Procon-MG discute abastecimento de água e esgotamento sanitário

Os desafios do abastecimento de água e de esgotamento sanitário no Brasil foram temas de seminário realizado pelo Procon-MG, na tarde de quinta-feira. Especialistas falaram sobre o novo marco do setor e sobre o papel das agências reguladoras. O evento teve abertura do promotor de Justiça Glauber Sérgio Tatagiba do Carmo, coordenador do Procon-MG e mediação de Cássia Luísa Batista Mendonça Weber, coordenadora da Divisão de Educação para o Consumo do Procon-MG.

O coordenador de Planejamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, Paulo Rogério dos Santos e Silva, destacou que o país tem milhões de pessoas a serem atendidas e que as perdas na distribuição da água vêm se agravando nos últimos anos, chegando a 40,1%. “É um ciclo que precisa ser melhorado”, disse. Sobre o esgotamento sanitário, ele apresentou os números no país: apenas 55% da população é atendida, existem 100 milhões de brasileiros sem acesso à coleta e tratamento de esgoto. Segundo Santos e Silva, em 2020 foram investidos R$ 13,7 bilhões no sistema, mas seriam necessários R$ 40 bilhões por ano para atingir metas de universalização. “Urgem medidas de mitigação e enfrentamento do problema”. 

Para ele, o novo Marco Legal do Saneamento, em vigor desde 2020, foi bem recebido e facilita o acesso a recursos privados, posição reforçada por Vítor Eduardo de Almeida Saback, diretor da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). “O marco trouxe perspectiva de universalização, com prazo até 2033”. Segundo ele, no atual ritmo de investimentos, a universalização só viria em 2055. “O marco não é sobre empresa pública ou privada, mas sim sobre quem tem condição de cumprir as metas”, destacou. Segundo o diretor da ANA, o Estado ganhou a atribuição de regionalizar para dar escala ao serviço e, entre os desafios da agência, estão alcançar a universalização sustentável, monitorar a adesão às normas de referência e editar normas de referência efetivas para a segurança jurídica das operações. 

O diretor da Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae-MG), Stefani Ferreira de Matos, disse que o papel da agência é equilibrar as relações entre população, município e prestador, trabalhando com normatização, revisão tarifária, fiscalização operacional e econômico-financeira. Como resultado dessa última atribuição, a Arsae-MG garantiu R$ 524 milhões em devoluções determinadas, abrangendo 1,2 milhão de usuários e mais de 50 processos administrativos instaurados. Ele expôs o caso de concessionária mineira que teve que recorrer ao faturamento pelo volume médio histórico durante a pandemia, quando a visita dos leituristas foi suspensa, o que gerou distorções quando a medição foi retomada. Foram analisadas 6 milhões de faturas e feitas ratificações, contatando-se cobrança indevida em 581 municípios.

A diretora-geral da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento Básico de Minas Gerais (Arisb-MG), Gleice Nascimento Guimarães, falou aobre a atuação da entidade, que atende população de 2,6 milhões de pessoas, em 29 municípios de diversas regiões do Estado e um consórcio com oito cidades. A Arisb-MG tem sete anos de atuação em abastecimento, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de resíduos sólidos e regula prefeituras, autarquias, empresa pública municipal e empresa privada. Ela também pontuou o papel de equilíbrio que a agência desempenha e afirmou que as entidades reguladoras precisam muito do Ministério Público. 

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Já Rafael Benedetti Parisotto, promotor de Justiça da Comarca de Arcos/MG, e Ricardo Augusto Amorim César, assessor jurídico do Procon-MG, falaram sobre o caso concreto de Conceição do Mato Dentro, onde Parisotto atuava como promotor. Ele contou que, entre 2019 e 2020, a cidade, que recebeu investimentos de uma mineradora, provocando o aumento da população de 15 para cerca de 25 mil pessoas, vivia um problema frequente de falta de água, o contrato com a Copasa estava desatualizado e não houve investimentos. “A cidade tinha um orçamento de mais de R$ 500 milhões e não tinha água na torneira nem esgotamento sanitário”. 

A situação exigiu um atuação direta, por meio de reunião no Procon-MG, em Belo Horizonte, com prefeito, vereadores, Copasa e Arsae. Foram feitos estudos que diagnosticaram que a estrutura era antiga, sem serviço de qualidade. Foi proposta a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas a Copasa fez as obras e optou por não assinar o TAC. Foram ajuizadas ações para cumprimento de contratos e por danos morais coletivos. O retorno que Parisotto tem é que a situção melhorou bastante. “Não podemos trabalhar temas complexos de forma atradicional, é preciso agir de outra forma”, recomendou. 

Segundo Ricardo Amorim, o caso demonstra a complexidade e dificuldade de lidar com o tema e a proposta do Procon-MG para casos dessa magnitude é ter roteiro de atuação, já em desenvolvimento, para apresentar panorama, os órgãos com atribuição, sugerir procedimentos e apresentar modelos, facilitando a ação dos promotores de Justiça. Entre 2019 e 2022, 25 procedimentos foram instaurados para apurar problemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. 

Leo Heller, pesquisador da Fiocruz e doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais, encerrou o seminário fazendo contraponto aos representantes das agências sobre o novo marco legal. “A lei incentiva a privatização, vai haver esvaziamento das companhias estaduais na prestação de serviços”, argumentou.

Heller analisou que a Copasa, por exemplo, opera em 600 municípios e registra superávit em cerca de 70 apenas, usando esse excedente financeiro para subsidiar as operações nas demais cidades. “A grande pergunta é o que acontecerá com os subsídios cruzados”, questionou.

Segundo o professor, existem múltiplos casos de desigualdade e os recursos precisam ir para a população mais necessitada. Ele afirmou que o Brasil vai na contramão do mundo ao intensificar a privatização do setor e enumerou casos de cidades que voltaram atrás, remunicipalizando os serviços, como Paris, Jacarta, Buenos Aires e La Paz. Entre 2000 e 2015, foram 235 casos em 37 países. 

O abastecimento de água e o esgotamento sanitário, frisa o professor, têm impacto nos direitos humanos. Ele enumera como pontos de atenção no novo marco que pode haver seletividade dos investidores privados, quebra do subsídio cruzado, aumento das tarifas, redução das tarifas sociais e indefinição sobre o saneamento rural e tratamento de esgotos. MPMG

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