A menos de duas semanas da abertura da Olimpíada, Tóquio passa por uma situação complexa: busca concretizar a promessa de realização segura do evento e, por outro lado, tem a missão de tentar impedir que os Jogos aumentem os números de covid-19 na cidade.
A cerimônia de boas-vindas aos visitantes estrangeiros que trabalharão na competição já indica de cara que o clima de preocupação na chegada tomou o lugar da euforia comum em edições anteriores.
Tão desejada em 2013, quando anunciado que Tóquio seria a sede de 2020, a Olimpíada se transformou em vilão para os japoneses. Não à toa. A anfitriã registrou na sexta (9), a 72 horas de entrar em seu quarto estado de emergência, 882 novos casos de covid, elevando a média diária dos últimos sete dias a 686 diagnósticos. Segundo dados oficias, a população de Tóquio é de 13,9 milhões de pessoas.
A possibilidade de transmissão da variante delta do vírus durante as competições (e nos dias que as antecedem) assusta as autoridades.
A decisão anunciada na quinta (8), de vetar espectadores locais nas competições em Tóquio, após a proibição já estabelecida a torcedores estrangeiros, não aliviou o cenário de insegurança pandêmica do evento que começa no próximo dia 23.
A equipe da Folha desembarcou nesta sexta em Tóquio. Assim como os demais credenciados (incluindo todos os atletas), os repórteres precisam respeitar uma série de protocolos estabelecidos para reduzir o risco de transmissão de covid.
Quem chega para participar dos Jogos só pode sair do avião após a permissão de um integrante do comitê organizador, que confere os documentos e encaminha o passageiro para um corredor infinito de checagens – a reportagem passou por ao menos 10 pontos até deixar o aeroporto.
A principal medida durante esse processo é um teste de covid com amostra de saliva. Com o cartão rosa confirmando o teste negativo em mãos, a imigração é liberada e, em seguida, o deslocamento para um hotel credenciado pelo comitê local para o cumprimento de quarentena e mais protocolos.
A maior preocupação do governo do Japão é evitar que os moradores tenham contato com os estrangeiros envolvidos na Olimpíada, adiada de 2020 para 2021 por causa da pandemia.
“É responsabilidade do governo realizar Jogos seguros. Faremos o máximo para isso, incluindo as medidas de controle de imigração”, disse na sexta o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga.
Suga vem sofrendo críticas da oposição e de grande parcela da população por ter insistido na realização da Olimpíada em meio a um cenário de pandemia. Pesquisa recente aponta que 80% dos japoneses estariam contrários ao evento.
A responsabilidade pela manutenção da competição não é debitada somente na conta do governo local. Os japoneses também cobram o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), Thomas Bach.
Ele desembarcou em Tóquio na quinta sob críticas da imprensa japonesa por ter cedido a pressões econômicas de patrocinadores enquanto o vírus continua assustando o mundo e, no caso dos Jogos, a população japonesa.
Estima-se que pelo menos 11 mil atletas (olímpicos e paraolímpicos) de 100 países desembarquem no Japão nas próximas semanas para se hospedar na Vila Olímpica, além de membros das delegações, jornalistas e autoridades espalhados pela cidade.
Os torcedores foram vetados nas competições em Tóquio, mas um número limitado poderá comparecer a eventos nas cidades de Fukushima, Miyagi, Ibakari, Shizuoka e Hokkaido.
A estimativa da imprensa japonesa, com base em dados da organização dos Jogos, é que 910 mil ingressos que haviam sido comprados foram afetados pelas recentes medidas de restrição de público.
Até agora, o Japão já registrou cerca de 800 mil casos de covid-19 e 15 mil mortes. O ritmo de vacinação é lento, apesar de uma aceleração nas últimas semanas. Apenas 15% dos japoneses completaram as duas etapas de doses e 26,% tomaram a primeira.
Nos primeiros 14 dias após a chegada à capital japonesa, por exemplo, a imprensa é obrigada a cumprir um plano apresentado pelo veículo e aprovado previamente pelo governo japonês, que restringe a circulação aos espaços olímpicos.
Os primeiros três dias devem ser de isolamento em um hotel – um fiscal do comitê organizador fica no lobby o tempo inteiro anotando as saídas, com limite de 15 minutos, para comprar refeições.
Passado esse período, com a confirmação de um teste negativo de covid, é liberada a visita, pelos próximos 11 dias, somente aos lugares pré-aprovados, com proibição do uso de transporte público, como forma de evitar o contato com residentes.
Neste tempo, o trabalho da imprensa é bem limitado. Não é permitido entrevistar moradores, realizar reportagens em locais não olímpicos, muito menos circular por Tóquio em regiões turísticas, lojas, restaurantes, por exemplo. No fim desse intervalo, um teste negativo de Covid abre caminho para uma rotina mais livre na cidade.
E como o governo japonês fará o controle dos visitantes olímpicos? Para entrar no Japão, os credenciados são obrigados a instalar um aplicativo no telefone (“cocoa”) usado pelo governo japonês para monitorar via GPS a circulação de todos, sobretudo se houver suspeita de contaminação de covid em determinado grupo de contato.
Nos 14 dias de rigidez, as refeições devem ser feitas no restaurante do hotel, via delivery, compradas em lojas de conveniência ou em estabelecimentos dos espaços olímpicos. No guia das regras, o uso de máscara é a número 1, exceto nas refeições, treinamentos, competições e, claro, na hora de dormir.
Quem viaja ao Japão para a Olimpíada precisa apresentar dois testes negativos de covid antes do embarque, sendo um deles realizado no intervalo de 72h antes da partida para Tóquio.
Cada veículo de mídia foi obrigado a apontar um representante, chamado de CLO (Covid-19 Liaision Officer), para ser a ponte do comitê organizador com a respectiva equipe sobre o controle da pandemia durante o evento.
No caso de um teste positivo, o CLO é comunicado pelo COI e essa pessoa é isolada imediatamente para uma quarentena. E quem esteve em contato com esse indivíduo por mais de 15 minutos, a menos de um metro de distância e sem usar máscara é considerado com risco potencial de contaminação.
Um rigoroso esquema de testes de covid foi estabelecido. Kits são distribuídos por hotéis e espaços destinados ao evento.
Os atletas hospedados na Vila Olímpica, por exemplo, são obrigados a testar diariamente, assim como todos os que terão contatos com eles, incluindo delegados e juízes de competições. Jornalistas devem fazer os testes diariamente ou a cada quatro dias, dependendo do nível de contato que terá com os demais envolvidos. (Por CAMILA MATTOSO E LEANDRO COLON – TÓQUIO, JAPÃO – FOLHAPRESS)