Presença de jovens amplia reflexão sobre políticas públicas de combate ao trabalho infantil
Brasília – Dezenove integrantes do Comitê Nacional de Adolescentes na Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Conapeti) e dos Fóruns Nacional e Estaduais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil participaram, dia 17 de setembro, pela primeira vez, de uma reunião da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do Ministério Público do Trabalho (MPT). O convite teve como objetivo concretizar a Convenção sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que reconhecem a participação sociopolítica de crianças e adolescentes como um direito humano. A reunião ocorreu na sede da Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT), em Brasília.
O MPT busca fomentar a participação de adolescentes no combate ao trabalho infantil e nas discussões sobre a temática, a partir da escuta de suas vozes, permitindo-lhes seu desenvolvimento como sujeitos políticos.
A participação de adolescentes será institucionalizada no âmbito da Coordinfância, após decisão do colegiado. A ideia é que os encontros sejam realizados, pelo menos, duas vezes ao ano. “Demos o primeiro passo no processo de escuta, que precisa ser institucionalizado na coordenadoria, a partir de um movimento de interação e amadurecimento institucional”, diz a coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, Ana Maria Villa Real. Ela acredita ser necessário permitir que os sujeitos ocupem espaços nas instituições. Isso contribui para o desenvolvimento do pensar criticamente e para a formação da cidadania e também para o fortalecimento da própria democracia. “O modelo adultocêntrico foi superado no âmbito normativo, quando crianças e adolescentes se tornaram sujeitos de direitos e, portanto, passaram a ser reconhecidos legalmente como dotados de identidade e de protagonismo. Abrir espaço para a participação sociopolítica de crianças e adolescentes faz com que saiamos da nossa condição de privilégio”, acrescentou.
O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, ressaltou a importância da participação de representantes de todo o Brasil. “A capilaridade das regionais do Ministério Público do Trabalho permite essa escuta, que é essencial no enfrentamento à exploração do trabalho da criança e do adolescente e nas discussões respectivas”.
Primeira coordenadora nacional da Coordinfância, a subprocuradora-geral do Trabalho Eliane Araque também destacou a importância da participação de jovens na definição da atuação do MPT. Segundo ela, é importante que os jovens digam quais são seus interesses, demandas e como enxergam seus direitos. “A voz de cada um e cada uma de vocês é muito importante para que a gente possa executar o nosso trabalho, em prol de vocês, em prol dos seus direitos e em prol da garantia integral que lhes é devida”, afirmou.
A coordenadora Ana Maria Villa Real reafirmou ser preciso dar acesso ao conhecimento aos sujeitos, de forma que possam formar juízo crítico e desenvolvimento de suas potencialidades criativas. “Permitir a participação sociopolítica de adolescentes no âmbito da Coordinfância vai auxiliar no processo de empoderamento e de busca por uma sociedade mais justa, mais inclusiva e menos desigual”, afirmou.
Experiências – Durante o encontro, os 19 jovens, moradores de 15 estados, compartilharam suas experiências com integrantes da Coordinfância. Naian Cássio, 16 anos, contou sua história como trabalhador infantil morador de uma comunidade no Pará. Ele via, diariamente, as crianças ao seu redor que tinham que ajudar a família vendendo mercadorias em ônibus e semáforos ou pedindo dinheiro nas ruas. “Sempre vivi dificuldades financeiras; meu pai trabalhava na rua, batendo de porta em porta. Eu ia junto. Íamos de manhã e voltávamos à noite com o dinheirinho para sustentar a casa”, contou.
Gustavo Guedes, 17, da Paraíba, não vivenciou o trabalho infantil, mas contou sua luta para que crianças e adolescentes não tenham que passar pela experiência. Ele afirmou que o trabalho infantil tira de uma criança o direito de estar na escola. “Tenho relatos de crianças que tiveram que sair de suas casas para contribuir com a renda familiar. Isso não afeta somente minha geração, mas também as futuras”, disse.
Ana Beatriz Sampaio, 18, contou que começou a trabalhar na infância, aos 14, para ajudar sua família a levar o sustento para casa. Ela sentia que as pessoas ao seu redor gostavam de vê-la trabalhando, ainda que criança. “Com o tempo, vi que aquilo não estava me fazendo bem. Eu não conseguia render na escola. Tenho TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) e tinha dificuldade para me concentrar. Sempre sonhei em ingressar em uma universidade e ter um futuro”, falou.
Dados – Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Educação de 2019, 20% das 50 milhões de pessoas de 14 a 29 anos no Brasil não completaram alguma das etapas da Educação Básica. Os resultados mostraram, ainda, que a passagem do ensino fundamental para o médio acentua o abandono escolar. Entre os principais motivos para a evasão escolar, os mais apontados foram a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). Entre as mulheres, destaca-se ainda gravidez (23,8%) e afazeres domésticos (11,5%).
O número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil chegou a 160 milhões em todo o mundo, um aumento de 8,4 milhões de meninas e meninos nos últimos quatro anos, de 2016 a 2020. Além deles, outros 8,9 milhões correm o risco de ingressar nessa situação até 2022 devido aos impactos da Covid-19, de acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Maria Luiza Moreira de Souza, sob supervisão de Rogério Brandão (MPT)