Política dos Atingidos por Barragens é sancionada

Três dispositivos foram vetados, um deles que dava aos atingidos o direito de não precisar comprovar danos sofridos

O governador de Minas, Romeu Zema, publicou no último sábado (16/1/21), no Diário Oficial, mensagem com três vetos à Proposição de Lei 24.745, que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab). Na mesma edição, foi publicado o restante da Lei 23.795, que havia sido aprovada pelo Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em dezembro do ano passado.

Após serem recebidos pelo Plenário, os vetos serão encaminhados a uma Comissão Especial, que terá 20 dias para emitir parecer. No prazo de 30 dias após o recebimento, a Casa deverá deliberar sobre a matéria. Esgotado o prazo, os vetos passam a “trancar” a pauta do Plenário e impedir a apreciação de outras proposições.

O primeiro dispositivo vetado foi o inciso 7 do artigo 3º da proposição, que colocava como um dos direitos dos atingidos por barragens a inversão do ônus da prova, tendo em vista a condição de hipossuficiência dos atingidos por barragem para comprovar os danos sofridos.

Inversão do ônus da prova é um termo jurídico que diz respeito a situações específicas em que não existe a possibilidade de comprovar os fatos narrados dentro de uma demanda judicial pelo seu autor, por faltarem ferramentas, capacidade técnica, condições ou conhecimento para provas. No contexto da proposição, dava aos atingidos por barragens o direito de não precisar comprovar os danos que sofreram.

De acordo com o governador, o dispositivo seria inconstitucional, por entrar em competência privativa da União (artigo 22 da Constituição) e violar o artigo 5º da Constituição, por exigir do empreendedor (nesse caso, as mineradoras) uma “prova impossível (prova da inexistência de dano ou da negativa de um eventual dever de reparação), conflitando com o princípio constitucional da ampla defesa e contraditório”.

No veto, o governador explica, também, que os hipossuficientes são protegidos pela lei processual civil, já que o juiz pode “inverter o ônus da prova nas situações legalmente estabelecidas ou diante de peculiaridades da causa”.

O segundo veto do Executivo foi ao parágrafo 3º do artigo 6º da proposição. Ele estabelece que o Plano de Recuperação e Desenvolvimento Econômico e Social (PRDES) integrará o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos, nos termos da sistemática aplicada ao plano de assistência social descrita na Lei 12.812, de 1998.

De acordo com o governador, o veto se daria pelo fato do PRDES já integrar o processo de licenciamento ambiental, “em razão da representatividade e participação dos diversos atores públicos, privados e sociais, além da sistemática de estudos e análises realizadas durante o processo de licenciamento ambiental”.

Ele ainda explicou que a aprovação do PRDES depende de manifestação do órgão ambiental e, consequentemente, a emissão da licença ambiental seria precedida desse processo. Dessa forma, seria incorreto vincular o PRDES à sistemática da Lei 12.812, pois o espectro de barragens é mais amplo. “Na verdade, apenas os barramentos de recursos hídricos descritos na própria lei são submetidos ao seu regramento”, reforçou.

O terceiro e último veto é ao parágrafo 2º do artigo 7º da proposição. O dispositivo trata das atribuições de monitoramento e acompanhamento das ações de planejamento e de implementação da Peab por um comitê representativo, de natureza permanente, com composição paritária entre representantes do poder público e dos atingidos por barragens.

No parágrafo 2º, a proposição prevê que, no caso de barragens em operação, quando forem comprovados impactos socioeconômicos não identificados, não mitigados ou não compensados, gerados ou existentes antes da data de publicação desta lei, o comitê representativo poderá solicitar a elaboração de um PRDES e recomendar a sua execução.

Conforme justifica o governador, este dispositivo foi vetado por contrariar o previsto no artigo 5º da Constituição, que garante o princípio da segurança jurídica por meio da “proteção ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada”. O parágrafo 2º incide sobre as barragens anteriormente licenciadas, tendo efeito retroativo e alcançando empreendimentos em operação antes de sua vigência.

Quórum

A rejeição dos vetos se dará por 39 votos, que constitui a maioria dos membros. Se o veto for rejeitado, a proposição de lei será enviada ao governador do Estado para promulgação. Se em 48 horas o governador não promulgar o texto, o presidente da Assembleia o fará. Se mantido o veto, a Casa dará ciência ao chefe do Executivo.

Lei sancionada foi demanda de CPI das barragens

A Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab), contida na Lei 23.795, nasceu a partir do Projeto de Lei 1.200/15, de autoria do deputado Elismar Prado (Pros) e do agora deputado federal Rogério Correia (PT). A nova legislação prevê que o Estado prestará assistência social aos atingidos por barragens, por meio da Peab, que abrange ações prévias, concomitantes e posteriores ao planejamento, à construção, à instalação, à operação, à ampliação ou à manutenção de barragens.

A criação desta política estadual foi uma das recomendações que partiram do relatório final da CPI da Barragem de Brumadinho, que trabalhou na apuração das causas do rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da Mineradora Vale S.A., e das cotas de responsabilidade dos agentes envolvidos nos eventos a elas associados.

A norma determina que barragens seriam estruturas para acúmulo de água, resíduos ou rejeitos, com detalhes sobre altura do maciço, capacidade do reservatório, categorias de danos potenciais e de riscos, que devem ser total ou parcialmente preenchidos para que a estrutura seja caracterizada como barragem.

São considerados atingidos, por sua vez, as pessoas e as populações, na região afetada, que sejam prejudicados, ainda que potencialmente, pelos impactos decorrentes das barragens. O texto lista formas como os prejuízos podem se dar, desde perda de terrenos até perdas de áreas para atividades pesqueiras, além de prejuízos à qualidade de vida e à saúde.

O texto considera impacto socioeconômico como sendo o prejuízo social e econômico resultante da atividade, incluindo aquele ocasionado por acidente ou desastre, passível de ser compensado em valor pecuniário ou obrigação de fazer.

Já a região afetada por barragem é aquela que abrange a totalidade das áreas em que se constatar, direta ou indiretamente, impacto socioeconômico, cultural ou ambiental em decorrência da atividade.

O texto enumera 14 diretrizes, objetivos e direitos dos atingidos, entre eles o direito a informações, em linguagem simples, relativas a processos de licenciamento, a estudos de viabilidade e à implementação do Peab e seu respectivo PRDES.

São ainda listados direitos à participação social em vários dos processos da Peab; à negociação prévia e coletiva, no âmbito do Comitê Gestor, quanto a formas e parâmetros de reparação de eventuais impactos socioeconômicos; à reparação integral de impactos.

Entre as diretrizes da Peab estão a transparência, a melhoria das condições de vida dos atingidos, a utilização preferencial de mão de obra local nas atividades relacionadas a barragens em que haja pessoas ou populações atingidas; a execução de ações de reparação adequadas à diversidade dos impactos de natureza material e imaterial; e a adoção de medidas preventivas para que se evite a repetição de danos e eventuais violações dos direitos dos atingidos.

O texto traz ainda um capítulo de disposições gerais e transitórias, o qual estipula que os editais de licitação referentes à contratação de obras ou prestação de serviços que envolvam barragens incluirão cláusula específica sobre responsabilidades do contratado quanto ao cumprimento da Peab e a previsão dos recursos para o financiamento do PRDS, em conta bancária específica.

Durante a tramitação da matéria na Casa, os deputados destacaram a falta de reparação total de danos em eventos ocorridos desde 2001, com destaque para os rompimentos de barragens em Mariana (Central) e Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A falta de um marco legal foi apontada como uma das razões desse desamparo. Eles também reforçaram que há em Minas um grande número de barragens, tanto de água como de contenção de rejeitos industriais e de minério, com potencial de risco alto ou médio para as pessoas, a economia e o ambiente.

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