Até o momento, penas de prisão totalizam mais de 117 anos. Ainda existem outros 21 processos criminais em andamento
Após três anos de atuação, o Ministério Público Federal (MPF) já obteve a condenação de 12 dos 15 policiais rodoviários federais acusados da prática de crimes apurados por uma força-tarefa que congregou a própria Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Polícia Federal (PF), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o MPF, e culminou na realização da Operação Domiciano, em 22 de junho de 2017.
Naquele dia foram cumpridos 19 mandados de prisão preventiva e 33 de busca e apreensão contra policiais rodoviários federais lotados na 17ª Delegacia da PRF, que tem sede em Uberlândia (MG), mas estende sua atuação por outros municípios do Triângulo Mineiro.
Na ocasião também foram presos quatro empresários e comerciantes da região, que eram suspeitos de obter vantagens na relação com os acusados.
Os 15 policiais denunciados correspondiam a 1/4 do efetivo total da unidade e vinham sendo investigados desde 2016 pela Corregedoria da PRF por crimes de corrupção passiva, peculato, prevaricação e concussão, inserção de dados falsos em sistema público de informações e violação de sigilo funcional.
De acordo com as denúncias do MPF, a prática dos atos irregulares era tão habitual e sistemática, que, quando a corregedoria iniciou a apuração das condutas criminosas por meio de procedimentos internos, mesmo cientes de que estavam sendo investigados, os policiais não cessaram os achaques contra motoristas que transitavam nas rodovias federais da região.
Diante do grande número e da frequência com que as denúncias chegavam ao órgão, a corregedoria acionou o MPF, dando-se início a uma ampla e sigilosa investigação, que compreendeu o monitoramento telefônico e outras medidas autorizadas pela Justiça Federal, incluindo quebras de sigilo fiscal e escutas ambientais.
Um mês após a deflagração da Operação Domiciano, o MPF ofereceu as primeiras 17 denúncias. Posteriormente, foram oferecidas outras 21, resultando em 38 ações penais. Em média, cada policial responde a pelo menos três diferentes processos, mas há casos em que um deles é réu em oito diferentes ações criminais.
Cafezinho
Os crimes geralmente ocorriam quando os réus eram escalados para trabalhar em dupla, e, durante a fiscalização, surgiam oportunidades de obtenção de vantagens indevidas. As escutas instaladas nas viaturas, após autorização judicial, flagraram os denunciados solicitando propinas de motoristas que transitavam de forma irregular: para deixarem de lavrar autos de infração e aplicar multas ou efetuar retenções e apreensões dos veículos, era comum eles pedirem dinheiro para um “cafezinho”.
Uma prática também habitual era a do recebimento de propina para ignorarem o trânsito irregular de máquinas agrícolas, que, por suas dimensões, não poderiam trafegar pelas rodovias. Em alguns casos, em prévio acerto com os empresários e comerciantes, eles chegavam a escoltar tais máquinas, para que chegassem ao seu destino sem serem abordadas pela fiscalização.
Outro crime apurado pelos investigadores foi o da inserção de informações falsas nos sistemas informatizados da PRF. Alguns policiais, com a intenção de ludibriar a administração da Delegacia da Polícia Rodoviária Federal em Uberlândia, realizavam testes de bafômetro em si mesmos e lançavam as informações como se tivessem efetuado os testes nos condutores abordados.
O objetivo era o de cumprir metas de fiscalização de trânsito estabelecidas pela gestão e ganhar a pontuação correspondente na avaliação de desempenho individual (ADI), o que, entre outras vantagens, lhes favorecia na escolha do período de férias, progressão funcional e escolha de escala de trabalho.
Em uma das ações, o MPF relatou que os réus sequer tomavam maiores cuidados no momento de efetuar os registros no relatório: em um dos casos, dois dos então PRFs inseriram no sistema a informação de que teriam realizado 30 testes de alcolemia (quantidade mínima prevista para a avaliação de desempenho individual), quando os dados do aparelho só indicavam 25 sopros no bafômetro.
Condenações
No total, o MPF ofereceu 38 denúncias, que foram recebidas pela Justiça Federal, com a instauração das respectivas ações penais. Dessas, 17 já foram julgadas, com 15 sentenças condenatórias contra 12 policiais.
Em uma das ações, como o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) havia determinado o trancamento do processo contra um dos acusados em razão de uma irregularidade processual, o MPF corrigiu a deficiência apontada pelo TRF1 e ofereceu nova denúncia pelos mesmos fatos, que foi recebida, instaurando-se um novo processo criminal.
As sentenças ainda não transitaram em julgado e se encontram em grau de recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Penas
Em todas as condenações, a pena de multa teve o dia-multa fixado em metade do valor do salário-mínimo vigente à época em que os crimes foram praticados, mas o quantitativo final deverá ser atualizado monetariamente na data do seu efetivo pagamento, o que se dará na fase de execução da sentença, após o trânsito em julgado. Isto significa que, considerando-se a menor pena aplicada (de 10 dias-multa), o valor final de cada uma, provavelmente, não será inferior a R$ 5 mil. A questão é que, como a maioria dos policiais responde a mais de uma ação, o valor da pena de multa será multiplicado conforme o número de condenações.
A mesma situação ocorre com as penas de prisão. Embora ainda existam 21 ações em andamento, alguns policiais já foram condenados a penas que ultrapassam os 10 anos de reclusão. É o caso de Sílvio César Vasconcelos Brígido, cujas condenações já somam 27 anos e 5 meses, seguido de Marco Antônio Domingues, com 14 anos e 8 meses de prisão. Condenado em três processos, Marco Antônio ainda responde a outras sete ações penais.
Perda do cargo público
Nas sentenças, a Justiça Federal também decretou a perda do cargo de policial rodoviário federal dos réus condenados, determinando à Polícia Rodoviária Federal que promova oficialmente sua demissão após o trânsito em julgado das sentenças condenatórias. Por enquanto, desde a deflagração da operação, todos os policiais denunciados permanecem afastados de suas funções.
Na prática, quatro policiais já foram demitidos após o encerramento de processo disciplinar conduzido pela PRF: Sílvio César Brígido, Cristiano Ferreira, Marco Antônio e Jean Carlos. O policial Denis de Oliveira teve sua aposentadoria cassada.
Outra condenação imposta pelas sentenças consiste na obrigação de ressarcimento, pelos réus, dos valores despendidos pelos cofres públicos para o custeio da Operação Domiciano, calculados, à época, em R$ 316.327,14. Essa quantia deverá ser dividida igualmente entre todos os condenados, policiais e civis.
Improbidade
Além dos processos criminais, o Ministério Público Federal também vem acionando civelmente os envolvidos. Até o momento, foram ajuizadas 14 ações de improbidade administrativa, pedindo a condenação dos policiais e das pessoas que obtiveram vantagem às custas dos atos irregulares praticados pelos agentes públicos.
As sanções, previstas na Lei 8.429/1992, preveem, entre outras, a suspensão dos direitos políticos, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios oficiais, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e o pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da última remuneração recebida pelos policiais.
O MPF também pediu, nas ações de improbidade, a condenação dos requeridos por dano moral causado à imagem e à reputação da Polícia Rodoviária Federal, bem como por dano moral coletivo.
Segundo as ações, os atos praticados pelos réus “possuem significância que transcende os limites da
tolerabilidade, causando frustração à comunidade. Tais ilícitos, praticados por policiais rodoviários federais à sorrelfa, valendo-se de sua função pública, possuem alto grau de reprovabilidade, causam comoção social, descrédito, além de serem capazes de produzir intranquilidade social e descrença da população, vítima mediata da prática criminosa”.
Complexidade
A diversidade e habitualidade dos atos criminosos resultou na complexidade da investigação, com a decretação inicial de quebras de sigilo, que foram seguidas das prisões preventivas, busca e apreensão, arresto e suspensão da posse e do porte de armas e, por fim, a instauração de 61 inquéritos policiais.
A atuação do MPF, que teve início ainda na fase de investigação, por meio do acompanhamento das medidas e da emissão de manifestações em todas as cautelares, prosseguiu nas fases posteriores, opinando em cada um dos 19 pedidos de liberdade provisória e nos sete pedidos de restituição de bens e acompanhando cada um dos inquéritos policiais.
Desses, 21 acabaram arquivados, porque, embora houvesse indícios do recebimento da vantagem indevida, as provas coletadas pelos investigadores não foram suficientes para o oferecimento de denúncia.
Segundo os pedidos de arquivamento, a dificuldade na formação de provas conclusivas decorreu tanto da própria dinâmica dos crimes, que são praticados de forma rápida, sem deixar vestígios e em locais isolados, quanto do medo de represálias por parte das vítimas.
De acordo com o MPF, quando há apenas indícios do crime, as vítimas não são identificadas e não denunciam espontaneamente, fica inviável prosseguir na persecução.