Por que a hidroxicloroquina ainda não é garantia de cura para a Covid-19?

Confira a entrevista do DRD com um farmacêutico e pesquisador, que explicou por que a eficácia do remédio ainda não é comprovada

Na última quinta-feira (19), o presidente norte-americano Donald Trump fez um pronunciamento sobre o possível uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Logo após o anúncio, começou uma corrida mundial às farmácias, em busca da hidroxicloroquina, um derivado menos tóxico da cloroquina, que é usado no tratamento de doenças como lupus, artrite e malária.

No Brasil, a busca pelo fármaco foi intensificada depois que o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pediria ao laboratório do Exército para aumentar a produção. Com a compra desenfreada do medicamento, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisou incluir a hidroxicloroquina na lista de fármacos controlados, que só são vendidos com retenção de receita. Ainda assim, os estoques das farmácias estão vazios, e nem quem tem a receita consegue mais comprar.

Para esclarecer as dúvidas sobre o assunto, o DIÁRIO DO RIO DOCE conversou com o pesquisador Pedro Marçal, que é farmacêutico, analista clínico, doutor em Imunologia e Genética pela Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do curso de Farmácia da Universidade Vale do Rio Doce. Confira:

Pedro Marçal é farmacêutico, analista clínico, doutor em Imunologia e Genética pela Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do curso de Farmácia da Universidade Vale do Rio Doce

DRD – O que é a hidroxicloroquina e para que doenças esse medicamento é utilizado?

Pedro Marçal – Basicamente, a hidroxicloroquina é um fármaco muito usado no tratamento da malária, que também pode ser usado para outras patologias, como artrite-reumatoide, lupus eritematoso, dentre outras, mas essas são as principais. É um medicamento usado por via oral.

Agora, saiu na mídia, né, essa questão experimental do uso dele com relação ao Covid-19. Só que ele é um medicamento que apresenta algumas reações adversas.

DRD – Que reações são essas?

Pedro Marçal – Reações no trato gastrointestinal, no sistema hematológico, neurológico, pode ter toxicidade na retina, por exemplo, diminuindo a visão do indivíduo. Claro que tudo vai depender da dose, do tempo de uso e tudo mais. Os efeitos mais comuns são vômito, cefaleia, fraqueza muscular, alteração na visão, como eu já falei. Pode ter efeitos mais graves, por causa de reações alérgicas, dentre outros efeitos adversos.

DRD – Como a hidroxicloroquina age no organismo?

Pedro Marçal – Nós chamamos isso de mecanismos de ação do fármaco. Ele age sobre a membrana do parasita. Estou falando de parasita porque estou me referindo ao Plasmodium, que é o causador da malária, porque inicialmente esse medicamento é usado para esse fim.

Então, o que ele faz: ele provoca o rompimento desse parasita e consequentemente leva à morte [do parasita]. Ele tem algumas outras ações farmacológicas, relacionadas ao efeito terapêutico dele, podendo interferir no que a gente chama de atividade enzimática dos parasitas. Se eu diminuo a atividade enzimática, eu diminuo o metabolismo, a geração de energia nesses parasitas, e conduzo esse parasita à morte. Também pode desligar o DNA, e aí dificultar a replicação do parasita. São vários os efeitos farmacológicos e mecanismos de ação.

DRD – E como ele funcionaria, no caso do combate à Covid-19?

Pedro Marçal – Alguns estudos saíram em que os pesquisadores começaram a propor que esse fármaco poderia inibir a entrada do vírus, no caso da Covid-19, bloqueando o transporte dele entre as organelas celulares. Porque, quando o vírus entra na célula, ele induz a célula a produzir as suas proteínas, as proteínas do vírus. Então o vírus começa a se replicar dentro da célula. E aí, acredita-se que a hidroxicloroquina evita esse transporte do vírus dentro da célula, entre as organelas. O que consequentemente diminui a sua replicação.

DRD – Por que é uma má ideia isso que aconteceu, das pessoas irem até as farmácias em busca desse medicamento para se automedicar contra a Covid-19?

Pedro Marçal – O uso desse medicamento com relação à Covid-19 ainda é controverso, porque o estudo que foi feito possui alguns pontos, que, como cientista, como pesquisador, a gente considera pontos falhos.

Explicando rapidamente, todo estudo relacionado a uso de medicamento deve ser randomizado. Um estudo randomizado possui o que a gente chama de balanceamento dos fatores prognósticos, para que você possa conseguir resultados confiáveis.

Os grupos, os pacientes que participam do estudo, eles têm que ter basicamente a mesma característica. No estudo, participaram pacientes de locais diferentes; os pacientes também eram diferentes em relação à idade, à condição clínica, ao sexo. Então, os pacientes não eram comparáveis.

Além disso, os pacientes foram acompanhados por 14 dias usando esse medicamento. Durante o estudo, houve o que a gente chama de cointervenções. Alguns pacientes fizeram uso de outros medicamentos, como, por exemplo, a azitromicina. Então, como você pode afirmar que o efeito gerado não foi relacionado ou potencializado por esses outros medicamentos que foram utilizados?

Enfim, existem algumas falhas no estudo, então, é necessário ainda continuar estudando e ter resultados mais fidedignos para que se possa afirmar de fato que esse medicamento pode ser usado e é eficaz no combate a esse vírus.

DRD – O que precisa ser feito para que a validade do medicamento seja comprovada?

Pedro Marçal – A gente precisaria, na verdade, de um estudo com um número maior de indivíduos, trabalhando com um grupo de controle, com indivíduos que não estão contaminados com o Covid-19.

Você precisa de muitos participantes, e você precisa controlar alguns fatores específicos: as características do participantes, a característica da infecção, a característica da sintomatologia, o sexo, a idade, tudo isso precisa ser controlado para que você possa ter segurança para afirmar que esse medicamento tem de fato benefício contra essa nova doença, contra esse novo patógeno.

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