Indígenas foram afetados pelo rompimento de barragem do Fundão, em Mariana
O rompimento da barragem do Fundão em Mariana, região Central de Minas, em 2015, lançou 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos ricos em sílica e óxido de ferro, segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O material tóxico atingiu uma área de 1.459 hectares, comprometendo importantes áreas de preservação ambiental e causando inestimáveis perdas humanas. E, nesse contexto, a toxidade do também alcançou comunidades ribeirinhas dependentes da pesca e cultivo para comercialização e sustento próprio, entre elas o povo Krenak.
O projeto de pesquisa “Aquaponia como alternativas para a retomada da qualidade de vida das populações economicamente dependentes da pesca no Rio Doce”, selecionado na Chamada Capes – Fapemig – Fapes – CNPq – ANA Apoio a Redes de Pesquisa para Recuperação da Bacia do Rio Doce – buscou implementar o sistema de aquaponia na aldeia dos Krenak localizada próximo a Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, com o objetivo de reaver a capacidade de cultivo para consumo próprio.
A coordenadora do projeto, veterinária, especialista em inspeção e tecnologia de produtos de origem animal, Lílian Viana Teixeira, explica que a aquaponia multitrófica é um sistema em que várias formas de vida coexistem de forma harmônica. “Ele se baseia no equilíbrio entre o crescimento da planta e do peixe. Os componentes que o peixe excreta na água vão ser absorvidos pela planta que usa isso para crescer”. A especialista exemplifica que este sistema tem sido aplicado no mundo inteiro, principalmente em contextos de populações vulneráveis em que são escassos os acessos à proteína animal e também na agricultura urbana.
Implementação com alteridade
A professora do curso de Aquacultura explica que o primeiro desafio foi encontrar algum povo indígena disposto a participar do projeto. “Naquela época estavam sendo muito assediados por diversos pesquisadores que faziam questionários e iam embora”, conta.
Após conseguirem uma parceria com a pajé da aldeia Krenak, a equipe desenvolveu um piloto no campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Lílian explica que foi necessário compreender e testar todos os processos para, então, implementá-los junto aos Krenak desenvolvendo uma cartilha de treinamento. Foram cultivadas no sistema ervas usadas em rituais tradicionais e duas espécies de peixe: o lambarí, por ser endêmico do Rio Doce e fazer parte da alimentação dos Krenak, e a tilápia, por sua resistência.
O trabalho com povos tradicionais deve sempre ser realizado com respeito às tradições e crenças. Lílian relembra que um dos objetivos do projeto era desenvolver a biorremediação do Rio Doce, processo que utilizaria microalgas capazes de absorver metais pesados e filtrar a água. Estas também poderiam ser usadas, se comprovadamente fertilizantes, na agricultura. Apesar disso, a aldeia não aderiu à iniciativa. “Para eles, depois que isso aconteceu, o rio estava morto. Ele não poderia ser ressuscitado”, relata Lílian.
Impactos positivos
A coordenadora do projeto relembra que a pajé do povo Krenak buscou divulgar a outras aldeias a implementação da aquaponia, uma vez que ela também impactava positivamente na saúde mental dos integrantes da aldeia envolvidos. “A depressão é algo muito recorrente nas aldeias indígenas. O fato de manter o equilíbrio de um sistema e ter plantas e animais vivos sob os cuidados para eles, vendo muito nitidamente o equilíbrio, e depois consumindo-os, para eles foi muito interessante”, elucida Lílian.
Observação ambiental
Lílian explica que o projeto sofreu diversas reviravoltas em seus planejamentos e metas, mas explicou que um elemento principal de uma pesquisa é a observação. “A ciência é um projeto de comprovação, mas é principalmente de observação”. A equipe recebeu relatos da pajé de que os peixes do Rio Doce apareciam com lesões e as plantas não nasciam e nem se desenvolviam no solo próximo ao rio. Esta observação deu origem a um trabalho de mestrado sobre a toxicidade da Eteramina em peixes. A professora explica que agora a pesquisa pretende se estender no estudo de anfíbios, que são grandes marcadores de qualidade ambiental e desequilíbrio ecológico. “Este projeto foi desenvolvendo uma teia de projetos pela observação ambiental”, afirma.
Repercussão internacional
No fim do ano passado, o pôster publicado pelo grupo de pesquisa foi selecionado para se apresentar na Global Conference on Aquaculture 2020, organizado pela Food and Agriculture Organization of the United Nation (FAO) em Xangai, na China. A equipe também foi convidada a relatar o projeto em um artigo que foi publicado na FAO Agriculture News (FAN) n°64. Confira a edição na íntegra (em inglês).