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MP e Defensoria Pública recorrem de ação contra o desconto do auxílio financeiro dos atingidos pela barragem

FOTO: Divulgação

As instituições públicas que atuam na defesa dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, em Mariana, entraram com um recurso nesta quarta-feira, 30, pedindo a suspensão da decisão judicial que permitiu à Samarco descontar os pagamentos realizados a título de Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) das indenizações das vítimas da tragédia.

Os autores do recurso também querem que a mineradora seja condenada, em decorrência de seu comportamento processual, a pagar multa por litigância de má-fé e dano moral coletivo causado à sociedade impactada.

Assinam o recurso promotores de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), membros da Defensoria Pública de Minas (DPMG), do Espírito Santo (DPES) e da União (DPU) e procuradores da República do Ministério Público Federal (MPF) que integram a Força-Tarefa Rio Doce.

A decisão da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte foi comunicada em 27 de dezembro de 2018, durante recesso judiciário. Na prática, a Justiça Federal permitiu à Samarco o não cumprimento, tanto da cláusula 137 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado em 2016, quanto das obrigações assumidas em cerca de oito mil acordos individuais firmados com atingidos pela barragem, nos quais a empresa se comprometeu a prestar auxílio emergencial e arcar com lucros cessantes.

A cláusula 137 do TTAC previu a instituição de um programa de auxílio financeiro à população impactada que tenha tido comprometimento de sua renda em razão de interrupção comprovada de suas atividades econômicas e produtivas até o restabelecimento das condições para a retomada dessas atividades.

Para as instituições, a decisão “não só desconsiderou indevidamente, e sem a justa motivação, diversas cláusulas dos acordos firmados, mas igualmente deixou de atentar para as graves consequências econômicas, fiscais e sociais da mudança promovida. A referida decisão impacta na vida de milhares de famílias de atingidos promove o caos social e transfere, indevidamente, à União, aos estados e aos municípios atingidos os custos da tragédia provocada por particulares, socializando o dano causado”.

O recurso registra, também, que a decisão da Justiça viola a Cláusula 100 do TAC Governança, firmado em junho de 2018 e homologado pelo mesmo Juízo da 12ª Vara Federal, em que as partes comprometeram-se a “não requerer quaisquer medidas cautelares, liminares, antecipatórias ou de urgência, salvo no caso de descumprimento deste acordo, sem que antes sejam envidados os melhores esforços para a solução consensual dos conflitos”.

Assim, por essa cláusula, Samarco, Vale e BHP Billiton Brasil, no momento em que assinaram o TAC, concordaram em discutir aberta e previamente com o Ministério Público e Defensoria Pública qualquer divergência, antes de submetê-la ao Judiciário.

No caso em questão, isso não ocorreu. E o que é mais grave: “a Samarco pretendeu controverter – após ter se reunido com Ministérios Públicos e Defensorias Públicas ao longo de todo o ano de 2018 – uma questão que, no âmbito do CIF, era antiga. Esse tema (natureza jurídica do auxílio financeiro emergencial previsto no TTAC) poderia ter sido levado à negociação que estava em curso. Mas não foi. (…) Ao contrário: ao longo de 2018, as deliberações 111 e 119 foram acatadas pelas empresas poluidoras e, por conta disso, a Fundação Renova (por elas mantida e controlada) promoveu a readequação de seu programa de indenização mediada (PIM) com o fim de observar o quanto acordado no TTAC consoante a interpretação vigente”, diz o recurso.

Ou seja, ao “permitir à Samarco litigar sobre questão em relação a qual estava expressamente impedida pelas cláusulas do acordo que assinou, houve quebra do procedimento validado pelo TAC-GOV”, que o próprio Juízo Federal havia homologado.

Programas diferentes

Ao fazer seu pedido, a Samarco alegou que o pagamento cumulado do auxílio financeiro emergencial (AFE) e dos lucros cessantes seria injusto, porque resultaria em enriquecimento sem causa das pessoas beneficiadas. As instituições explicam, no entanto, que a alegação não se sustenta, pois os programas possuem natureza e finalidades distintas.

O AFE é um pagamento mensal que visa compensar cada família pela perda de suas atividades econômicas. Por exemplo, pescadores que viviam dessa atividade e que nunca mais puderam retomar sua fonte de renda devido à contaminação das águas do Rio Doce. Já os lucros cessantes [aquilo que a pessoa deixou de lucrar em razão do evento] referem-se a compromissos assumidos pela empresa em acordos individuais firmados com atingidos.

Os autores do recurso ainda lembram que a tutela concedida à Samarco instaurou “verdadeiro caos” entre as comunidades atingidas, levando as pessoas ao desespero, diante da frustração de não ver cumprido o que tinha sido acordado pela empresa. “Alguns, inclusive, chegaram a afirmar que, caso soubessem que haveria esse desconto, teriam prosseguido com as ações judiciais individuais propostas e não teriam aderido ao PIM – Programa de Indenização Mediada”, destaca o recurso.

Outra questão suscitada pelos autores do recurso é o fato de a decisão judicial retirar a confiabilidade dos instrumentos de negociação criados ao longo dos anos, que visam dar suporte às pessoas atingidas, com o estabelecimento de canais de diálogo e participação. Segundo as instituições, com a decisão, a Justiça Federal concedeu às empresas causadoras do desastre, por meio da Fundação Renova, que as representa, poder para agir como “devedora e fiscal do compromisso reparatório”.

Dano moral coletivo

A Samarco alegou ainda, ao pedir a tutela, que estava arcando com responsabilidade que seria do Poder Público. Para a empresa, a União é que deveria ser obrigada a pagar seguro-defeso aos pescadores, fato contestado pelas instituições. “É bom registrar que os agravantes repudiam, com veemência, o argumento de que as vítimas do maior acidente ambiental da história do país querem enriquecer ilicitamente, às custas das empresas que, com suas condutas omissivas e comissivas, protagonizaram o evento. Esse nefasto argumento seria, por si só, causa de dano moral coletivo, já que tenta distorcer a realidade e transformar os carrascos em vítimas, como se estivessem sofrendo algum tipo de achaque por parte das pessoas cujas vidas foram destruídas ou substancialmente afetadas por eles”, lembram.

Além disso, a “fixação de um valor mínimo, desconsiderando a real renda mensal alegada pelos atingidos, aliada à demora no pagamento das indenizações e do próprio lucro cessante, trouxe o ônus para atingidos e atingidas de desestruturação econômica e financeira da sua família. Muitos viviam com mais que o dobro do que estão recebendo e hoje, além de possuírem dívidas, tiveram drástica redução do padrão de vida, sendo comuns relatos de atingidos cujos filhos tiveram que abandonar o curso superior por impossibilidade de pagamento, por exemplo. Não havia contentamento sobre o valor pago (a título de AFE), todavia, por ser uma verba de manutenção distinta do lucro cessante, muitos atingidos aceitaram acordos que não contabilizaram esses prejuízos que, sem dúvida, vieram como consequência direta do desastre”, relata o agravo, frisando que foram as empresas que concordaram expressamente com a prestação de medidas e ações de assistência social aos impactados, explicitada na cláusula do TTAC, que, inclusive, criou a Fundação Renova para exercer, entre outras, essa atribuição.

 

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