios para visitar um parente detido?”, indagou.
A defensora que representou a Defensoria Pública de Minas Gerais, Emilia Eunilce Alcaraz Castilho, no entanto, considerou que a portaria traz regras que são transitórias, e que a ideia, no momento em que os órgãos assinaram a medida, era avançar com os protocolos à medida que as condições sanitárias permitissem. Uma das possibilidades, segundo ela, é que o tempo de 20 minutos seja ampliado nas unidades prisionais com menor número de detentos.
Já a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Teresa dos Santos, fez várias críticas às novas regras e afirmou que são inúmeras as denúncias de maus-tratos dentro dos presídios, no período em que as visitas estiveram totalmente suspensas. Também disse que os presos estariam recebendo “comida azeda”. Com as frases “ser família de preso não é crime” e “vidas presas importam”, Maria Tereza resumiu seu posicionamento.
Marmitas
O secretário-adjunto Gustavo Tostes garantiu que, sempre que o Poder Executivo toma ciência da oferta de refeições contaminadas ou estragadas, as empresas responsáveis são punidas, e são realizadas novas contratações.
No entanto, as irregularidades seriam pontuais, de acordo com Gustavo Tostes, em um universo de mais de 250 mil refeições servidas diariamente a detentos e agentes prisionais e socioeducativos do Estado.