Até sexta-feira (11/3), evento aborda noções básicas, boas práticas e iniciativas no Estado
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por meio da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) e da 3ª Vice-Presidência, deu início, nesta quarta-feira (9/3), às palestras da Semana Mineira da Justiça Restaurativa. A programação do primeiro dia foi dedicada às noções gerais sobre a Justiça Restaurativa, com duas palestras, ministradas pela educadora Petronella Maria Boonen e pela juíza do Tribunal de Justiça do Paraná Jurema Carolina da Silveira Gomes.
A abertura do evento foi feita pela desembargadora Mariangela Meyer, superintendente adjunta da Ejef, que representou o 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da Ejef, desembargador Tiago Pinto. A magistrada deu as boas-vindas aos participantes e falou sobre a importância do seminário, ocasião para as palestrantes compartilharem experiências e conhecimento sobre o tema. “A 3ª Vice-Presidência está efetivamente implantando a Justiça Restaurativa no TJMG, e isso é um sonho antigo da instituição.”
O 3º vice-presidente do TJMG, desembargador Newton Teixeira Carvalho, que também compôs a mesa de honra, falou sobre os desafios na implantação da Justiça Restaurativa no Judiciário. “Os métodos autocompositivos são uma construção. Cada participante do seminário vai duplicar esse conhecimento, como um mensageiro da paz, espalhando informações sobre essa justiça do século 21. Essa é uma forma de justiça barata, simples e inclusiva que, efetivamente, se preocupa com os envolvidos”, lembrou.
Complexidade
O desembargador explicou que o objetivo da 3ª Vice-Presidência é ampliar o uso das práticas restaurativas, que podem ser utilizadas não apenas no Judiciário, mas também em escolas, instituições públicas e comunidades. “A Justiça Restaurativa pensa o conflito levando em consideração a sua complexidade e valorizando as necessidades e o sentimento das pessoas que vivenciam situações de dor e que sofrem dano. As práticas restaurativas também podem ser utilizadas onde não existe conflito, mas onde é preciso restaurar as relações em vários contextos. Ela representa a superação dos desencontros em uma sociedade que é multidisciplinar e complexa”, disse.
O magistrado afirmou que trabalhar em rede e com parcerias é fundamental para o sucesso do avanço da Justiça Restaurativa. “O debate desse tema é de suma importância, porque significa o encontro do Judiciário com a sociedade. E o nosso objetivo é aliar a teoria à prática.”
O juiz auxiliar da 3ª Vice-Presidência, José Ricardo dos Santos de Freitas Véras, também integrante da mesa de honra, falou aos participantes sobre os esforços da 3ª Vice-Presidência para disseminar conteúdos e promover formações relacionadas às práticas restaurativas e à não-violência. “Com isso, cumprimos uma necessidade social e atendemos ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Não queremos só divulgar essa temática, mas instituir a prática, com qualidade no serviço oferecido e com profissionais aptos a atuar nessa área. Este ano pretendemos continuar estimulando e expandindo essa política”, adiantou.
A mediadora do seminário, desembargadora aposentada Hilda Teixeira da Costa, que é coordenadora do Comitê de Justiça Restaurativa (Comjur), explicou que o TJMG pretende transformar a Semana Mineira da Justiça Restaurativa em um evento permanente para a divulgação de conhecimento sobre o tema e sobre as boas práticas em desenvolvimento.
Pacificação social
A primeira palestra – Revisitando conceitos a partir de 15 anos de prática – foi ministrada pela educadora Petronella Maria Boonen, que é referência em âmbito nacional na área de justiça restaurativa. A palestrante atua no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP), em São Paulo/SP, e é cofundadora da linha de Perdão e Justiça Restaurativa do CDHEP.
A palestrante ressaltou a importância de que a Justiça Restaurativa tenha diversidade de visões, com profissionais de diversas áreas do conhecimento. A educadora falou ainda sobre a trajetória da Justiça Restaurativa no Brasil, que chegou ao sistema carcerário a partir da Pastoral Carcerária. “Fizemos cursos para agentes carcerários e para pessoas presas. Apesar da boa acolhida das pessoas presas, a minha frustração era pela falta de participação do sistema de justiça nas iniciativas de Justiça Restaurativa. Não havia envolvimento. Procuramos o Ministério Público e magistrados para o diálogo, mas não encontramos abertura. A argumentação era a de que faltava previsão no arcabouço jurídico brasileiro”, relembra.
Em 2018, a aplicação da Justiça Restaurativa no Judiciário do Distrito Federal deu início a uma nova fase. Após três meses no acompanhamento de um caso, as partes chegaram a um acordo. “O sistema de justiça existe para chegar à pacificação social. Precisamos trabalhar para reparar a desigualdade e a injustiça estrutural, que é reproduzida até mesmo dentro do Judiciário.”
Petronella Maria Boonen falou também sobre a necessidade de que as iniciativas de Justiça Restaurativa trabalhem com uma visão que vá além do aspecto relacional entre vítima e ofensor. “Precisamos estar atentos às questões institucionais e estruturais, como as relacionadas às questões de gênero, porque tudo incide sobre as pessoas. O caso em questão é parte da coletividade, na qual todos nós estamos enraizados.”
A educadora defendeu um trabalho que priorize a emancipação das partes, de forma que todos sejam capazes de perceber as conjunturas sociais envolvidas e os estereótipos que são reproduzidos durante a abordagem dos casos.
Judicialização
A segunda palestra – Implementação da Justiça Restaurativa em Tribunais – foi proferida pela juíza Jurema Carvalho de Silveira Gomes, do Paraná. Instrutora de cursos sobre o tema promovidos pelo CNJ e integrante do Comitê Gestor de Justiça Restaurativa do CNJ, ela falou sobre a elevada judicialização de casos nos últimos anos, o que tem levado o Judiciário a um colapso. “Precisamos pensar como responder ao conflito de forma racional, prospectiva e não-violenta. Na Justiça Restaurativa, vemos o conflito como um precursor da mudança”, afirmou.
A magistrada defendeu que o Judiciário se esforce para entender os motivos da elevada judicialização e procure formas de tratar essa realidade, identificando, por exemplo, as narrativas que estão atreladas às situações. “Como agir, como poder público, para frear a judicialização? Não podemos agir apenas com base em aspectos jurídicos ou econômicos, mas com vistas à pacificação social. Muitas vezes, as decisões judiciais resolvem os aspectos processuais, mas não solucionam o conflito social”, lembrou.
A juíza Jurema Carvalho de Silveira Gomes ressaltou a complexidade cada vez maior das relações sociais e falou sobre a importância de que o direito esteja aliado a outros saberes e a uma visão multidisciplinar. “As pessoas não precisam só ter acesso à justiça, mas a garantia de que terão uma resposta justa e célere”, disse.
A juíza lembrou, contudo, que a Justiça Restaurativa não pode ser considerada a única solução para os problemas enfrentados pelo Judiciário. “Precisamos estabelecer critérios mínimos para que a Justiça Restaurativa seja aplicada, sem banalizações, e com respeito às particularidades envolvidas. Um dos critérios é que todos os atingidos pelo conflito estejam envolvidos na busca pela solução. É importante que haja a responsabilização do ofensor e que também se atenda à necessidade da vítima e ocorra a reparação do dano. A Justiça Restaurativa olha para a vítima sem deixar de olhar para o ofensor”, explicou.
Responsabilização
A magistrada também afirmou a necessidade de que as pessoas entendam que falar em Justiça Restaurativa e em não-violência não significa passividade. “Estamos em uma luta contínua e precisamos assumir um papel combativo. Só não podemos responder de forma raivosa”, defendeu.
A palestrante explicou ainda que a Justiça Restaurativa não tem aplicação apenas em áreas específicas do direito, como a criminal. “Os campos de aplicação não estão definidos em atos normativos. Então, é preciso analisar o caso concreto, verificar a participação voluntária das partes e ouvir vítima e agressor. Precisamos empoderar a vítima e responsabilizar o agressor.”
Para a magistrada, a proposta da Justiça Restaurativa é de transformação do sistema judicial. “Não podemos pensar na Justiça Restaurativa como mais uma ferramenta para reduzir processos, mas como uma iniciativa que deve se tornar mais do que uma política judiciária, alcançando status de política pública.”
Ao fim das palestras, os participantes fizeram perguntas, que foram respondidas pelas palestrantes e comentadas pela mediadora.
A Semana Mineira da Justiça Restaurativa continua nesta quinta (10/3) e sexta-feira (11/3), com palestras realizadas das 9h30 às 11h30 e transmitidas ao vivo pelo canal da Ejef no YouTube. Nesta quinta, serão abordadas as iniciativas e práticas restaurativas no âmbito do TJMG. Na sexta-feira, as palestras vão tratar das práticas restaurativas em casos de violência doméstica e familiar. TJMG