O alerta do WhatsApp saltou na tela do celular. “Bom dia. Você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos”, escreveu o chefe, sem rodeios.
Mensagens enviadas a uma empregada doméstica levaram a Sexta Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) a manter uma indenização por dano moral. Para a Justiça, faltaram consideração, cordialidade e educação.
Em tempos de home office e ferramentas virtuais, a decisão acende o alerta, dizem especialistas. Na forma, demissões por aplicativos têm sido aceitas, mas se deve zelar pelo respeito no conteúdo.
Julgamentos recentes têm debatido o uso de aplicativos de mensagens no ambiente de trabalho, incluindo nas dispensas – e é preciso ficar atento, pois as decisões tendem a condenar abusos, tanto do empregador como do empregado.
O caso concreto narrado no início da reportagem ocorreu antes da pandemia da covid-19. À empregada, que foi demitida em 2016, a juíza Lenita Corbanezi, da 2ª Vara do Trabalho de Campinas (SP), assegurou indenização de três salários, fixados, em 2018, em R$ 2.400.
Na decisão, a juíza diz que um empregador pode demitir um empregado quando quiser, mas “a sumária dispensa via WhatsApp”, afirmou ela, “denota, no mínimo, falta de respeito à dignidade humana, não se justificando nem mesmo em nome dos avanços tecnológicos e de meios de comunicação virtuais”.
Corbanezi repudiou ainda acusação feita pelo empregador, também por mensagem, de que a empregada doméstica teria falsificado assinatura em documentos na rescisão. O chefe voltou atrás da denúncia.
O patrão, porém, recorreu na tentativa de não pagar a indenização. O caso foi parar na Sexta Câmara da Terceira Turma do TRT-15, onde o pedido para reformar a sentença foi negado em 2019.
Diante dos argumentos, o relator, desembargador Jorge Luiz Souto Maior, alfinetou: “Mas, pensando melhor, talvez seja mais didático invocar a Lei de Talião e, simplesmente, dizer ao reclamado [empregador]: Boa tarde, você foi condenado. Pague o valor indicado na sentença em 48 horas, assim que citado para tanto, sob pena de perder a casa. Receberá em breve indicações de como proceder”.
O empregador recorreu de novo. O caso chegou ao TST, em Brasília, onde, “dada a relevância da matéria”, foi aceito. Em 26 de maio deste ano, o pedido contra a indenização foi mais uma vez negado e a condenação, mantida.
“Não se ignora que o conteúdo da mensagem de dispensa foi telegráfico nem se ignora que as regras da cortesia e da consideração devam ser observadas em quaisquer etapas da relação de trabalho”, escreveu a relatora, ministra Kátia Arruda.
Os ministros da Sexta Turma não avaliaram a legalidade do uso do aplicativo, tampouco definiram se o conteúdo das mensagens foi ofensivo. Para Arruda, faltaram informações sobre a comunicação entre patrão e empregada.
“No entanto, para que se pudesse concluir nesta corte superior se foi ofensivo ou não o conteúdo da mensagem da dispensa precisaríamos saber do contexto da mensagem, e não apenas do texto da mensagem. O contexto é que dá sentido ao texto”, afirmou a relatora.
Mesmo sem esse contexto, os ministros mantiveram o pagamento fixado pelo TRT-15 à empregada. Não cabe recurso.
Para o professor de pós-graduação em direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) Ricardo Calcini, a indenização foi mantida por uma questão técnica.
“O TST tangencia o assunto, mas não diz se vale usar o WhatsApp, se vale o tipo de mensagem. Diz apenas que não dá para dar provimento ao agravo [recurso]”, afirmou.
No entanto, para que não se invoque, como fez o desembargador, a Lei de Talião – da reciprocidade da pena em relação ao dano causado, ou o popular “olho por olho, dente por dente”, o empregador deve estar atento ao usar ferramentas de comunicação na crise sanitária.
Segundo Mayra Palópoli, do escritório Palópoli & Albrecht, advogados de trabalhadores, por exemplo, poderão usar a decisão do TST como precedente para questionar demissões por WhatsApp.
“É subjetivo. Não se trata de precedente de indenização em caso de dispensa pura e simples por WhatsApp. Mas abre um precedente de uma análise subjetiva da forma como se deu a dispensa pelo WhatsApp”, afirmou.
A advogada, que atende empresas, defende cuidados redobrados. “Desde o início da pandemia, recomendamos que a dispensa seja por chamada de vídeo”, afirmou.
Videoconferências são menos impessoais do que mensagens de texto, de acordo com Luiz Afrânio Araújo, do Veirano Advogados. Para ele, o uso de aplicativos é válido para demissões.
“É necessário, porém, que isso nunca seja feito em grupos e se busque fazer de forma menos impessoal”, afirmou. Outras decisões do TST ilustram o entendimento de Araújo de que desligamento por aplicativo é permitido.
Em setembro passado, por exemplo, a Quinta Turma da corte julgou válido o pedido de demissão feito por uma vendedora por WhatsApp e lhe negou direito à estabilidade por gravidez. Ela disse ter descoberto a gestação após o desligamento.
Já a Terceira Turma ordenou, também em setembro, pagamento de indenização a uma supervisora de telemarketing por assédio de gestores em grupo de WhatsApp. Eram cobrados resultados e até o tempo de ida ao banheiro.
Em 12 de maio deste ano, a Primeira Turma afirmou, em outra frente, que não há suspeição de testemunha por ela participar de grupos de WhatsApp e redes sociais. Logo, não se configurou amizade íntima.
Para evitar constrangimentos, Letícia Ribeiro, sócia do Trech Rossi Watanabe, disse que o uso do WhatsApp não é recomendável. Se inevitável a ferramenta, por mais simples e diretas que sejam as mensagens, Ribeiro defendeu padrões mínimos de comportamento. “É esperado, e costumeiro, certo cuidado com a dignidade na comunicação da dispensa.”
Para Guilherme Feliciano, professor de direito do trabalho da USP, também se deve evitar o aplicativo. Segundo ele, o uso é polêmico, embora a lei não preveja veto ao WhatsApp nas comunicações. “Mas não é tão simples assim”, afirmou. “Orientaria para que não procedesse a comunicação nesses termos.”
Feliciano destacou que, no caso da empregada doméstica, a ministra tratou da necessidade de avaliar o contexto. Porém, para ele, “a mensagem telegráfica pareceu desdenhosa, desrespeitosa, uma maneira de diminuir o outro”.
Em fevereiro deste ano, a 18ª Turma do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região), que abrange Grande São Paulo e Baixada Santista, chancelou o uso do WhatsApp na demissão de uma coordenadora pedagógica.
Para a relatora, desembargadora Rilma Aparecida Hemetério, o aplicativo “é uma ferramenta de comunicação, como qualquer outra”. Segundo ela, o WhatsApp “se tornou um grande aliado, especialmente no ano de 2020, em razão da pandemia”.
Hemetério lembrou que mensagens trocadas valem como prova. Por isso, elas servem para demonstrar a decisão de romper o vínculo de emprego, seja por parte do empregador, seja pelo empregado.
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DEMISSÕES EM TEMPOS DE PANDEMIA:
– O modo mais comum de demissão é o presencial
– Em tempos de Covid, empresas têm usado ferramentas tecnológicas em muitas áreas de atuação e adotado, por exemplo, quando possível, o home office
– A demissão sem justa causa é um direito do empregador, mas não pode haver abuso na condução do processo de desligamento de um empregado
COMO EVITAR CONSTRANGIMENTOS:
1 – Quando não for possível a demissão presencial, advogados recomendam a realização de chamada por vídeo
2 – Outro instrumento cabível é o desligamento por chamada de voz
3 – Em ambos os casos, com a concordância de ambas as partes, recomenda-se a gravação da conversa para evitar questionamentos posteriores na Justiça
4 – Em caso de mensagens por escrito, o empregador deve executar a demissão com um texto mais bem elaborado e respeitoso, menos impessoal
FERNANDA BRIGATTI E WILLIAM CASTANHO – SÃO PAULO, SP, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) –