Livre iniciativa e proteção do mais frágil na relação comercial foram abordadas na reunião que celebrou 30 anos do CDC
Ponderações sobre possibilidades de equilibrar a intervenção do Estado e o livre mercado, no que tange aos direitos do consumidor, marcaram as explanações feitas na primeira parte da audiência que a Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) dessa sexta-feira (11).
Proposta pelo presidente da comissão, deputado Bartô (Novo), a atividade marca o aniversário de 30 anos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), contido na Lei 8.078, de 1990. Além do parlamentar, o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, que será um dos palestrantes desta tarde, também participou presencialmente. Os demais expositores e deputados fizeram seus pronunciamentos remotamente, por meio de videoconferência.
Na primeira palestra, cujo tema foi “Defesa do consumidor e intervenção do Estado”, o professor de direito do consumidor e ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça Ricardo Morishita Wada afirmou que “não há avanço econômico sem respeito ao consumidor e aos seus direitos previstos na Constituição Federal”.
Segundo ele, quando o Código de Defesa do Consumidor foi criado, em 1990, houve um medo quase generalizado entre fornecedores e comerciantes de que o novo regulamento quebraria seus negócios, mas o tempo provou o contrário. Ricardo Morishita está entre os estudiosos que defendem a proteção ao consumidor como direito e garantia fundamental, tal como consta no artigo 5º da Constituição Federal. Em sua opinião, mesmo valorizando a livre iniciativa, o Estado não pode se abster da defesa do consumidor.
Sobre a polêmica envolvendo a recente alta no preço do arroz, Ricardo Morishita considera que a Secretaria Nacional do Consumidor está fazendo o papel que lhe cabe. Na sua avaliação, não é razoável que, diante de um cenário de pandemia, da tragédia nacional que o País vive, um produtor decida exportar todo o seu produto, para lucrar mais.
Ao fazer um retrospecto da importância dos Procons no avanço e na universalização da defesa do consumidor, Morishita destacou a realização das pesquisas de preço, que ajudam o cidadão a formar sua opinião e, ao mesmo tempo, expõem o fornecedor que esteja cometendo abuso.
Ele também citou o Movimento das Donas de Casa, que surgiu em Belo Horizonte, na década de 1980, e presta um valioso serviço de pesquisa, denúncias e conscientização dos consumidores.
Para expositor, liberdade de mercado é coletivização da tomada de decisão
Na segunda explanação, que abordou “O direito do consumidor e o livre mercado”, o ex-secretário nacional do consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública Luciano Benetti Timm disse concordar com a maioria dos argumentos de seu antecessor, porém avaliando-o como mais dogmático em contraposição à própria postura, mais pragmática.
Na visão de Luciano Timm, não há preponderância de um princípio constitucional sobre o outro e, portanto, a livre iniciativa e os direitos do consumidor não estariam em oposição.
“Apostar em livre mercado é fazer também defesa do consumidor, porque dá a ele direito de escolha, é a coletivização da tomada de decisão”, avaliou.
O ex-secretário ainda ressaltou que essas três décadas do CDC trouxeram ganhos, mas ainda há pontos a aperfeiçoar. Entre os avanços, citou maior conscientização dos consumidores sobre os seus direitos e mais segurança jurídica, com um sistema de regulação, “ainda que imperfeito”. Ao abordar as falhas, destacou as dificuldades de acesso à Justiça, cujo número de processos envolvendo direitos de consumo seria de cerca de 30 milhões.
Controle versus liberdade – O promotor de Justiça e coordenador do Procon Estadual, Amauri Artimos da Matta, que mediou os debates, ressaltou que o Código de Defesa do Consumidor nasceu de demandas concretas da sociedade. Para ele, é preciso ponderação para mediar os interesses do mercado com a proteção da parte mais frágil das relações comerciais, que é o consumidor.
Ele também defendeu que, em tempos de calamidade e pandemia, é preciso haver, sim, algum controle de preços, ou mesmo punição para quem se aproveita disso para lucrar mais.
“Muitas vezes, fala-se em livre iniciativa, achando que ela não pode ser limitada pelo direito, o que é um equívoco. O Poder Judiciário deve exercer esse controle. Não podemos confundir desburocratização com falta de regulação. Esse equilíbrio entre liberdade de concorrência e direitos do consumidor é o que devemos buscar”, concluiu.