Recente artigo publicado no DRD mostrou aos valadarenses que o Parque Natural da cidade tem 55 espécies vegetais, das quais somente 24 são nacionais. Alega-se também que no parque podem ser observados remanescentes da Mata Atlântica, esplêndido bioma tipicamente brasileiro que se estendia, no passado, do Nordeste ao Rio Grande do Sul. Estima-se que naquela faixa florestal existam cerca de 20 mil espécies de plantas, entre as quais árvores monumentais, como o jequitibá rosa, a braúna, o parajú, o jatobá, o jacarandá, o pau-brasil, e tantas outras ligadas à nossa história, à nossa culinária e à nossa cultura. Hoje restam apenas de 8% daquele magnífico conjunto de espécies vivas, o maior do planeta.
Cumpre, assim, atribuir à sobrenaturalidade a pretensão dos responsáveis de, com 55 espécies de plantas, representar a exuberância, a riqueza e o vigor estético da Mata Atlântica. Com um paupérrimo estoque de espécies vegetais, a maioria formada por bugigangas botânicas estrangeiras, o parque passa longe de representar o mirabolante ecossistema que extasiou Charles Darwin em 1832, nas cercanias de Salvador, na Bahia. E os estudantes que frequentam o lugar ficam sem ver de onde vem o açaí com o qual se deliciam, não sentem a majestade dos gigantescos jequitibás, nunca vão nunca degustar a sensação do grande Guimarães Rosa quando ele escrevia “o buriti ia para os céus, inventando um abismo…”, ou “o buriti-grande, na campina, represando os azuis e verdes…”. Serão ainda necessários muitos buritis, curupitas, carnaúbas, sapucaias e outras tantas para que o verde esmaecido do parque chegue ao verde vibrante da bandeira brasileira, o único país do mundo que tem o nome de uma árvore.
Alguns alegam que, além de sobrenatural, o parque se revela mal-assombrado, pois ali vagam à noite fantasmas dos gigantescos jequitibás, que chegam a viver 3 mil anos, chorosos por terem sido esquecidos nos parcos plantios que ali se efetuam. Por ali, à noite, perambulam também as piaçavas, espetaculares palmeiras do litoral da Bahia que, com as fibras que formam ao redor do tronco, proveem material de limpeza a milhões de donas de casa brasileiras, que desconhecem sua beleza. Choram também porque, além de não estarem representadas no parque, o lugar que seria delas em praças da cidade foi tomado por palmeiras-imperiais colombianas. Também já foram vistos ali à noite almas penadas de umbuzeiros, deliciosa fruta baiana que poucos brasileiros conhecem. A braúna, madeira escura em tupi, mostra sua sombra negra aos transeuntes, triste por ter sido esquecida nos plantios do parque, e isto depois de ter feito a fortuna de madeireiros da região, fornecendo estacas de madeira imperecível aos fazendeiros. Ainda hoje seu vulto escuro pode ser visto em cercas ao redor da cidade. Os parajús também arrastam seus galhos nas folhas secas à noite, assustando os incautos, pois dizem que só são lembrados na hora de se fazer um telhado, mas ninguém ainda viu o esplendor de uma grande árvore da espécie nos arredores da cidade. E nenhum foi plantado no parque, o que não surpreende ninguém, pois, como dizia Nelson Rodrigues, somos os Narcisos às avessas. Adoramos o exótico, o estrangeiro e relegamos o nacional, o brasileiro, às queimadas que assolam a região nos meses de seca. Afinal, o conjunto bisonho de espécies nacionais do parque reflete o descaso com elas na cidade em si.
O que dizer de uma cidade onde, em plena avenida Brasil, nenhuma palmeira é brasileira? E o que dizer da praça perante o Banco do Brasil, onde a única coisa brasileira é o banco? E os jardins dos Correios, onde se misturam quinquilharias botânicas como iúcas mexicanos, arecas africanos e palmeiras caribenhas? O que dizer da revoltante prática do Semov de reduzir a pó as milhões de flores de vassourinha que crescem, sem serem plantadas, no barranco da Feira da Paz? Milhões de flores brancas, que atraíam borboletas, beija-flores, insetos variados, abelhas, pássaros, compondo um refrescante ecossistema que fazia a alegria dos transeuntes na ponte da Ilha, foram acoimadas de “mato” e arrasadas com vigor psicótico.
Renega-se acintosamente o passado silvícola, sombrio, riquíssimo em espécies de plantas e animais, a favor de praças desérticas, onde o sol tortura os cidadãos que pagam a conta do desprezo por seu bem-estar, sendo convidados a se sentar em bancos de concreto a 80 graus C. Praças eivadas de plantas estrangeiras como se as 70 mil espécies arbóreas do país não satisfizessem as exigências estéticas caolhas dos seus responsáveis. Como exemplo, cita-se a recente Praça do Imigrante, para onde foram doadas mudas de jequitibá e parajú. Mas os paisagistas preferiram as mirradas resedás, arbustos floridos asiáticos. Coitado do imigrante que procura olhar para o outro lado… talvez para os EEUU, onde se gastam mais de 1 bilhão de dólares anualmente no extermínio de plantas invasoras exóticas das áreas de preservação DELES?…
por Gilson Essenfelder | Ambientalista