por Arthur Arock (*)
Nesta semana eu queria dividir uma questão que tem surgido: qual o futuro das salas de cinema?
Essa questão surgiu porque os outros países, graças a estratégias de vacinação eficientes, começam a retomar uma certa normalidade pré-pandemia.
Antes de continuar, quero só lembrar que a grande estratégia de combate ao covid que funcionou nos Estados Unidos foi trocar de presidente, tirando do poder um conservador egomaníaco sem nenhuma empatia e amplamente defensor de todo tipo de discriminação e ódio. Eu sei que é uma descrição muito parecida com o do atual presidente do Brasil, mas, se precisar fazer alguma diferenciação, é só lembrar que, dos dois, o presidente brasileiro é o que em vários momentos defendeu a ditadura e torturadores ou (caso algo mais específico e recente seja necessário) o que, depois de ignorar várias ofertas de compra de vacina ano passado, na segunda-feira saltou prontamente na oportunidade de trazer um evento esportivo enorme, que tem todas as chances de desencadear uma terceira onda de contaminação. Eu acho que essa conjunção de fatores, principalmente quando a gente vê os norte-americanos reabrindo o país enquanto o nosso conta os mortos em milhares diariamente, é muito importante de ser mantida na mente do brasileiro.
Mas, voltando ao tema principal…
Com os países reabrindo, também reabrem as salas de cinema, os teatros, os museus, as casas de shows etc. Porém, isso vem levantando a questão: como será a relação com a sala de cinema depois da pandemia? Por mais de um ano ficamos isolados dentro de casa e, apesar de ter diminuído a velocidade, o cinema não parou. Só se adaptou. Os filmes passaram a chegar direto nas nossas casas via servições de streaming, tanto que, em 2020, foi a primeira vez que o Oscar abdicou da exigência de que para um filme concorrer ele tinha que ser lançado no cinema (e creio que 2021 vá ser igual).
E o cinema não foi o único: os shows viraram lives, o teatro passou a ser on-line… Inclusive, tem algumas pessoas argumentando que isso não caracteriza teatro, por um fator constituinte de esse ser a presença pessoal dos atores e público. Então, talvez nessa versão online estejamos presenciando o nascimento de uma nova arte que ainda precisa ser nomeada. Mas, apesar de todas essas adaptações, eu acredito que o teatro, concertos, museus, shows e outras atividades presenciais vão voltar ao normal assim que possível nesses países onde está acontecendo a reabertura (ou pode ser, só pensamento positivo da minha parte). Eu acredito que as pessoas, pelo menos falando das gerações que não nasceram com acesso à internet e suas formas de entretenimento/comunicação, sentem um apelo pelo presencial, por ver seus artistas de perto. Creio que não falo apenas de mim quando digo que presenciar algo pessoalmente, in loco, faz a experiência ser muito mais real. Sei que sou suspeito para falar, mas há algo mágico no teatro e nos shows, algo único, intransferível e que não dá para ser transmitido de outra forma. Aquela sensação que só quem estava lá viveu e sabe. Não é à toa que, apesar de a imagem da Monalisa estar em todo lugar na internet, as pessoas ainda fazem filas quilométricas no Louvre para vê-la. Estar na presença física de algo/alguém é uma experiência a parte.
Porém, o cinema não tem presença física.
A única coisa que muda de ver um filme na tela do cinema, da TV, do computador e até mesmo do celular é só a qualidade da reprodução (e o tamanho da tela, obviamente). No mais, o filme é basicamente o mesmo nas quatro possibilidades. Se esse é o caso, porque sair para ir até o cinema se o cinema pode vir até você?
Não me entenda mal, eu sou um grande fã de ir ao cinema. Gosto da imersão que só se consegue em uma boa sala de cinema. Sem falar nas boas memórias que esse ato me traz. Eu lembro claramente quando os cinemas propriamente ditos começaram a fechar até virarem só salas dentro dos shoppings. Lembro desde de a primeira vez que fui no cinema ver Rei Leão (e para os valadarenses que ainda lembram dessa época, foi naquele cinema que ficava na avenida Brasil; chamava Cine Phoenix, se não me engano), assim como lembro que eu e mais dois amigos fomos à última sessão do último cinema propriamente dito em Governador Valadares (aquele que ficava no centro, na rua Israel Pinheiro, no quarteirão entre avenida Minas Gerais e rua Barão do Rio Branco). Inclusive, para ver um filme bem ruim (“Blade III”) e em uma sala que já estava bem decadente, mas era importante para nós prestarmos nossas homenagens àquela instituição que fechava (que foi um momento de relevância histórica pessoal e municipal, pode ser uma relevância pequena e em certo ponto negativa, mas não deixava de ser relevante).
Mas, mesmo eu, um defensor da experiência, tenho que admitir que ir ao cinema era algo que estava se tornando cada vez mais raro antes mesmo da pandemia e por nenhum outro motivo que o alto custo envolvido; e não estou nem falando da pipoca que custa mais que o ingresso (ou, pelo menos, não só desse absurdo), mesmo porque ninguém mais comprava pipoca no cinema, que tinha se tornado um luxo muito caro para a maioria de nós poder se dar. O ponto é que ir a uma sala de cinema era uma experiência que incluía o preço do ingresso (que não é barato), o transporte de ida e volta… Por outro lado, ver um filme em casa custa só a assinatura do streaming (quando muito).
E os tempos são outros, se comparados à minha época de infância: não é como se você não tivesse escolha a não ser ver o que passa na TV ou esperar sexta-feira para poder alugar uma fita na locadora. Com um clique (ou melhor, com um toque na tela; afinal, clique como evocação do mouse é um exemplo que tem ficado ultrapassado) você tem acesso a uma miríade de opções. Se antigamente a gente reclamava que não tinha nada para ver, hoje as pessoas reclamam porque tem opções demais para escolher.
E a pandemia tirou um dos dois grandes trunfos que o cinema tinha (sendo o outro a qualidade): a novidade. Antes você via um filme no cinema ou esperava os seis meses que demorava para ele sair em vídeo (ou, mais recentemente, chegar aos streamings). Até os adeptos da pirataria tinham que lidar com essa espera (ok, talvez mais curta, mas ainda assim uma espera) para ter acesso ao filme com uma qualidade minimamente aceitável. E se você é da galera que odeia “spoliers” (algo para o que eu sinceramente não ligo) ver o filme o mais rápido possível era imperativo, ou fatalmente alguém (possivelmente na internet) ia acabar te contando mais do que você quer saber.
Mas, com a pandemia e as salas de cinema fechadas, os estúdios se viram forçados a fazer adaptações. Grandes nomes como a Disney lançaram suas principais produções diretamente para compra no streaming. Agora, as propagandas dos filmes, como “Cruella” ou “Black Widow”, já anunciam que eles vão voltar para o cinema, mas aparentemente também estarão simultaneamente disponíveis para compra no Disney+ (via “Premier Access”).
Então, levando isso tudo em consideração, especialmente que no mesmo dia que o filme sair no cinema você poderá comprá-lo para assistir quantas vezes quiser no conforto da sua casa (e, sejamos francos, possivelmente mais barato que o ingresso do cinema, principalmente se você dividir o preço com seus amigos que também teriam que pagar as respectivas entradas), eu me pergunto o que o futuro reserva para salas de cinema.
Eu espero que elas não acabem. Espero que possa voltar a ir ao cinema se um dia a pandemia acabar no Brasil (afinal, sempre existe a esperança de a gente conseguir substituir a atual alcateia de genocida por alguém que realmente governe o país). Vou admitir que, se esse dia chegar, vou priorizar voltar a ir ao teatro e depois a shows. Porém, mesmo estando em terceiro na lista (junto com museus), gostaria de voltar a ir ao cinema.
Talvez a solução que as salas de cinema encontrem seja se tornar mais economicamente acessíveis (quem sabe até vender pipoca, refri e outras opções de lanches por um preço que você não precise vender um rim para pagar). Ou talvez seja novamente só eu e meu pensamento positivo. Quem sabe? Essa é uma daquelas famosas situações onde “só o tempo dirá”.
(*) Nascido em Governador Valadares e atualmente residente em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica se traduz numa ampla experiência no setor cultural. É escritor, crítico e comentarista cinematográfico e literário.
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