por JOSÉ MARQUES
FOLHAPRESS
A força-tarefa da Lava Jato em São Paulo chega, nesta terça-feira (29), ao seu último dia de atuação nos moldes atuais sob indefinição a respeito do futuro das investigações.
Parte do acervo coletado durante os mais de três anos da força-tarefa paulista pode ser redistribuído dentro do Ministério Público Federal em São Paulo após avaliação de um grupo de procuradores que assumirá os casos.
Na tentativa de evitar que grandes investigações acabem sem conclusão, os últimos quatro integrantes da força-tarefa têm trabalhado para enviar alguns dos inquéritos que tocavam à Polícia Federal.
Sob responsabilidade da Lava Jato de São Paulo estão investigações sobre suspeitas de irregularidades em grandes obras tocadas pelos governos do PSDB de São Paulo, como Rodoanel e Metrô, sobre atividades de familiares do ex-presidente Lula (PT) e também sobre pagamento de propina na construção do Itaquerão.
No início de setembro, a força-tarefa informou à Procuradoria-Geral da República e ao Conselho Superior do Ministério Público Federal que deixaria a Lava Jato, de forma escalonada, ao longo do mês. Dos oito procuradores, quatro ainda permanecem trabalhando até o fim desta terça.
A saída do grupo aconteceu por insatisfações com uma colega, a procuradora Viviane Martinez. Apesar de ser oficialmente a titular do setor que cuida dos casos da Lava Jato (chamado de 5º Ofício), ela não fazia parte da força-tarefa e não trabalhava nas investigações relacionadas à operação.
No entanto, os procuradores disseram que ela vinha interferindo nos trabalhos, retirando investigações do 5º Ofício e encaminhando para distribuição por sorteio dentro do Ministério Público Federal em São Paulo.
Por trás do pedido de desligamento, havia a esperança de que houvesse uma “permuta”: a troca de Viviane como titular do setor por outro procurador mais alinhado à operação.
O nome mais provável era o de Daniel Salgado, conhecido por ter atuado na Operação Monte Carlo, que mirou o empresário de jogos Carlinhos Cachoeira. Se Salgado assumisse os casos e também a coordenação da Lava Jato em São Paulo, parte dos procuradores que anunciaram que deixariam a operação seriam mantidos.
Mas, de acordo com relatos internos, Salgado impôs algumas condições para virar chefe da operação em São Paulo. Primeiro, queria que a Procuradoria-Geral da República garantisse que a força-tarefa poderia funcionar ao menos por um prazo que desse a ele condições de trabalhar nos inquéritos em andamento. O ideal seria, no mínimo, até abril do ano que vem.
Além disso, queria que houvesse condições estruturais para os trabalhos da força-tarefa, com mais servidores à disposição do grupo.
Só que essa tentativa foi por água abaixo. No último dia 14, ele conversou com o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros. Segundo membros do MPF, Jacques inicialmente acenou positivamente a respeito das demandas de Salgado.
Depois, de acordo com esses relatos, teria refluído e não dado as garantias que o procurador queria para assumir os casos da força-tarefa, especialmente a de manter a equipe até depois de janeiro do ano que vem. Salgado, então, desistiu de tentar virar o chefe da operação em São Paulo.
Para que houvesse a permuta, teria que haver também o aval de Viviane. Ela, porém, passou as últimas semanas articulando para montar uma equipe própria que analise os casos da Lava Jato com a previsão de redistribuí-los internamente até o fim do ano.
Viviane pediu à Procuradoria-Geral da República para ter dedicação exclusiva nos casos da operação e solicitou a ajuda de outros colegas.
Em nota, a assessoria de comunicação do Ministério Público Federal em São Paulo disse que as investigações da operação “continuam em andamento”.
“A procuradora natural do caso, Viviane Martinez, solicitou e teve sua desoneração aprovada pela Procuradoria-Geral da República, portanto poderá se dedicar integralmente”, diz a nota.
“Foi pedida a desoneração também de um procurador de outro estado e, em consulta nacional, outros procuradores manifestaram interesse em colaborar sem desoneração. Em conjunto, eles farão uma avaliação do atual acervo de investigações, que podem vir a ser redistribuídas.”
Em sua última semana, os procuradores da força-tarefa trabalharam para redigir documentos que apontem a conexão dos casos com a Operação Lava Jato. Também atuaram para destinar procedimentos que consideram de extrema importância à Polícia Federal.
É o caso, por exemplo, de inquéritos relacionados ao Metrô de São Paulo. Eles envolvem menções a integrantes do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e políticos da cúpula do Governo de São Paulo, inclusive da gestão João Doria (PSDB).
A Lava Jato tem duas denúncias já prontas que podem ser apresentadas nesta terça-feira à Justiça. Uma a respeito de um cartel de empreiteiras e outra sobre lavagem de dinheiro internacional da Dersa (estatal paulista de rodovias).
Até a tarde desta segunda (28), o grupo ainda consultava a Corregedoria para saber se podia apresentá-las sem a assinatura de Viviane.
Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral da República confirmou tanto a sondagem do procurador Daniel Salgado como a da procuradora Viviane Martinez. Também afirma que não teve informação oficial de que ela quisesse realizar permuta de ofício.
A PGR afirma que, por uma questão de coerência, “não pode tratar desigualmente as várias forças-tarefas -é preciso dar a todas condições semelhantes”.
O órgão deu prazo máximo de funcionamento da Lava Jato do Paraná até janeiro do ano que vem, menor do que o solicitado pela força-tarefa paulista.
“A PGR privilegia o uso de recursos da própria unidade do Ministério Público Federal no suporte às forças-tarefas. No contato com o procurador Daniel Salgado, o vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou apoiar a mobilização de recursos da Procuradoria da República em São Paulo para auxiliar nos processos do referido ofício.”
A Lava Jato de São Paulo foi criada em 2017 e expandida em 2018, com o objetivo de cuidar de desdobramentos da operação enviados para o estado. No tempo de atuação, apresentou quatro denúncias contra Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador do PSDB. Também foram denunciados os ex-presidentes Lula e Michel Temer (MDB) e o ex-governador José Serra (PSDB-SP).